“Aquele que luta contra nós fortalece nossos nervos e aprimora nossas qualidades. Nosso antagonista trabalha por nós.”
Edmund Burke
Edmund Burke
“Por que você não olha p/ o espelho e se suicida?”, me recomendou alguém há algum tempo no blog. “Você é fútil e só sabe usar o ctrl c + ctrl v”, disse outro comentarista arguto (sem rimas e trocadilhos, por favor). Para esses franco-atiradores, não importa o assunto abordado no post. Crentes até a medula em certas ideias isoladas de Maquiavel, o que vale é a sensação de alívio após desferir o tiro. O caráter aparentemente transgressor parece catapultar o ato um tanto covarde ao pódio dos feitos intimoratos; a adrenalina de correr riscos de o locatário do espaço revidar o ataque e, assim, notar sua existência, deixa a aventura ainda mais excitante.
O anonimato na blogosfera tem mão dupla. Ao mesmo tempo que preserva a pessoa de ser alvo de contra-ataques diretos, também não permite receber medalhas no peito. A máxima referência conquistada são essas palavras batucadas despretensiosamente, numa espécie de “monumento ao franco-atirador desconhecido”.
Como acontece tanto nas tramas folhetinescas como nos grandes romances, na área de comentários os escrevinhadores falam mais de si mesmos do que do assunto abordado. Ao clicar “publicar”, o post não mais pertence ao blogueiro. Cada leitor vai (re)agir conforme seu repertório de convicções. Quando os belicosos assestam suas armas e regurgitam impropérios, as palavras revelam medos, mágoas e outros sentimentos que geralmente permanecem trancafiados em lugares esconsos da alma. Infelizmente, a catarse verborrágica não tem efeito terapêutico e as neuras continuarão sendo companhia permanente.
Seleciono com cuidado as palavras para não transmitir a ideia falsa de que ajambro essa reflexão para revidar “ataques”. Da mesquinhez e da necessidade de vencer até embates contra os sobrinhos no videogame, quero distância. Sou testemunha de quão bem esses princípios funcionam. Abrir mão de “ter razão” num conflito deixa o caminho livre para recompensas mais duradouras do que vencer a discussão. “Perde-se” a briga, mas a paz preenche o espaço que antes era ocupado por conquistas muitas vezes obtidas às custas de feridas naqueles que ousaram se interpor em nosso caminho.
O psiquiatra suíço Paul Tournier desnuda em caráter definitivo internautas e blogueiros monotônicos: “Combatemos o que sabemos que exerce grande domínio sobre nós. Quanto mais medo tivermos, mais autoritário e arrogante nos mostraremos”. Quanto mais potentes as lentes, mais detalhes são expostos. Contudo, esse tipo de strip-tease só tem valor se provocar empatia e diminuir as distâncias.
O final de ano é a época ideal para esvaziar gavetas, sejam elas físicas ou mentais. Sambistas de uma nota só podem (e devem) enriquecer o discurso em 2010. É tempo de baixar a guarda e abrir as portas do coração. Sei que isso soa piegas, mas a paixão sempre perde intensidade quando submetida às rédeas da razão.
Como nos alerta Nilton Bonder, “o adversário está mais nos próprios impulsos do que no outro”. E o rabino continua: “Já que o inimigo mora do lado de dentro, a ausência de paredes é, ao contrário de uma ameaça, a própria esperança”. Se ele vai ocupar sua cama durante o próximo período, que ao menos proporcione momentos de prazer que só a verdadeira intimidade pode dar.
Inspirados pelo filósofo Zina, a hora é de cair pra dentro, fórmula perfeita para quem deseja brilhar muito no ano que vai nascer. Eu topo. Por que não? =)