Clara
havia prometido ao filho que naquele dia iriam ao cinema. O pequeno insistia em
ver a mais nova animação lançada em 4D. Para que tantos D’s? Ela não sabia
direito que filme era, imagina se teria tempo para acompanhar o que o filho
gostava. Arrastou o namorado junto, que não fazia questão de ver o filme com o
enteado, mas não tinha desculpa para não ir. Decidiram pelo shopping JK
Iguatemi por razões de segurança (com esses rolezinhos...). Ingressos
comprados, R$73,00, duas inteiras e uma meia-entrada ficaram R$182,50. Pipocas,
refrigerantes e algumas guloseimas saíram por R$54,00. Um jantar depois do
filme, no próprio shopping R$152,00. Por fim pagaram R$21,00 pelo
estacionamento até cinco horas (não gostavam de fazer nada às pressas). Um
filminho em família no meio da semana, coisa de R$409,50.
Augusto
havia morado um tempo em São Paulo. Sem família e com poucos amigos, contava
com o cinema como uma espécie de companhia. Preferia os cinemas de rua, tanto a
programação quanto o ambiente, para não dizer os frequentadores. Após terminar
os estudos, voltou para sua cidade, um dos 90,9% de municípios brasileiros sem
cinema. A única sala virou igreja, o cinema da cidade vizinha fora vendido para
uma grande loja varejista. Não era nada fácil continuar vendo um filme por
semana sem se render aos filmes dublados que passam na TV repetidas vezes.
Fabiana
estudava cinema. Depois de entrar na faculdade o hobby já nem era tão
prazeroso, graças à quantidade de filmes que tinha que assistir – nem sempre
muito agradáveis. Por prazer ou obrigação, entre todos os filmes que tinha que
ver, poucos chegavam às telas de cinema. Filmes chineses, coreanos,
nicaraguenses, marroquinos. No começo corria para a locadora onde já tinha
feito até amizade com a proprietária, afinal alugava filmes lá há anos. Pouco
adiantava. Já fazia tempo que a dona da locadora vinha reclamando da queda de
freguesia com as facilidades da TV por assinatura e internet. “Trabalhando com
os filmes que todo mundo procura eu mal ganho para manter a locadora, imagine
se comprar essas coisas estranhas que você quer, minha filha!”
Marina
é fã de cinema nacional. Detesta as pornochanchadas que parecem ter
estigmatizado os filmes brasileiros eternamente. Também detesta quando, ao
dizer sua preferência, alguém pergunta sobre alguma comédia sem graça da Globo
Filmes. Superando essas dificuldades o problema é encontrar os filmes. Mora em
uma cidade com cinema, mas distante dos grandes centros com circuito
alternativo. Os poucos filmes que chegam a sua cidade são blockbusters
importados, que geralmente ela não vê a menor graça. Ela conhece bem as
dificuldades de cada etapa quando se trata de fazer cinema no Brasil. Gostaria
de fazer o mínimo que lhe diz respeito, ou seja, pagar um ingresso de cinema e
garantir uma pequenina contribuição com aquela obra, mas essa não tem sido uma
tarefa nada fácil.
Alexandre
tem um blog de cinema. Até agora são 167 filmes comentados. Nenhum foi
assistido no JK Iguatemi, nem todos foram vistos no cinema e, não vamos revelar
o sobrenome do blogueiro para que ele não tenha problemas com a justiça, vários
filmes foram baixados na internet, sem o devido pagamento. Ele nunca havia
pensado nisso até receber o comentário “Seu blog é bom pena que você incentiva
o roubo de filmes pela internet”. Alexandre tem sido uma grande pedra no sapato
da indústria cinematográfica.
Deviam fazer um filme sobre isso, uma pena que não passaria no JK Iguatemi ("o preço de 50 ingressos em 5, diria o ex-presidente).
ResponderExcluirEis uma grande tragédia esta realidade que não se aplica apenas a sétima arte, mas cada uma ao seu modo, às outras artes também. Fica cada vez mais difícil ser consumidor de arte se não se tem grana. E não podemos ser ingênuos e acreditar que as pessoas vão fingir que a tecnologia não exista e não vão baixar seus filmes de graça. Eu prefiro ver filmes no cinema, mas a indústria cinematográfica, pelo jeito, prefere que não...
Ótimo post!
E não venham dizer que o ingresso é caro para compensar o prejuízo gerado pela pirataria!!
ResponderExcluirE o pior é que quando o filme é nacional e foi feito com todos os patrocínios públicos e isenções, o preço do ingresso é o mesmo! Qual é a lógica?
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