Somos
diariamente bombardeados por mensagens de auto-ajuda no Facebook. Não
costumo postar coisas desse tipo, mas confesso que algumas vezes me
beneficio dos textos motivacionais que pulam na minha timeline em algum
momento de exaustão no trabalho ou até mesmo de minitristeza. Afinal,
segundo os especialistas, todos nós, Dalai Lama inclusive, sofremos
algumas minidescargas de tristeza ao longo do dia. Podem durar alguns
segundos, minutos, horas, depende da pessoa. Mas queira você ou não,
essas minidescargas fazem parte do nosso cotidiano.
Os
posts mais corriqueiros de auto-ajuda que eu vejo por aí dizem respeito
a trabalhar com o que você ama. Que dinheiro não é tudo, que o
principal na vida é trabalhar com o que você realmente gosta. Trabalhar
com o que você não gosta é perda de tempo, é desperdício de energia, é o
passaporte para uma vida eternamente infeliz.
Ao
mesmo tempo que acho essa mensagem positiva e interessante, a considero
muito perigosa e destrutiva para muita gente. Acho que muitas pessoas
tendem a se acomodar, criar um mundo paralelo perfeito e se fazer de
vítima diante desse quadro. Vejamos o caso típico do adolescente que
deseja ganhar dinheiro com a sua banda de rock. Vamos chamá-lo de quê?
Pode ser Pedro Ernesto? Muitos desses adolescentes realmente se dedicam,
fazem aulas de canto, estudam seus instrumentos, marcam muitos shows,
divulgam constantemente as músicas na internet e se baseiam em
depoimentos traiçoeiros de medalhões do rock mundial do tipo “nunca
desista, monte a sua banda, ensaie bastante, faça um som original que o
sucesso com certeza virá”. Mas será que virá mesmo? Basta se esforçar ao
máximo? Pra qualquer coisa? Mais importante do que se esforçar a qualquer custo por uma coisa é projetar se essa coisa é de fato viável. E se não for viável, qual seria o Plano B. Mas os livros de auto-ajuda nos ensinam a só olhar para o positivo porque o negativo faz mal. "Não foque os obstáculos, pense apenas no seu objetivo concretizado". E esses adolescentes seguem com o discurso de que “tudo é
possível, basta querer”, desafiam os familiares, trancam a faculdade e
perdem a oportunidade de estagiar.
Então
já quase beirando os 30 anos de idade, Pedro Ernesto se dá conta de que
o seu trabalho musical nunca vai fazer sucesso. Ficou 10 anos tocando
para meia dúzia de gatos pingados em cidades grandes, do interior, em
programas de rádio e até em programas importantes de TV. Fez turnês,
pagou jabá, tentou compor músicas parecidas com as que tocavam no rádio.
Nada adiantou. Ele até conseguiu uma grana em alguns shows, mas nada
que se compare com o pesado investimento mensal que ele injetou na banda
todos os meses. O pai e a mãe já não têm mais dinheiro para bancá-lo e
ele aceita a derrota. Ele agora sabe que nunca vai ser o novo Cazuza,
tampouco o novo Renato Russo, muito menos o novo Chorão.
“A
culpa é do povo brasileiro”, Pedro diz. “Eles não têm cultura
suficiente para apreciar as minhas músicas. Se eu fosse americano ou
europeu, com certeza faria sucesso por lá com o talento que eu tenho”. E
ainda acrescenta: “fiz a minha parte, mas o sucesso não veio”.
Pedro
Ernesto estudou num ótimo colégio particular. Era um bom aluno. Poderia
perfeitamente se dedicar por um ou dois anos e passar num concurso
público para nível técnico. Muitas empresas estatais pagam bem, mesmo
para quem não tem faculdade. Seria pelo menos um bom começo até que ele
termine uma faculdade e tente algo melhor. Mas ele vai dizer que
“trabalhar para o governo deve ser muito chato”, “não vou conseguir
desenvolver minha capacidade criativa, farei um trabalho burocrático” e,
como não poderia faltar, vai dizer que não pode trabalhar com o que não
ama. O que resta então para o nosso herói? Tocar com outros artistas
como músico contratado? Não, isso ele não quer também. Afinal, ele
nasceu para ser a estrela e não para ajudar a brilhar a estrela dos
outros. Ser vendedor numa loja de roupas? Trabalhar no caixa de um
supermercado? Claro que não. Ele estudou num dos melhores colégios da
cidade, nunca poderia realizar trabalhos medíocres de gente do subúrbio.
O
pai e a mãe então conseguem um empréstimo para bancar o
curso de comunicação numa faculdade privada meia boca. Nem prova ele
precisou fazer pra entrar. Foi o único curso que ele aceitou fazer
depois de meses de convencimento dos pais.
Já
no segundo semestre, ele pensa em largar a faculdade porque o que ele
ama mesmo é a música. Ele não quer ser jornalista, não quer trabalhar
com produção. “As pessoas que trabalham com produção ganham pouco e
trabalham feito escravas, isso não dá pra mim”.
Não
foi preciso muito esforço para o Pedro Ernesto se formar na faculdade
de comunicação. Afinal, com notas medianas qualquer um passa. O mundo é o
culpado. Foi o mundo que perdeu a oportunidade de ver brilhar o novo
Renato Russo. Ele poderia estar revolucionando o rock, mas passa o dia
no Facebook. Seus maiores trunfos no momento são: conseguiu mais de 50
likes num post que continha uma piada que ele mesmo criou. A sua nova
foto de perfil recebeu mais de 30 likes e entre esses likes estava
aquela menina que ele está paquerando. E o melhor de tudo, em 2 anos ele
conseguiu aumentar o seu número de followers no twitter. De 326
seguidores, ele pulou para 411. Quando conta o seu feito aos amigos,
esquece de mencionar que mais da metade desses novos seguidores são
spam, pousadas e empresas. Mas tudo bem, isso é só um pequeno detalhe.
Os seus pais estão desesperados, mas Pedro Ernesto nunca esteve tão feliz. Não pôde fazer aquilo que ele realmente amava, mas todos os dias faz pequenas coisas que ama. Ele pode não estar ganhando dinheiro, mas se considera uma pessoa feliz.
Texto afiado.
ResponderExcluirQuase cortei os olhos.
Por via das dúvidas, mandei inbox. Para várias pessoas.
Abração!
Uma vez eu assisti a uma palestra (meio autoajuda, confesso) de um cara falando que se todo mundo fosse fazer o que gosta não existia serviço de limpeza de esgoto, afinal, não sei se existe alguém que gosta de ficar na merda o dia todo. O ideal é gostar do que faz. Pode ser uma simples inversão, mas faz muita diferença.
ResponderExcluirValeu, Emanuel!
ResponderExcluirEsse foi o texto mais pesado que já escrevi na vida. heheh
Tatiana, gostei desse palastrante!
Cadê o botão "curtir"?
ResponderExcluirMuito bom, Paulo! E concordo com a Lazzaroto, o lance é gostarmos do que fazemos quando não podemos fazer o que gostamos.
Abraço!
É amigão, nem sempre conseguimos td que queremos, mas o importante é aproveitar o que temos. "RISAS'S Risas, Auto ajuda para blogueiros, Editora Tu eh Doido".
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