São Paulo, 26 de julho de 2013.
Querido diário, hoje eu
chorei em frente à TV, mesmo tão acostumado com as más notícias, com as
injustiças e desenganos mundanos que passam diariamente, chorei. Chorei, pois
vi um pai de família sendo comunicado não por um amigo, um familiar, mas pela
polícia de um incidente com sua amada esposa, que havia concebido seu único filho
há pelo menos um ano. Uma esposa que estava voltando para casa no meio da
tarde, do seu emprego de doméstica do outro lado da cidade e de repente é assassinada por alguém que a ameaçou através de um bilhetinho uma semana antes
do assassinato. Chorei pela mulher, pelo bebê, mas principalmente pelo marido
que estava trabalhando no momento, esperando chegar em casa e ser recebido pela
família após um dia cansativo que todos nós temos que aguentar. Chorei por não
existir consolo algum, além do tempo, imaginando quanto tempo é preciso pra
cicatrizar aquela ferida. Não a ferida no meio da cabeça da mulher que estava a
sangrar e estiraçada no chão da sua própria rua - tão breve e tão cruel forma
de morrer - e sim da ferida no coração dos familiares e amigos que a conheciam
e hoje não podem lhe dar um abraço, um beijo, um simples bom dia, boa tarde ou
boa noite. O marido disse: “_Gostaria pelo menos de dizer Adeus pra ela, deixa-la
ver mais uma vez nossa bebê, e dizer que a amava.” Refleti que a morte nem
sempre lhe dá o direito de se despedir, mas a vida sim. Hoje no almoço só teve
saudade e solidão, todos reunidos numa sala, com a nossa senhora embrulhada,
entregue numa caixa grande e amadeirada sem laço de cetim e o presente parece
que não tinha destinatário além do céu - para os cristãos de boa fé. Tirando
isso, só restou uma enxurrada de lágrimas e lamentações, alguns causos e
recordações que provavelmente se estenderão entre o circulo de entes queridos e
conhecidos da moribunda nos dias seguinte. Então, imaginei por algum instante,
um leão saindo pra caçar e quando voltou encontrou a leoa morta, e o pequeno
leãozinho desamparado. Enfurecido, pensou em sair pelo mundo em busca do
assassino, destruindo tudo e todos a fim de encontra-lo e se vingar,
subitamente lhe incorreu que se não mantivesse a calma deixaria o pobre filho
sozinho na selva, sem sustento, sem alimentação sem proteção. Por instinto,
resolveu proteger os que ainda estão vivos e dependem dele para sobreviver. Logo
ele, o tão admirado e idolatrado leão, se viu impotente e frágil como todos os
outros. Muitos se encontram na pele desse leão diariamente, fazendo o possível
para manter a casa, para progredir, para oferecer o melhor, pelo outro e por si
mesmo. E em um belo dia quando chegarmos em nossa casa pode ocorrer de um
animal qualquer tirar nossas crias, nossos parceiros e nossos sonhos. E nós não
temos o direito de enlouquecer, a escola da vida não permite faltar um dia se
quer, se não cumprirmos nossos deveres, fazermos nossas tarefas e mantermos a
disciplina, seremos tristemente reprovados. O mundo é esse manicômio a céu
aberto onde muitas vezes a criança chora e a mãe não vê. Certamente é preciso
olhar para frente e colocar os pés no chão. Se hoje quando esse homem colocou
os pés para fora de casa soubesse que sua esposa iria falecer, tudo seria
diferente. Todos seus esforços e dedicação estariam pautados para impedir que isso
acontecesse, qualquer segundo ao seu lado aproveitaria como se fosse o último
instante. E o pior de tudo, é que já sabemos que uma hora ou outra alguém vai
morrer, ou nós vamos morrer, a ciência já comprovou que para nos manter vivos o
próprio cérebro ignora a morte, assim como nosso cérebro ignora o nosso nariz
mesmo ele estando diante dos nossos olhos o tempo inteiro. Muitos de nós temos
essa capacidade de conviver com um destino pré-determinado sem enlouquecer,
outros simplesmente enlouquecem de vez. E imaginar isso é triste, assim como é
triste não fazer valer a pena viver. O que me remeteu à seguinte frase, do
filme Escola da vida: “É preciso menos que a morte para matar um homem”. Ao
final da reportagem, olhei pros lados e vi que na maioria das situações dessa
vida, ou seguramos nossas próprias lágrimas, lavamos o rosto e seguimos em
frente, ou simplesmente nos afogamos em prantos e nos torturamos com a
melancolia cotidiana de “amorrecer” dia após dia, vida após vida. Então,
desliguei a Tv, e mesmo com todos esses animais soltos lá fora, sai de casa e fui
fazer valer a pena estar aqui. Em um adesivo colado na janela do vagão do metrô, seguindo pela linha verde, eu li: Ainda há tempo.
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