Raimundo é rapaz forte, trabalha
na lavoura desde quando se lembra de que é gente, e não se queixa da rotina.
Todo dia precisa comer, então é razoável que todo dia precise trabalhar.
A lida começa antes de o sol
nascer e naquela quinta-feira estava particularmente quente. O seu Januário até dispensou um pouco mais cedo, pois os trabalhadores demonstravam visível
exaustão e ele temia ter desfalque no dia posterior. Raimundo era o único que
não aparentava cansaço, respondeu positivamente com a cabeça e disse “sim,
senhor” ao ouvir o anúncio.
Antonio, Jorge, Tião e Cambimba
saíram em direção ao bar, enquanto Raimundo recolhia seus pertences.
-Tu não vem, Raimundo?
-Vo não.
Raimundo tinha outros planos:
aproveitaria o horário para visitar Marizete, a essa hora o seu Mané não deve
estar em casa. Mesmo sabendo da cheia do rio, o rapaz não hesitou e achou que
valeria o esforço para ganhar tempo, seu coração era todo saudades.
Parece que o rio estava ainda mais
cheio do que comentara João da boca. Não importava, ele iria de qualquer jeito,
era ótimo nadador, só teria mais esforço. Amarrou suas coisas num pano, o
ajeitou e foi-se embora.
Já passava da metade do caminho,
quando abruptamente sentiu uma força que o fez mergulhar. Por mais que tentasse
tomar o controle, o fervedouro era implacável, indomável. Quanto mais tentava
lutar pela sobrevivência se utilizando da força, mais Raimundo afundava e a
vida lhe parecia dar adeus. Foi aí que conseguiu escutar o sussurro das
águas e se deixou levar pelo movimento delas. Girou, girou, e a cada giro um
novo segredo revelado, já não sentia falta de terra firme. No entanto, inesperadamente foi arremessado às margens do rio.
Raimundo ficou até o anoitecer deitado, olhando para o além.
Sim, a vida muda num instante. Era chegada a hora de partir.
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