sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Poder das Palavras

Josenilson nasceu no sertão, numa região esquecida pelos políticos que apenas passavam por lá para angariar votos daquela gente sem esperança de que um dia aquilo ali iria melhorar. A cidadezinha de Picacu não tinha infra-estrutura e nem saneamento básico, por isso, era comum a população sofrer de vermes na barriga e serem acometidos por esquistossomose tais as péssimas condições de higiene locais.

O rapaz, o quinto de nove irmãos, sempre trabalhou no sítio em que nasceu de parteira. Ajudava o pai a criar algumas cabras. Plantar não dava certo, a terra era seca e esturricada demais. Só de olhar para o horizonte ardia a vista de tanto sol.

Josenilson andava descalço pelo campo, riscando o chão com um graveto, enquanto as cabras pastavam o pouco de planta rasteira que tinha pela área. Um dia acocorado sobre as pernas, revoltou-se: inconformado com o sofrimento de sua família, que tinha que andar quatro quilômetros a pé para trazer baldes de água lamacenta, começou a se lamentar:

"- Pur quê, meu sinhô? Pur que o sinhô nos castiga anssim? Num pudia mandá chuvê um cadinho nessas terra?"

De repente, lá no céu, nuvens pretas que o moleque nunca tinha visto na vida começaram a se formar. Raios começaram a pipocar e fizeram-no estremecer. Num estrondo mais forte, ele pegou-se tapando seus ouvidos de medo e assim, do nada, gotas de água começaram a molhar o seu rosto que via a tudo incrédulo.

A princípio Josenílson começou a gritar de tanta felicidade, pulava nas poças de água que logo se formaram pela terra que ficou encharcada. Mas o que era para ser algo bom, virou um tormento. Piracu não estava tão pouco preparada para tanta água e a chuva fez reavivar uma nascente que estava adormecida no subsolo.

Os nichos começaram a brotar do solo com tamanha fúria que em instantes começou a inundar tudo. E o menino sertanejo que brincava despreocupado não viu a enxurrada vindo em sua direção. Atingiu-o em cheio e o levou longe. Assustado, sem saber nadar e sem saber o que fazer, sumiu no meio do aguaceiro.

Dias depois foi encontrado segurando o crucifixo que levava em seu pescoço. Morto.

8 comentários:

  1. Coitadinho do Josenilson!!!!

    Por isso que eu sempre tomo muito cuidado com o que eu peço...

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  2. Isso é uma metáfora pelos desmandos do homem e as revoltas da natureza? Ou uma alegoria em cima do texto blíblico da Arca de Noé, que no caso o rapaz não construiu? Ou um aviso tipo - não mexe com quem está quieto? Um alerta contra a inconformidade do ser humano e suas mazelas?
    Mas confesso que, sei lá, fiquei esperando um desfecho mais feliz.
    rsrsrs
    Beijo moça

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  3. Talvez as coisas não acontece da maneira que pedimos pelo simples fato de esquecermos que as palavras tem poder, pedindo de qualquer jeito como se fosse uma coisa qualquer;

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  4. Eu tinha acabado de chegar do hospital e, confesso, não tinha preparado o post para esse dia, então, matutei um pouco e pensei em escrever sobre esse aguaceiro que tem assolado o país todo. E, particularmente, acho que enquanto jogarmos tudo nas costas de Deus, inclusive os assuntos que são de ordem prática do homem, histórias como esta continuarão a acontecer no mundo todo. O poder das palavras nós temos, mas, somos tão negligente, ignorantes e preguiçosos que preferimos transferir o que é de nossa responsabilidade para terceiros. Até para o divino.

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  5. E, em tempo, Pensando: em geral, os personagens das minhas histórias não tem final feliz.

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  6. Fodam-se, o final das suas histórias.
    Tava pondo a maior fé no Josenilson, tadinho...
    Se você ressucitar ele aí pra frente, fala que eu mandei um abraço.
    Beijos

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  7. Reza pra ele, PC, quem sabe ele não tá lá ao lado de Deus, brigando com a sua pessoa? Kkkk!

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  8. Se estiver, está no colo.
    à direita é Jesus, à esquerda eu me pretendo.

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