Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que cerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo. Traduzindo, a cada três segundos alguém se mata. A cada linha que seus olhos percorrerem destas maldigitadas, uma pessoa vai colocar um ponto final na existência. Aff...
O grau de espanto aumenta ainda mais ao descobrirmos que para cada pessoa que é, digamos, “bem-sucedida” em seu intento, pelo menos outras 20 fracassam. O tema não faz parte do cardápio dos jornais sobreviventes porque acredita-se que a divulgação contribui para o aumento dos casos. Mais uma vez, a internet nos possibilita fugir dos padrões e trocar ideias com total liberdade.
Sem disposição (e estofo) para defecar regras ou dar conselhos, creio que o problema é muuuito maior e as estatísticas não conseguem abranger todas as tentativas contra a vida. Afinal, somos todos suicidas potenciais. Duvida?
Para o romancista francês Honoré de Balzac, “a resignação é um suicídio cotidiano”. Principiando pelo trampo, você é realizado profissionalmente ou pertence à laboriosa classe das prostitutas? Não há terceira opção. Ou você curte o que faz ou aluga o seu tempo por dinheiro num escambo conformista. A desvantagem em relação às mães de certos senadores é que não é possível lavar o tempo e usá-lo novamente.
Algumas pessoas se saíram bem ao trocar projetos legais por outros mais rentávei$. Um caso comumente citado é a transformação do Fausto Silva do Perdidos na Noite para o Faustão dominical. No caso dele, virar bundão ao quadrado encheu as burras (e o pavilhão retofuricular) de dinheiro. Para tantos outros, a grana envolvida é ligeiramente menor. Basta consultar o seu holerite.
Relações amorosas sem futuro também são formas institucionalizadas de suicídio. As doses são pequenas e administradas lentamente (como a velocidade dos dias), mas cadê a força para lutar? A casa vira um proscênio de encenações cotidianas, mas a produção artística assemelha-se às novelas da TV Record. Da mesa de jantar à cama (nem sempre nessa ordem), imperam os clichês modorrentos de sempre. E não adianta reclamar com o bispo...
A imperativa busca de saúde também pode ser considerada um suicídio a prestação. Afinal, quem curte a ideia de trocar uma suculenta picanha mal passada por um bife de soja acompanhado de salada de broto de alfafa? À mesa, renúncias e sacrifícios são necessários para que supostamente a gente viva um pouco mais. Que tal trocar de vez a alfafa por capim e assumir o caráter meio asinino dessas escolhas?
A decantada síndrome de Gabriela (“Eu nasci assim”) é responsável por divórcios com o espelho, numa tentativa geralmente vã de literalmente não olhar para si mesmo. Sempre me encasquetei com o fato de algumas mocinhas acima do peso terem uma coleção de correntinhas para o tornozelo. Não seria melhor colocar seus pezinhos com unhas esmaltadas em fúcsia para flanar numa esteira de vez em quando? À noite, se entopem de brigadeiro e, por vezes, não rola nem com um cabo raso. “Decidi assumir que sou uma gordelícia”, resignam-se...
Dá até medo de fazer blague com gordurinhas porque o mundo está cada vez mais dominado por patrulhas como as do governador paulista José Serra. Aliás, a expressão de higidez física e o bom humor dele são provas da inutilidade de sua cartilha. O cigarro está liberado nos anos bissextos para tabagistas cujo nome contenha simultaneamente as consoantes k, h e a sílaba “da”. Nas cantinas das escolas, coxinha (assada) de ricota com aveia para a garotada. Só falta agora os planos de saúde recusarem cobertura para quem assiste aos programas da Sonia Abrão e da Luciana Gimenez, indicadores eloquentes de perfil suicida no mais alto grau.
Lamento desfazer seu sorriso tão amarelo quanto o pintinho do Gugu. Mesmo que não tenha se enquadrado nos exemplos acima, se teve escroto de chegar até aqui, acabou de cometer um pequeno suicídio. Yes, para o vovô porra-louca Millor Fernandes, “quem mata o tempo não é assassino; é suicida”. Eu, eu, eu. Você se deu mal. =)
PS.: Para sorte (e gáudio) dos leitores, nossos encontros neste espaço vão ocorrer em ritmo de menstruação atrasada: 28 + 2. Agradeço a são Lucas a graça (quase) alcançada.
"A cada linha que seus olhos percorrerem destas maldigitadas, uma pessoa vai colocar um ponto final na existência"... pensei em poupar vidas e parar de ler por aí, mas foi impossível.
ResponderExcluirAmo dizer que não sou uma das 20 que fracassaram, e que só mato meu tempo da melhor maneira possível.
Caraleo, que puta crônica Sérgio!!! Temas atuais vistos de uma forma bem leve e irônica. Gosto. Abração.
ResponderExcluirMuito bom Pava!
ResponderExcluirZenzazional!
