Uma das grandes conquistas da civilização foram as leis escritas. Pode parecer um mero detalhe, mas imagine o caos que seria instaurado caso não houvesse um código de conduta escrito, limitando ações individuais e institucionais em prol do bem comum.
Claro, o direito não é uma ciência exata e por mais claras e específicas que sejam as leis, sempre haverá a necessidade de um juiz imparcial para analisar cada caso e, em tese, aplicar a sentença correta – o que também está longe de ser um conceito exato.
Qual o problema de abrir exceções nas leis? Quando se condena um inocente, sobretudo em meio a tantos culpados, fica a sensação de que não basta agir dentro da lei, mas é necessário ser amigo daqueles que a corrompem.
A farsa do impeachment constitucional utilizada para mascarar o golpe foi tão mal feita que, em meio a notórios corruptos, alguns procurados até pela CIA, a ex-presidente Dilma Rousseff teve sua vida dos últimos cinco anos revirada e vasculhada nos mínimos detalhes. Contra ela foi necessário alegar uma prática fiscal realizada ao menos por seus dois antecessores, diversos governadores e até mesmo o então vice-presidente Michel Temer.
Há quem diga abertamente que não houve crime, tanto que os direitos políticos de Dilma não foram cassados – não que isso tenha alguma relevância; é notório que Dilma já não tinha outras aspirações políticas antes do golpe –, mas que o impeachment foi pelo conjunto da obra. Ok, o problema é que por pior que seja o governo, isso não justifica o impedimento do chefe do executivo.
Não fosse trágico seria cômico, no dia seguinte ao golpe seus principais mentores reivindicarem o respeito à constituição ao pedir não só a cassação de mandato, mas também dos direitos políticos de Dilma. Em outras palavras, pode-se desrespeitar a constituição, desde que seja em meu favor.
As consequências pelos próximos dois anos é um “presidente” ilegítimo, totalmente refém do congresso. Muito antes da execução do golpe Temer já dava mais motivos para impedimento do que Dilma. Diferente da candidata eleita, o vice foi citado diretamente em delações, ligado a cifras milionárias de corrupção.
Oras, mas se ele era o vice da chapa, tem o direito de assumir de forma legítima. Sim, desde que haja motivos legítimos para isso. Conspirar contra o governo para assumir um cargo para o qual nunca seria eleito por voto direto não está entre as funções de um vice-presidente.
Oras, e porque o PT o escolheu como vice? Ninguém gosta de fazer alianças na política. Do mais extremo ao mais ponderado dos partidos, as alianças são feitas por necessidade, não por vontade. Por necessidade esse mesmo PT fez aliança com o PP, de Paulo Maluf, nas últimas eleições para a prefeitura de São Paulo, tendo sido execrado pela imprensa, pelos adversários e pela população. Esse ano o PP, de Paulo Maluf, fez aliança com João Dória, do PSDB, para a prefeitura de São Paulo. A mídia esqueceu, a população não percebeu, os adversários perdoaram.
Acreditando que com isso conseguiria uma governabilidade mínima, o PT fez aliança com o PMDB e este, sim, escolheu Michel Temer. O “presidente” agora só tem um caminho para concluir os dois anos que a constituição lhe garante: agradar o congresso.
Com maioria esmagadora do congresso formada por empresários Temer começa estendendo a mão para quem tem poder para tirar seu mandato. Flexibilizar leis que hoje favorecem os empregados, aumentar a jornada de trabalho e aumentar a idade para aposentadoria foram as primeiras promessas. As ruas reclamaram, mas quem tem poder direto de ação ficou contente.
Pela constituição Dilma não deveria ter sido impedida. Pela constituição Temer tem mais dois anos de governo ilegítimo. Pelo congresso, quem tem poder para transgredir a constituição uma vez, tem poder para transgredir sempre.
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