Pela primeira vez trabalho com algo que quero. Eu não estudei pra nada, não fiz faculdade por preguiça e por não saber o que estudar. Sendo assim não se pode exigir muito na hora de entregar currículo né? aliás, não é pra exigir nada. Nessas eu fui frentista, trabalhei com manutenção de máquinas Xerox, com alarme de caminhões, na linha de produção de uma fábrica de tintas, serralheria, no arquivo da Telefônica, de recenseador do IBGE, de fiscal de sala em concurso público, numa biblioteca, com boca de urna entregando panfleto e de ajudante de pedreiro aqui em casa numa época que eu estava sem emprego e meu tio precisava de ajuda. E a cada ano que passava o fato de eu não ambicionar uma carreira ia me incomodando mais. Junto com esse incômodo crescia uma das únicas certezas que eu tenho na vida, a de que se tem uma coisa que eu gosto de verdade, essa coisa é gente. Todos esses empregos que eu tive, fossem eles chatos, legais, pesados ou leves, nunca importou. Quando lembro deles me vem na cabeça as pessoas que valeu ter conhecido. Aí um dia eu decidi fazer o curso de bombeiro civil. Não consegui emprego de bombeiro. Fiz o curso de auxiliar/técnico em enfermagem. Desde janeiro trabalho num hospital da minha cidade. Na emergência. Tô gostando bastante. Tem bastante gente lá. Doente. Doentes internados. Doentes trabalhando. Tem uma menina de uns 4 anos que é linda e vai lá todo dia receber quimioterápico. Ela vai morrer, é irreversível. A alegria dos funcionários. Lá tem também uma mulher que internou hoje com obesidade mórbida. Grávida. Amputou o pé ontem. Os funcionários que se alegram com a menininha mais eu fomos buscá-la com uma maca grande onde estava estacionado o carro que a trazia para levá-la até o leito. Os mesmos funcionários que se alegram com a menininha fizeram piadas escrotas assim que a deixamos no quarto. Gente. Gente que eu gosto. Gente como eu, imperfeita. Mas que ainda sim eu gosto, mesmo sem saber bem o porque.
Acho você muito corajoso, sabe?
ResponderExcluirNos dias de hoje, quando você escolhe uma formação acadêmica, você se torna um prisioneiro. E não me entenda mal. Você se torna um prisioneiro das expectativas dos outros e das suas mesmo, do teu emprego público, do livro de ponto e do salário garantido no fim do mês. Você é muito mais livre do que eu jamais serei. Eu sou um passarinho numa gaiola de ouro.
O material que compõe as barras faz alguma diferença?
Você tem a liberdade de ser algo diferente, de não se definir pela tua ocupação, e de continuar encontrando gente com quem se relacionar. E nem sei mais voar, mas ainda lembro do vento nas asas.
Ler esse teu relato foi muito tocante. Obrigada por partilhar conosco essa tua reflexão.
Um grande beijo.
Trampa com o que gosta e ainda dá tempo de mostrar os dotes futebolísticos no fim de semana, que beleza!!!
ResponderExcluirEstou na segunda graduação, sou formada em publicidade e agora estou seguindo meu instinto e cursando bio. Independente da área que formos escolher, gente escrota e sem caráter vai ter em todos os lugares, assim como gente "de bem". Como sou dialítica, forçosamente, convivo com profissionais da saúde mais do que gostaria e... A maioria é bacana, mas os que não são, capricham em suas idiossincrasias. Ah, o ser humano!
ResponderExcluirAmei esse post. Bela definição.
ResponderExcluirÉ por essa humanidade toda que eu sempre te incentivei a buscar um emprego pra cuidar de gente, no sentido literal da palavra.
ResponderExcluirAmei o post. E amo você.
Oi, Eduardo.
ResponderExcluirPrecisei voltar aqui hoje para contar uma estória do meu filhote.
Ele tem 6 anos, e hoje estava me ajudando a lavar louça, e saiu-se com essa:
- Mãe, quando eu crescer eu quero viajar pelo mundo lavando louça em um restaurante.
Achei lindo, de verdade. Meu filho quer ser livre, e se isso o fizer feliz, eu vou apoiá-lo com as minhas forças.
Um bj
nao gosto quando vc conta essas historias tristes.
ResponderExcluirass: marcela
ResponderExcluirA menininha vai morrer, é irreversível... vc vai morrer e eu tbm e o Bola e a Tati tbm... isso tbm é irreversível.
ResponderExcluirTe digo: cuida de vc p/ não compartilhar a doença com os pacientes e com os seus colegas de trabalho!
E eu tbm amo vc... e amo o Bola e amo a Tati... espero q tbm seja irreversível!
Eduardo é, gente que faz
ResponderExcluirEu gosto das coisas que voce diz e como diz ainda que elas sejam agridoces. Há muita beleza em existir.
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