Então vamos a sete igrejas e rezamos por Jesus em cada uma delas, até que na última assistimos a missa.
Não sei se isso mudou, devido a violência que se vive na Cidade do México, mas quando eu era pequena era uma das coisas mais divertidas do mundo. Essa tradição começou com a chegada dos espanhóis no México e pela distância entre as cidades e a falta de transporte era comum as igrejas colocarem comida e água, para que os fiéis aguentassem caminhar durante horas entre uma igreja e outra. Os mexicanos preservaram isso, a diferença é que hoje se vende a comida, mas existe muita fartura, as igrejas estão no mesmo lugar, não é mais necessário caminhar quilômetros e muitas pessoas fazem o passeio apenas pela comida.
Dura a noite inteira, nunca entendi essa parte, mas as pessoas começam a ir nas igrejas à tarde e passam a noite inteira entrando e saindo delas. Os mexicanos são barulhentos e gostam de música, então os lugares sempre estão cheios de música do lado de fora. É uma festa, o cheiro da comida se mistura com o cheiro das flores que as pessoas levam, o barulho da música se mistura com as pessoas falando e as missas acontecendo.
Minha avó não abria mão desse passeio nem que o mundo caísse, mas era cansativo, eu lembro que sempre me obrigavam a dormir à tarde para aguentar a noite inteira indo de um lado para outro. Meu irmão não gostava, minha avó fazia o que podia para amenizar, comprava comida, balões, mas ele se irritava e ficava perguntando quantas igrejas ainda faltava visitar. Minhas primas menores acabavam dormindo no carro, é, eu sei, é uma coisa maluca, imprudente, mas naqueles tempos o México não era uma cidade tão violenta e meus tios deixavam as crianças dormindo no carro. Comigo isso nunca aconteceu, sou fresca desde que nasci, ou durmo na minha cama ou fico em pé, não consigo encostar em qualquer lugar e dormir.
E estávamos nesse passeio, quando ao sair da missa escutamos um bebê chorando, ele estava em um carrinho e a mãe estava distraída. Minha avó se aproximou e ficou conversando com o bebê, que sossegou. Ela sempre teve um tom de voz tão doce que hipnotizava as crianças, a gente ficava quieto na hora. A mãe se aproximou e agradeceu minha avó, percebeu que eu estava encantada com o bebê e me perguntou se eu queria pegar ele no colo. Eu respondi que sim, mas minha avó não deixou, disse que era tarde e me puxou.
Quando nos afastamos perguntei porque não me deixou pegar o bebê e ela respondeu:
-Porque é tarde! São quase as três da manhã, nunca carregue no colo um bebê desconhecido perto dessa hora.
Não entendi, mas guardei a resposta por alguns anos, até que um dia estava na casa da minha tia, em uma noite de Natal, e uma das minhas primas estava carregando seu bebê, ela me deu ele, mas eu disse que não carregaria porque eram quase as três da manhã. Minha avó começou a rir e disse que eu poderia carregar o bebê, porque era da família, mas se fosse estranho não poderia. Perguntei o motivo e ela me contou que morava no campo e poucas vezes ia a cidade próxima, mas sempre ficava sabendo das ''fofocas''.
De repente começou a correr uma história, a cidade tinha uma estrada que ligava a outras duas, era comum as pessoas passarem ali à noite e de madrugada. Um dia um homem passou ali e escutou um bebê chorando, começou a procurar e o achou embrulhado em um cobertor. Pegou o bebê para levá-lo a igreja, naquela época era o que as pessoas faziam ao achar bebês nas ruas. Ele começou a caminhar com o bebê no colo e conforme avançava sentia o bebê ficar mais e mais pesado, ele não aguentava mais o peso da criança e se abaixou para colocá-lo no chão, quando fez isso percebeu que estava carregando um porco com um rabo de lagarto, que ao ser descoberto começou a rir. Ele se assustou e saiu correndo, enquanto o porco ria.
