domingo, 26 de fevereiro de 2012

A pose da imagem

"... A fotografia não revela o mundo como um todo, mas como uma versão dele, cuidadosamente editada. Ela não está presa à verdade em qualquer circunstância que seja, pois está ligada a uma opinião, o que, aliás, a faz mais humana do que mecânica". Vik Muniz

No mês passado, não houve postagem. Não consegui sair do rascunho. Imersa na vivência de dores antigas, acabei por silenciar. Coincidência ou não, no decorrer deste mês, em alguns sites e blogs, deparei-me com textos que discutiam sobre o excesso de felicidade na Internet, sobretudo nos sites de relacionamento. Há toda espécie de "acusações". Li como certo que há quem viaje só para colocar as fotos no facebook. Ou pague mais caro pelo álbum de casamento -  virtual, evidentemente - do que pela festa em si. Pior do que isso só usar as palavras para descrever momentos felizes. Felicidade, como é possível? Neste mundo cão, de notícias tão aterradoras, quem pode se dar ao luxo de ser feliz, ou melhor, dizer a felicidade, mostrar felicidade, a não ser uma pessoa egoísta, leviana...  é o que parecem perguntar - ou acusar esses discursos.
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O que me incomoda nesses discursos é a pose disfarçada. No momento mesmo em que se denuncia a leviandade do outro, angaria-se para si uma espécie de responsabilidade ou militância para com os flagelos do mundo. O problema é que, de mais a mais, raríssimas vezes essa responsabilidade e/ou militância produzem práticas reais (por falta de melhor definição). Então, sobressai a pose::: mau humor pouco disfarçado ou, pior, mera incapacidade de gostar de gente. Ou como diriam os antigos: pura inveja da felicidade alheia. Afinal, o que se espera? A exposição da dor e da tristeza? Pois há quem faça isso - e muito.  E esse tipo de discurso costuma produzir um efeito pior, pois, convenhamos, o que uma pessoa descontente pode fazer de bom para a humanidade? No momento mesmo em que escrevo, reconheço como seria fácil rebater essa pergunta, pois penso em Kafka, Artaud, Dostoiévski, Thomas Bernhard.. gênios que, por serem atormentados e inconformados, ajudaram a construir nos seus leitores uma consciência dolorosa de mundo, dando-lhes um novo sentido de humano. Por outro lado, resta-nos saber se todos esses que levantam bandeira contra as imagens felizes do mundo virtual estão comprometidos com a própria dor a ponto de fazer dela um impulso criativo ou só sabem mesmo é apontar o dedo em riste num discurso vazio e raivoso em quem não está muito a fim de levantar a bandeira, seja em que direção for.

Enfim, essa postagem não é uma defesa ao direito de ir a Disney e colocar uma foto no facebook vestido de minnie ou mickey. A meu ver, o mínimo que podemos fazer por nós é vivermos bem - no mundo cão, quem precisa ter ao lado alguém que não se permite a alegria genuína, a leseira, a foto em frente à torre eiffel e que ainda sai alardeando que não quis fazer o que todo mundo faz? Melhor ser leso do que ser chato - nem que isso se aplique apenas a quem vive ao redor (do leso ou do chato). Mas a questão não é esta. Quando eu comecei essa postagem eu pretendia apenas dizer do descompasso da ideia de imagem. Pede-se, hoje, da imagem cotidiana o que nunca foi próprio dela. No advento da fotografia, famílias inteiras se reuniam apenas com o intuito de fazer o "retrato de família". E escolhiam a melhor roupa, o lugar mais agradável, com a maior claridade possível. E depois se descobriu que um sorriso, por mais discreto que fosse, fazia grande diferença... Já era um artifício. Pose. Invenção do cotidiano. Na era da internet, isso apenas ganhou mais visibilidade.  Vivemos, de fato, a variação de algo muito antigo.
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Tanto a felicidade quanto a tristeza são sentimentos individuais. Mostrá-los - e qual mostrar - é uma escolha. E eu, pessoalmente, não consigo ver mal algum em quem prefere mostrar o sorriso escancarado. Que diferença faria - e estamos sempre falando de diferença - se, por exemplo, eu expusesse na internet uma briga com o marido ou uma irritação profunda com o casco da casca do casco? Se a escolha for pela veiculação do cotidiano, por que parece ser tão ofensivo expor momentos como os registrados acima: marido cozinhando comida deliciosa... enquanto que, fora da imagem, filho perambula por ali, música boa toca na vitrola... e a fotógrafa mequetrefe (esta que vos escreve) só lesando, registrando, lendo em voz alta, deitando no chão para fotografar os bonecos do filho... Pose sem pose. Invenção do cotidiano. Ainda.
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