Conta ela uma história de uma terra que aos nossos ouvidos parece muito distante. Uma terra quase de fantasia. E narra tudo com um saudosismo estampado no rosto que em momento algum é escondido pelas marcas que o tempo deixou.
Terra essa que pode ficar em algum lugar entre Minas e Amazonas, entre Pasárgada e Macondo. Terra em que os campos iam até onde a vista se perdia e o povoada era cercado de uma floresta grande e carregada de mistérios e bichos que careciam de nomes e eram batizados de forma arbitrária entre ela e seus irmãos.
Insiste ela em dizer que comia melado todo dia e todo o tipo de comida preparada em gordura de porco com farinha e que ainda sim tinha saúde de ferro e que não existia nessa época as doenças que existem hoje.
Diversão era desbravar o mato, nadar nos açudes – era uma exímia nadadora – e dia feliz era quando fazia frio e sua mãe dava a ela e a suas irmãs canequinhas de leite com melado de cana. Nesses dias, mal dormiam ansiosos para verem o efeito do frio sobre as canequinhas de ferro deixadas no sereno ao lado do poço para que pudesse virar um picolé. Isso sim era ser feliz.
Conta ainda história de onças que tinham suas patas decepadas por invadirem as casas feitas de palha, no meio da noite, para comerem as crianças recém nascidas e de cobras que no silêncio da madrugada, rastejavam sem nenhum sibilar e mamava na teta das mulheres que ainda amamentavam seus filhos.
Havia ainda, narrativa de longos passeios em cavalos até o entardecer nos campos ao redor do sítio que causava a ira de seu pai. Aventuras dentro da mata com animais que grudavam nas roupas e jamais soltavam; histórias de lobisomens que amedrontava todas as crianças da vizinhança.
Triste apenas, conta com lágrimas nos olhos, sobre seu irmão preferido que, em sonho, veio se despedir dela com um beijo gélido e molhado e dizer que agora estava tudo bem e que não a queria triste, antes mesmo de receber a notícia na manhã seguinte, de sua morte por afogamento no mar.
Nessa terra, povoada de magias e perigos, faz nosso pensamento ir longe para tentar achar onde ela se situa. Todo encantamento que lá existia é fácil perceber no brilho dos olhos de uma criança mesmo que tenham se passado mais de 50 anos.
Mesmo com os questionamentos de dúvida e as nossas caras de descrença ela continua a contar essas e muitas outras, sempre jurando e atestando a veracidade de cada uma delas. Todas, ela conta e lembra com enorme saudade, ainda mais quando na presença de sua irmã que voltou a ser criança, mesmo num corpo de velha.
Essa terra na qual mora a felicidade, eu ainda não encontrei, mas feliz sou eu de escutar essas e outras tantas histórias, podendo olhar nos olhos dela e viajar nesse mundo que se perdeu no tempo e no espaço.
Esse lugar entre mundos que nossas avós e tias falam não poderia ter melhor definição...
ResponderExcluir"Terra essa que pode ficar em algum lugar entre Minas e Amazonas, entre Pasárgada e Macondo."
Seu texto tem cheiro de bolo e gosto de terra molhada...justamente nesta ordem.
Lindo lindo. Careciam, carecer, carece. Amo essa palavra.
ResponderExcluirFiquei até com olhos marejados.
Obrigado pelos comentários Karla e Tati. O post não poderia ser pra outra pessoa já que ela (minha vozinha) completa seus 80 anos hoje.
ResponderExcluirFer....Lindo, lindo, lindo! Sempre emocionando com suas palavras....Saudades
ResponderExcluirQue coisa bonita! Que privilégio ter a companhia da contadora de histórias. =]
ResponderExcluirQue coisa linda!
ResponderExcluir