Aconteceu várias vezes com diferentes pessoas e começou a correr a lenda de que existia na cidade um demônio brincalhão, ele se divertia fazendo isso, se disfarçava de bebê, deixava as pessoas pegarem ele no colo, o ninarem e depois virava um porco. A coisa foi crescendo e pessoas começaram a aparecer mortas, a conclusão do Padre da cidade é que o demônio se disfarçava de bebê para fazer uma brincadeira, mas quando percebia que a pessoa que tinha caído na brincadeira era fraca espiritualmente ele levava sua alma. Mas essa brincadeira só acontecia entre três da manhã e quatro da manhã.
Perguntei para minha avó porque ele só ''brincava'' nessa hora e ela me respondeu:
-Porque é a hora dele! Ele faz tudo ao contrário de Jesus, adora provocar e tirar sarro das coisas importantes. Jesus morreu as três da tarde, na cruz, por isso essa hora é conhecida no mundo inteiro como a hora da misericórdia, é o horário santo. E o que o capeta fez? Foi e pegou outro horário para ele, as três da manhã, o auge dele é as 3:33, mas ele fica vagando e procurando por almas até as quatro da manhã. O uso do número três é uma burla com a Santíssima Trinidade, Pai, o filho e o Espírito Santo.
Foi por isso que você não me deixou carregar o bebê, naquela igreja?
-É, eram quase três da manhã! Poderia ser o diabo disfarçado de bebê, se você carregasse, era muito pequena, ele poderia ter te levado, ele não brinca disso apenas em uma cidade, faz isso pelo mundo inteiro. Nesse horário só podemos fazer duas coisas, ou rezamos ou estamos dormindo, mas não se pode beber, nem fumar, nem estar fazendo besteira, porque isso atrai ele, e nessa hora ele é forte nesse momento. É quando ele está por perto. E se você estiver dormindo e acordar justo nessa hora reze um Pai-Nosso, porque se você acordou é porque ele está dando voltas na tua vida. E pessoas que fazem rituais para prejudicar outras trabalham nessa hora. Não é um bom horário para estar fora de casa, na rua as coisas ficam mais fáceis para ele. Em casa não é tão simples entrar, mas saindo, ele faz a festa. A conta dele é a mesma de Jesus, ele quer levar o máximo de almas possíveis deste mundo, enquanto Jesus quer manter aqui o maior número delas.
Até essa explicação eu nunca tinha entendido porque em todos os filmes de terror sempre aparece um relógio mostrando a hora e sempre marca entre as três da manhã e quatro. É um clássico, todos os filmes mostram isso, mas existem registros reais desse horário. Um dos casos mais famosos do mundo é de uma casa nos Estados Unidos, onde o rapaz acordou as 3:15 e matou toda a família, depois a casa foi vendida e uma outra família se mudou e disse que todos os dias as 3:15 a casa virava um inferno, foi tão forte a perseguição dos fantasmas que a família saiu correndo com a roupa do corpo depois de treze dias, não voltaram nem para pegar seus documentos.
Em algum post contei sobre as coisas que minha avó dizia, na verdade estou sempre falando sobre isso e uma das minhas primas me procurou e disse:
-Absurdo escrever aquilo! Você sabe que a abuelita era de outra época, nem frequentou escola, tudo nela era superstição, mitos e você está fazendo o quê com tanta ignorância? Está passando para a frente, acho isso um erro, você está espalhando desconhecimento, alimentando coisas que não existem e contando histórias que te parecem interessantes, mas no fundo são trágicas, só mostram como a nossa abuelita era ignorante!
Nossa, nessa parte fiquei acesa! Cortei a conversa ali, chamar minha abuelita de ignorante é a maior ofensa que alguém pode me dirigir. Ela foi fruto de uma época e circunstância, mas não era ignorante nem burra, a sua maneira entendeu o seu entorno e como a vida era.
E eu já passei dos trinta anos, sei por experiência que muitas coisas não são lendas, jamais negaria a existência de uma força contrária a Jesus, até porque já cruzei com algumas representações dela.
Minha prima mandou um email dizendo ''se vai espalhar as coisas que a abuelita contava, pelo menos que sejam as receitas de cozinha, que eram geniais''.
Né, prima? Entendeu agora o que eu faço? Eu espalho as receitas dela, mas não as de cozinha, eu espalho as receitas de vida dela. Leia e aprenda.
Iara De Dupont
Nenhum comentário:
Postar um comentário