domingo, 30 de outubro de 2016

Todo o dia que ela acorda mais cedo e me despeja o calor do cotidiano eu sinto a vida, que é tão breve, bater à porta e me dar mais alento. Todos os dias o medo da morte e do silêncio absoluto e infinito por incontáveis gerações me assombra, mas quando ela levanta e com os olhos verdes ou castanhos tece o vento novamente para mim, sinto que a vida, ainda que breve e nauseante, é uma concerto digno de ser ouvido e ... tocado. No seu corpo e olhos...

sábado, 29 de outubro de 2016

respeito é pra quem tem

Tinha uma programação pré-pensada, ia escrever sobre o “Próxima B” e como seria se fosse habitável.  Mas quando abri a página para começar escrever desisti. Parei uns segundinhos, balancei a cabeça e surgiu o sorrisinho sacana de sempre. Por pouco não caio na cilada.

 Não. É melhor respeitar. Respeitar o que vem mais forte na mente e no coração. O que acompanha em tudo que faz e fica martelando a cabeça dia a dia.

Esse tem sido o exercício dos últimos anos. Tentar respeitar.

Aprender e em especial viver o respeito e consequentemente respeitar os demais. Respeito que se renova e movimenta a gente para identificar se está sendo leal consigo mesmo e dando o respeito a quem deve.

Não será hoje, talvez mês que vem o “Próxima B” e aquele filme sejam prioridade na mente.

As imagens dos adolescentes nos últimos anos, meses, mais precisamente de dias não saem da minha cabeça.  Volta e meia vem à mente eles cantando funk politizado, fazendo jogral, nas ruas dançando e caminhando com bandeiras, com gritos de ordem ou pendurados nos portões de ferro dizendo que não tem arrego, tem luta.

Ou aqueles cartazes dizendo OCUPADO! OCUPA TUDO! SECUNDARISTAS EM LUTA.


A imagem da Marcela segurando a cadeira que o policial estupidamente estava arrastando e danificando ocupou meus pensamentos por meses em 2015. Ou aquela em que se segura na cadeira enquanto o policial tenta tirá-la do protesto. Ou ainda esta:

Rever está imagem desconstrói todos os comentários questionando porque na época em que a presidente cortou milhões da educação não fizeram nada. É mentira. 

Em quase todas as ocupações em 2015 tinham cartazes sobre os cortes na educação e reorganização das escolas.

Dizer que são partidários é além de enorme equivoco é falta de caráter. Algo que alguns movimentos sequer sabem o que significa porque são financiados por empresários, partidos de direita, ONGs internacionais e pelos ingênuos que acreditam nas propostas e ações políticas de movimento social que propõe manifestação com camiseta da CPF, trio elétrico e pato como mascote.

Quem nunca estudou em escola pública estadual não pode se sentir no direito de querer defender algo que não sabe como é. Não pode ter a pachorra de abrir a boca pra dizer que está ali pelos estudantes que querem estudar. Posso escrever a perder de vista o que significa estudar em escola pública estadual precarizada com professores e ensino sucateados.


Só me pergunto por que essas ocupações demoraram tanto para acontecer. Por que quando estudava não existiu algo assim.

Quando me sinto desmotivada e entristecida lembro-me deles, e logo quase que instantaneamente fico melhor. Não quero com isso, colocar projeções ou cargas que eles não podem carregar/segurar. 

Pode chover comentários chamando-os de esquerdistas e outros “adjetivos” que me recuso a escrever.

Quem escreve algo assim, nunca visitou qualquer ocupação, jamais conversou com eles e principalmente não compreendeu o que querem e qual segmento político priorizam.

Para quem não sabe o significado de autonomia e auto-organização qualquer palavra serve para subjugá-los.

É com máximo respeito a eles que toco neste assunto. Sem delongas e sem tirar-lhes a palavra. Quem melhor do que eles para falar sobre né. Então segue para quem não viu ter a grata oportunidade de contemplar o que vem vindo por ai ou conhecer as consequências da autonomia e auto-organização:

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

SEI E NÃO SEI

O que eu sei não faz de mim alguém especial. O que eu sei? Alguns ensinamentos bíblicos e científicos, algumas putarias e coisas aleatórias como que eu não deveria correr perto de cachorros mesmo se eles correrem atrás de mim. Mas no dia que um cachorro rosnou e correu atrás de mim, que se fingir de morto que nada, não tive dúvidas e corri o mais que pude! É engraçado como ainda que a gente saiba das coisas faz tudo ao contrário. Por teimosia ou simplesmente por esperança besta.  Quem nunca torceu por um final de filme diferente daquele que se sabia que o mocinho ia morrer? “Vai Rose, reveza com o Jack que essa água tá fria pra caralho e ele pode morrer”!

