Assistia um programa de
televisão quando eles mostraram uma pegadinha. Em uma modelo fizeram o penteado
e maquiagem de Samanta Morgan, um personagem conhecido pelo filme ''O
chamado''.
Colocaram a modelo parada na
saída de um metrô movimentado aqui de São Paulo, que tem um túnel meio sinistro.
Não vi o filme, mas conheço o
personagem de tanto que aparece por aí.
Talvez em qualquer outro país
algumas pessoas dariam pulos de susto se ao sair do metrô à noite se topam com
essa figura assustadora. Mas aqui em São Paulo as pessoas não se assustaram
tanto e cheguei à conclusão que isso se deve ao fator social.
Se eu saio do metrô à noite e
vejo uma moça estranha parada na porta, meu primeiro pensamento é que deve ser
uma usuária de crack, talvez bêbada, perdida na cidade maluca, mas não penso
que é o fantasma de um filme americano.
E a pegadinha ficou pouco
engraçada por isso, as pessoas reagiam desviando da moça, não a viam como um
fantasma maldito, a maioria ainda falava com ela, imagina, falar com fantasma!
É a maneira como se vive em uma
cidade caótica, se vemos alguma coisa estranha ou alguém, pensamos que são
bandidos ou armadilha, quantas pensam que podem ser fantasmas? Na paisagem urbana
sobra o cinza, cachorros sem dono nas ruas, mendigos, moradores de rua,
prostitutas, pessoas correndo de um lado a outro, se por acaso se encontra ali
algum fantasma os olhos de quem vive aqui já não consegue enxergar.
Já a Suécia começou a ser assombrada
por um fantasma social, nos últimos tempos os suecos estão meio estressados com
uma nova tinta que apareceu no panorama deles, os mendigos. Na verdade são
imigrantes, vindos dos países do Leste Europeu, mas ao chegar na Suécia não
dominam o idioma, os abrigos estão lotados e não conseguem se integrar a
sociedade, terminam morando nas ruas e pedindo dinheiro.
A situação ficou tão critica
que outro país, Noruega, apertou e criou uma lei que proíbe a mendicância. Os
suecos ainda não adotaram essa lei mas já caminham para isso, estão elegendo
políticos com projetos anti-imigração e querem cortar todos os
benefícios. Reclamam discretamente do que chamam de ''praga de verão'' a
cidade cheia de moradores de rua durante a única época que se pode sair, já que
a Suécia tem um dos invernos mais duros do mundo.
Hoje dizem que cada
supermercado na Suécia tem de dois a três pedintes na porta, coisa comum no
Brasil, mas por lá é um fator novo.
Os suecos também reclamam que
ficam com medo de caminhar à noite, pelo alto número de moradores de rua. E
pode parecer preconceito, mas entendo eles, moro perto de um viaduto e lá estão
muitos moradores, conheço a maioria, porque existe muita rotatividade, não
tenho problema nenhum em passar por lá, mas em alguns momentos sou obrigada a
atravessar a rua ou pegar outro caminho porque os vejo bebendo e usando crack e
isso é perigoso demais, as pessoas começam a alucinar e vão pra cima de
qualquer um.
Mas eu nasci em São Paulo, vejo
isso desde criança, imagina um sueco que nunca viu ninguém dormindo na rua ou
nos carros.
O lado humano da questão sempre
me perturba um pouco, os suecos não parecem incomodados com a desgraça humana,
finalmente ninguém é mendigo porque quer, mas estão irritados com a ''nova
paisagem'', ou seja ''essas pessoas sujam seu lindo panorama''.
O problema dos moradores de rua
é a indiferença de todos em relação a isso e a ausência do Estado. Daqui a
pouco os suecos vão estar como os paulistas, se acostumam e não percebem mais
se tem ou não morador, eles se integram a paisagem como se fossem um objeto.
Moradores de rua e mendigos não
são uma ''coisa'' que suja a paisagem, mas a prova concreta da falência
de todos os sistemas políticos do mundo, inclusive do sueco. O problema não são
os imigrantes do Leste Europeu, mas o fato de vivermos em um planeta desigual e
injusto, não é só no Brasil que tudo isso acontece. O mundo passa por uma crise
humanitária e são milhões de pessoas fugindo de seus países empurradas pela
fome e guerras. E países ricos se fazem se justos e corretos, mas escondem seu
passado, suas ligações clandestinas com os países pobres e a rota da
exploração. Não existe um só país rico no mundo que não tenha feito sua fortuna
a base de trabalho escravo e explorando os recursos naturais dos países pobres,
a Suécia esconde e nega, mas os primeiros comerciantes de escravos na África
foram os suecos. E agora que os países pobres estão no seu limite e as pessoas
fugindo, os países ricos fecham as fronteiras e dizem ''aqui não''. Tivessem
pensado nisso antes de roubar os outros! Muito fácil ficar rico com ouro
alheio!
Se for colocar a questão carmática no meio, se pode dizer que os imigrantes estão apenas retornando para pegar o que um dia foi roubado deles.
O mundo se recusa a enfrentar seus ''fantasmas'' sociais e fingindo que não existem. Talvez por isso essa fantasminha da Samanta Morgan não assuste ninguém. Quem conhece a ruas sabe que tem coisas mais assustadoras do que mil Samantas.
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