Um dia, ainda nos primeiros anos da vida, estávamos nós no
prézinho.
A dinâmica era simples: quando a Tia Otília avisasse que era
hora do recreio, todos deveriam sair correndo como pequenas manadas em direção
ao parquinho.
Ao mais veloz, o balanço azul. Aquele que era o primeiro da
fila de uma série de balanços.
Todos os outros balançavam igualmente ao azul; a vantagem
era a possibilidade de tocar com os pés a ponta de um galho de manga que ficava
ao lado.
Isso era o mais alto grau do desafio que os sete anos nos
permitia alcançar.
Acontece que para chegar da sala de aula até o parquinho,
deveríamos percorrer um caminho de pedras portuguesas, parecido com o que a
Dorothy percorria em Oz. Esse mesmo caminho era ladeado de pequenos triângulos
formados por tijolos inclinados.
Nesse dia não chegamos ao balanço azul; muito menos ao
parquinho.
Ao sinal esperado da Tia Otília, corremos feito um estouro
de pequenos búfalos e, na fissura de chegar lá, alguém a empurrou e ela caiu,
batendo a cabeça num dos triângulos.
Tudo foi muito rápido.
Ficamos todos assustados e logo a Tia Otília apareceu.
Corremos para o portão que tinha uma bonita primavera o emoldurando.
Apareceu um carro de alguma outra tia e a levaram para o
hospital. Aos berros, antes de entrar, ela virou para nós e chamou meu nome.
Queria que eu fosse junto com ela.
Eu, assustado, sem saber o que fazer, apenas fiquei olhando
por entre a grade, atônito como as outras crianças.
Segundos depois, quando a Tia Otília se virou para
restabelecer a ordem no grupo, me viu e
muito zangada exclamou:
— Não
acredito Fernando que você a ouviu chamar e não entrou no carro com ela!
Eu, sem nem saber o que responder, apenas fiquei olhando
para ela com cara de triste.
Engraçado como mais de 20 anos depois eu lembro claramente
dessa cena e mais engraçado ainda, como mais de 20 anos depois eu continuo sem
saber o que fazer da vida.
Ela?
Como boa geminiana, era cabeça dura. Foi para o hospital, ficou bem.
Crescemos na mesma escola, fizemos grandes planos de
trabalhar com arte, fizemos magistério juntos, acabamos escolhendo a mesma
profissão, mas estudamos em universidades e em estados diferentes.
Por esses caminhos, ela encontrou alguém.
E neste fim de semana eles se casaram.
Não estive totalmente perto naquele primeiro tropeço, assim
como também não estive em muitos outros que ela teve na vida; mas pude estar
muito perto de um grande passo seu. De perto de verdade, ali, de frente para o
altar; tanto que agora dividimos mais um título além de primos, amigos,
companheiros: Comadre e compadre.
E eu, mesmo sem esquecer a minha falta de não tê–la
acompanhado anos atrás, agora encho o coração de alegria por vê–los
trocando votos, apostando na fé, na esperança e no amor.
Que tenham muitos dias felizes pela frente, Meli e Fê; e que
nos tropeços do caminho, em sempre possa amparar o outro.
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