quinta-feira, 13 de março de 2014

Uréia

Era a primeira da fila já nas primeiras horas da manhã.
Provavelmente chegara antes do dia clarear.
Daquelas senhoras falantes, que ao primeiro sinal de pessoa perdida, lá estava ela a dizer qual era o sistema do atendimento no hospital.
Entre uma orientação e outra, enfiava uma história da vida, num ritmo frenético, sem dividir os assuntos por pausas eu respirações mais profundas pra angariar fôlego.
Reclamara várias vezes do jejum, da falta de consideração dos funcionários daquela instituição e da impossibilidade de nem sequer tomar um cafezinho durante a espera.
Quando a primeira enfermeira apareceu, lá estava ela, prontamente para ser atendida, com todos os papéis, sacolas, requisições médicas e guardachuva.
Pode entrar a primeira.
Oi, bom dia, minha filha!
Bom dia Senhora.
Que bom moça, tô com uma fome...sonhando aqui com o cheiro de café. Continua a senhora insistindo no desejo da bebida.
Só coletar o sangue para o exame e a senhora já vai tomar seu café. Explica a enfermeira.
Tá aqui os papéis que o médico me deu e tá aqui também a urina.
Hum...deixa eu ver o que ele pediu.
Tá.
Depois de alguns segundos:
Acho que não tem urina aqui não.
Ué, parece que eu li urina em algum lugar. Responde ela, fazendo cara de interrogação e coçando os lisos cabelos esbranquiçados.
Tem uréia. 
E uréia é o que minha filha; não é urina? Indaga a velha com mais cara de dúvida.
 Não tem urina mesmo aqui nos pedidos. Afirma a enfermeira categoricamente.
Ah, mas bota aí vai, vou fazer o que com essa urina agora? Levar de volta? Bota aí vai, tô doida pra tomar um café.

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