Nascera com uma dura e feia carapaça nas costas.
No início da vida, a tal armadura traseira, amarronzada,
causava-lhe dificuldade para andar e para correr no meio das árvores com suas
curtas pernas.
Morava numa parte muito alta da floresta, que o impossibilitava
de ir para outras áreas.
Cresceu dessa forma, confinado e conformado com o que tinha.
Apesar de sentir vergonha do adorno que o acompanhava e o
protegia ao mesmo tempo, aprendeu a desenvolver suas habilidades, conhecendo
cada cantinho do seu habitat natural.
E assim foram-se os anos.
Viu muitos dos seus serem levados pelo tempo e o tempo levar
muitos.
E chegou o tempo em que aprendeu a lidar com a feia couraça e percebeu que, mesmo não tendo boa aparência, ela era muito útil
para proteger-lhe das ameaças que surgiam vez ou outra.
Então veio o dia em que a rotina, dividida entre seu buraco
escuro e as longas corridas pela curta mata, não o satisfazia mais.
Foi numa tarde de sol estridente, sentado à beira do
precipício, que dividia sua floresta das outras partes, que pensou:
- Eu poderia conhecer outros lugares.
Pensou isso batendo suas curtas pernas contra as rochas
calcárias e assistiu os fragmentos deslizarem entre os arbustos, até se
desfazerem no final do rochedo.
Deitou-se. E observando o céu pensou na possibilidade de ter
asas, mas logo se lembrou da couraça no seu corpo.
E foi também sentado, em mais uma tarde, que os brilhos, os
sons e o movimento da floresta de baixo, pareceram mais sedutores do que nunca.
Inebriado com a ideia de não precisar arrastar sua carapaça
a vida toda pelos mesmos arbustos espinhosos, pensou:
- Deve haver flores mais coloridas e perfumadas, deve
existir lagos de águas mais cristalinas e comidas de sabores diferentes.
Neste mesmo momento o medo ficou para trás. O grande medo de
ser o único no novo lugar com aquela couraça esquisita se dissolveu como areia
na água.
Juntou os pés, abaixou a cabeça e se curvou no eixo na
barriga. Agora seu corpo era uma esfera.
Sem dar nova chance ao temor, tomou impulso e rolou.
Rolou e rolou, quicando entre os arbustos e rochedos, numa
velocidade incrível. Seu cérebro era uma folha em branco, não conseguia pensar
em nada.
A descida parecia durar uma eternidade.
Acordou sem saber quantas horas haviam se passado, ainda
zonzo e sentindo dores alucinantes . Sua couraça estava feito um quebra-cabeça, espalhada entre as rochas que
rolaram junto.
Não houve momento de despedidas. Foi pensar e rolar.
A nova vida que veio pela frente não era tão doce quanto
imaginava. As flores não eram tão cheirosas e coloridas, a água não tinha o
mesmo brilho vista de perto.
Havia agora muito mais concorrência por comida e por espaço.
A nova floresta era realmente grande, mas na mesma proporção, hostil.
Comprovou que existiam outros de sua espécie, mas agora ele
era o diferente por não ter mais a carapaça que tanto o incomodava e isso
também significava não ter mais a proteção que o matinha vivo e forte.
Acostumou-se a voltar em muitas noites para o ponto onde
rolara. De lá, deitado, ele pensava que aquele era o mesmo céu, com o mesmo cintilar
de estrelas que ele via da floresta de cima. Isso o confortava.
Com medo, com saudade, cansado, sem sua armadura, na
floresta hostil, ele pensou em voz alta:
- Não há nada que eu não possa me adaptar.
Desde então, orgulhoso de sua coragem, o tombo passou a
valer à pena.
Nessas horas que todos precisam de um mestre Splinter.
ResponderExcluirQuando aprendemos que os tombos valem à pena ficamos mais fortes. Fer, estou encantada com o quanto vc está escrevendo!!! Lindo demais.
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