Na casa da minha avó tinha um monte de flores chamadas
capitães. Todas eram muito coloridas e nelas os insetos, como grilos e
borboletas, adoravam pousar.
Uma das minhas brincadeiras prediletas era passar a tarde
correndo atrás dos insetos com um pote de vidro e capturá-los para colecionar.
Um dia a mulher que trabalhava em casa me ensinou que eu
podia amarrar um cordão nas borboletas e carregá-las para onde eu quisesse,
como um “inseto de estimação”.
E assim o fiz.
Apesar de a brincadeira ser maldosa, ela era uma ótima
pessoa.
A empregada anterior que trabalhava em casa não tinha muita
paciência com crianças e a tarde ela gostava de convidar eu e minha irmã para
brincar de “dormir”. A gente dormia nas cadeiras embaixo da mesa (vocês podem
imaginar o quão “divertido” era) e às vezes eu era “convidado” a dormir na
rede. Como dificilmente o sono vinha, a saída era deitar de cara para baixo e
ficar olhando as horas passarem pelas frestas da trama do tecido.
Isso tudo aconteceu numa pequena cidade do interior de São
Paulo.
Nessa pequena cidade eu tive a possibilidade de vivenciar
aquela infância que os saudosistas adoram encher a boca para falar que tiveram.
Sou um deles.
Com uma população estimada em pouco mais de 7 mil habitantes
eu e meus amigos tínhamos espaço suficiente para brincar na rua. E como
brincávamos.
Era esconde-esconde, mamãe da rua, salva, stop, queimada,
fazíamos lojas com os brinquedos, laboratório para extrair o colorido das
plantas (chamávamos de brincar de líquido)
e tudo mais que a imaginação e a liberdade permitia.
Ao lado de casa morava a Dona conceição, que fazia um prato
de feijão de corda com farinha de mandioca que era delicioso e era
carinhosamente apelidado por ela de “cudegrilo”. Era uma grande figura, quase
folclórica, saída de um livro de Monteiro Lobado.
Outra casa abaixo morava, a não menos folclórica Dona Darcy;
ela era a benzedeira da rua. Negra com a cabeça sempre envolta num lenço, ela
era casada com o “Seu” Zé lemão (abreviação de Zé alemão, que de alemão só
tinha o nome). Ele era a diversão dos meninos da rua, que entravam em êxtase
quando, ao chamarem por seu apelido, o escutavam soltando um sonoro “fio duma
égua ou fio duma puta”.
A casinha velha e pequena de madeira continua lá. Os dois,
não mais.
.
Quando estava na terceira série eu ganhei um concurso de
redação. Era para falar sobre a árvore mais bonita da cidade na aula da “Tia”
Cleusa e eu escolhi a árvore da estação de trem. Ela era frondosa e imponente.
Lembro de admirá-la todas as vezes em que meu pai levava eu e minha irmã para
ver o trem passar (e nessa hora tínhamos que nos agarrar muito forte num poste
perto da passarela porque ele nos dizia que o trem poderia nos puxar com a sua
velocidade. Era perigosamente divertido)
A cidade ainda continua lá a árvore da estação talvez não
mais; mas minhas lembranças de infância ainda continuam plantadas em cada
canto.
Cada vez que eu volto é como se entrasse num filme projetado
pela minha mente. Quando eu parto, tenho a impressão que a câmera vai subir num
plano plongeé e eu verei a cidade inteira por cima e mais uma vez guardarei
todas essas lembranças, assim mesmo, na visão inocente e pueril de uma criança,
já esperando o próximo momento em que as cortinas se abrirão e eu as assistirei
aqui mesmo, no escurinho de dentro da minha cabeça.
Lindíssimo, assim, no superlativo.
ResponderExcluirVivi todas essas emocoes tbm, algumas juntas outras vistas de frente, do outrro lado da rua, lindo texto
ResponderExcluirNada como escolher a série Anos Incríveis para ilustrar esses momentos. Engraçado que moro no mesmo lugar desde que nasci, mas sinto saudades da minha infância. É como se fosse outro lugar, mesmo sendo o mesmo.
ResponderExcluirOtimo post!
Abçs,
Danilo Moreira
http://blogpontotres.blogspot.com.br/
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Podem chamar do que quiserem, saudosista, velho ou o que for. Mas brincar na rua era muito bom. Mesmo sendo barato, nunca gostei de fliperama, bom mesmo eram todas as brincadeiras mencionadas por voce.
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