ResponderExcluirBela crônica. Estou tentando me des-suicidar. É difícil sair do lugar comum e recusar a grana no início do mês de uma foda mensal de 20 dias com 1 hora de almoço. Felicidade é para poucos, meu caro.
ResponderExcluirCara, só você mesmo pra pegar um tema árido (e por isso mesmo raro de se ler) e dar um trato destrutivamente delicioso ... E mais, fazer a gente pensar.
ResponderExcluirE ao final sair revigorado pra celebrar a vida - a melhor de todas as opções.
Valeu Pava!
Supostamente inteligente... supostamente atual supostamente politicamente correto.. mas e so mais um querendo falar o que quer sem base...
ResponderExcluirMandou benzasso! Eu estava sem ler os posts, pois estou sem computador, e voltar com um texto ótimo desses fez com que eu quisesse ler muitos outros! Parabéns!
ResponderExcluirQ filho de uma p... esse escritor!!! HAHAHAHA!! Adorei o texto. Apesar de falar coisas já ditas, repetiu de um jeito autêntico. Parabéns.
ResponderExcluirPS: odeio gt covarde. Não mostra a cara pq?
hahahahahahahahahaha
ResponderExcluirnunca me senti tão parte das estatisticas antes. me sinto realmente inclusa no mundo depois de ler esse post.
"A decantada síndrome de Gabriela (“Eu nasci assim”) é responsável por divórcios com o espelho, numa tentativa geralmente vã de literalmente não olhar para si mesmo."
essa foi minha parte favorita, só pra constar. rs
Que bom ler este texto.Visitei uma região aqui em Portugal, Alentejo, onde é registrado o maior indice de suicídio do país nos últimos anos e desde então tento gravar um programa sobre o assunto. Foi difícil achar pessoas para falar... Mas consegui e na próxima sexta estarei gravando e vou citar seu post, ok?
ResponderExcluirParabéns! Muito bom mesmo!
Me inclui dentro do movimento pró-coxinhas! Uma das boas coisas da vida ao lado de sorvete comido de colher no pote e dormir agarradinho.
ResponderExcluirMarilia
Adorei!
ResponderExcluirUm dia, quando eu crescer, vou escrever tão bem quanto vc!
Abraços, e sucesso!
dnegrisolli
Adorei!
ResponderExcluirUm dia, quando eu crescer, vou escrever tão bem quanto vc!
Abraços, e sucesso!
dnegrisolli
Gostei muito,muito,... leve, irônico, profundo, e, concordo de uma maneira ou de outra somos todos suícidas.
ResponderExcluirPARABÉNS
Como não cometer suicídio? De onde tirar forças para opor-se ferrenhamente ao Grande Sistema? É aquela história: morrer é fácil. O difícil é viver...
ResponderExcluirE viver não é só difícil como também sublime! Tá, claro que ainda que sublime, também medíocre às vezes - ao menos pra mim. Escolho alguns poucos sistemas menores, frutos do Grande, e me distraio dando uma de "revolucionário" (preguiçoso com toda certeza).
Acordar cedo quando o corpo roga por mais 5 miseráveis minutinhos não é suicídio, é tortura crônica. É por isso que "de quando em vez" quase decido, naquele ímpeto imóvel, a virar monge...
nããoooo... rs
ótimo texto, cara!
clap clap
ResponderExcluirSó pra constar, a Ju Cruz nasceu assim mesmo, mas ela já teve coração.
ResponderExcluirBelo texto de estréia hein ... Parabéns !!
ResponderExcluirVocê é o demônio. eu sou um suicida potencial. A gente lê quase sem respirar. O ritmo é de computador, um computar perverso, tipo Hal, e a gente não pode parar para perder a crítica-piada que vem depois. A verve, o estilo, e o ácido sobre a massa de dominados, o veículo (televisivo) da praça, e certo humor-sacana encerra sem doçura um mês de muita instrospecção poética. Logo no fim do mês você nos premiou com caustico-humor capeta que exige que a gente seja "vivo" para não perder o tino. O lance da menstruação foi cruel achado, e agradeço estar vivo para ler o Pava/Pavarini que nos (des)orienta para ver no politicamente-correto a gradual perda de nossas liberdade.
ResponderExcluirExcelente texto, isto é muito verdadeiro em quase todos os seus aspectos. Faltou fizer do comportamento das pessoas no trânsito, dos motoqueiros que morrem bestamente, das pessoas que bebem e dirigem, ambos são comportamentos suicidas.
ResponderExcluirPena que o texto descambou para falar mal dos gordos, os leprosos da nova era. Não são suicidas também pessoas que se lesam fisicamente de tanto fazer exercício e os comportamentos anoréxicos que danificam a saúde.
"Afinal, somos todos suicidas potenciais. Duvida?"
ResponderExcluirNão duvido nem um pouco!!!
Eu sou uma suicida em potencial.... e olha que meu potencial é muito grande!!!
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
Muito bom mesmo. Me faz pensar!!
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