Bateu a mão no criado mudo à procura do telefone. Um copo de
vidro se estatelou no chão, ao lado de uma garrafa de vodka vazia, que estava
caída ao lado da cama. Na segunda mãozada, o cinzeiro lotado de bitucas e
cinzas também foi ao chão. Ignorando a bagunça, Natasha tateou até o telefone.
Colocou-o no ouvido ainda sem ter certeza se já estava acordada. Uma voz masculina
do outro lado disse-lhe:
- Ligue a televisão no canal 5. Agora.
Levantou-se da cama tentando evitar os cacos de vidro. O
cheiro de vodka e de cigarro no ar fez seu estômago revirar. Não sabia se
estava com fome ou se queria vomitar. Ainda seminua, ligou a televisão e ficou
ali, em pé, olhando para a tela como se fosse um zumbi.
Uma repórter de cabelos loiros por volta dos seus 40 anos, de
feições sisudas e quase sem sobrancelhas, dava a notícia em tom desesperador:
- Já são mais de cem as cidades na Rússia atingidas por uma
entidade ainda desconhecida. Em Moscou, moradores afiram que tudo começou com
uma infestação inexplicável de pelos e cabelos aparecendo em suas residências,
vindos do que disseram ser explosões de luz. A cidade declarou estado de
calamidade pública até que se entenda o que está acontecendo. Somente na
capital, mais de trezentas mortes por asfixia foram confirmadas e cerca de outras
três mil pessoas esperam atendimento médico, pois com tanta coceira, começaram
a se automutilar.
A câmera muda para um homem mais velho, careca, vestindo um
terno azul marinho com gravata amarela. Continuou a dar as notícias em tom de
desastre e comoção:
- Acabamos de receber novas informações do gabinete do
Estado. Atenção! Fiquem em suas casas e permaneçam em locais sem janelas!
Parece que monstros de pelo estão causando destruição nas ruas das principais
cidades de todo o mundo! Fiquem em suas casas!
De repente, um estrondo e todos os aparelhos elétricos da
casa se desligam.
...
A alguns quilômetros dali, um ponto de consciência
experimentava, pela primeira vez, a sensação de existir. Não entendia muito bem
aquela voz conversando consigo mesmo e não entendia o que via ao seu redor.
- Quem sou eu? Onde estou? Qual a minha razão de ser? Por
que eu sinto essa sensação de algo, digamos assim, de algo “coçando” em todo o
meu ser? Em toda a minha existência? Por que eu sou tão escuro comparado
aquelas pequenas existências abaixo de mim? O que são esses caixotes enormes,
cheios de, vou chamar de... pessoas? Por que aquela massa gigantesca de coisa
acima de mim é tão suave, e tão... azul?
...
Era o primeiro dia na nova divisão e Vassili já tinha que
combater um monstro gigante. Coisa de filme!
- O alvo está a caminho! Alinhem-se e não atirem até eu dar
as ordens, gritou o tenente-coronel de sua infantaria.
O soldado estava nervoso, mas duvidava do relato exagerado
de seu tenente-coronel. “Não existem monstros! Deve ser algum ataque terrorista”,
pensou Vassili, com um crescente frio na barriga.
Em questão de segundos o chão começou a tremer e o silêncio
tomou conta da tropa. Civis corriam desesperados pelas ruas, buscando abrigos em
cafeterias e no comércio local. Um vento forte trouxe consigo uma enorme
quantidade de pelos, que começou a grudar nos rostos, nas armas, nos vidros e
em toda e qualquer superfície.
Vassili sentiu a garganta coçar e começou a tossir. Ouviu
uma ordem rouca:
- Atirem, atirem agora!
Sem saber para onde mirar, começou a disparar sua AK-74M. O
caos era total. Gritos, tosses, barulho de pessoas sufocando, armas disparando.
Assim que conseguiu se livrar dos pelos para botar os olhos no tal monstro, foi
que ele pode ver claramente o que enfrentavam e o quão ineficiente eram.
- É um monstro de pelos! Gritou Vassili, na esperança de que
alguém também estivesse pensando o que estava pensando, e saiu correndo para
dentro do primeiro Starbucks que viu.
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