Eu poderia ensinar gerações mais jovens com lições como “não se deve beber água e correr em seguida” porque dá dor na barriga. Ou que a Terra gira em torno do seu próprio eixo e também ao redor do sol. Fiquei muito feliz quando era criança e descobri porque existem estações do ano! A vida é mais excitante na infância... Ou não, a memória também é uma ilha de edição. Eu sei que quando você tem medo fatalmente a vítima de qualquer coisa que dê errado em um grupo de corajosos será você. Como daquela vez em que as crianças estavam brincando de pular entre as lajes de duas casas vizinhas, todo mundo dizia “Vai! Pula! É só pegar impulso!” e pulavam com tanta facilidade e eu fiquei lá, no canto, não queria pular, estava morrendo de medo. Mas quem quer ser covarde? Aí aceitei o desafio: não deu outra, não sei como errei o salto e caí. Meu braço quebrou, mas até que era legal deixar meus colegas de sala assinarem no gesso.

Não sei como os humanos descobriram que certos alimentos eram alimentos. Quem cozinhou ou fritou o primeiro ovo? O animal tá lá em desenvolvimento e pá! “Vamos esquentar isso daqui e comer”! A resposta deve ser aquilo que dizem que a criatividade vem com a necessidade. Eu não sei como um avião pode voar ou pra quê servem as contas de logaritmo. Também não sei daquele meu ex-melhor amigo, se ele ainda deseja trilhar o mesmo caminho, se está fazendo o que dizia que não faria ou quem ele é hoje. Nem sei daquela minha amiga que sonhava em ser astrônoma, se ela insistiu no sonho ou não. Ou daquelas pessoas que juraram amor eterno por mim, não sei se elas ainda se lembram que eu existo. 

Às vezes, não sei se eu existo. Pareço uma máquina reproduzindo ordens, respondendo aos estímulos que me dão, vivendo de acordo com o roteiro criado por terceiros. Mas há outros momentos onde acredito mesmo que sim, que eu existo, aí eu sonho, amo, o mundo é fora e é dentro de mim, sinto que tenho poderes, me sinto capaz de fazer tudo o que desejar! Quando me perguntam “e ae? Como vai a vida?” a resposta mais completa seria que a vida segue com seus pares: sei e não sei das coisas; sei e finjo que não sei; não sei e finjo que sei e por aí vai... 

sábado, 22 de outubro de 2016

Glória e a louça

Glória hesitava diante do armário da cozinha. Almoçar ou não almoçar? Tinha fome. Conseguira saltar o café da manhã, mas estava difícil fazer o mesmo com o almoço. Olhou de relance para a pia e desviou o olhar assim que percebeu que suas retinas haviam registrado o que, na verdade, já sabia. A pilha de louça insuportavelmente se multiplicava por sobre a pedra de mármore. Almoçar significava contribuir com um prato, um garfo e uma faca para aquela angustiante montanha. Uma estratégia eficiente do que cozinhar poderia lhe poupar a faca, mas era pouco. Lembrou-se que ainda haviam as panelas. No armário, só uma frigideira. Todo o resto repousava de forma caótica sobre o fogão. E também havia o cheiro. Não era preciso terminar de cruzar toda a sala para sentir o odor nauseabundo que vinha da cozinha. Era o resto de lentilha que fermentava naquele calor fora de época de abril. Sempre o dilema do resto. Nunca o bastante para ser guardado na geladeira, nunca tão pouco a ponto de valer o esforço de ser jogado fora. O resto acabava ficando mesmo nas panelas e se transformando em cheiro. Divisou por acidente o cacto esquecido no balcão do armário e sentiu inveja dele. Glória quase nunca se lembrava de lhe servir água e ainda assim ele se mantinha intacto, forte e verde, como no dia em que foi parar ali, sem que para isso tivesse que sujar uma louça sequer. Felizes eram os cactos. Mas Glória não era um cacto. Glória tinha fome. E se poupasse as louças por mais aquela refeição? Olhou para a fruteira. Uma banana preta e os insetos que lhe faziam companhia. Talvez servisse para fazer doce. Mas doce sujava louça, muita louça, e Glória não queria lavar louça. De forma quase instintiva, afastou os insetos com as mãos. Glória dirigiu-se então à geladeira e os insetos voltaram a rodear a banana, nem bem Glória lhes dera às costas. Abriu a porta. Um pote de margarina pela metade, um vidro de requeijão praticamente vazio (mas que não descartara porque sempre pensava que podia render mais uma ponta de faca), alguns sachês de catchup, fruto da última promoção de esfihas de frango da rede popular de restaurantes árabes, uma cebola murcha e um naco de queijo ressecado. Glória pegou o queijo e o levou em direção às narinas. Não estava estragado. Glória tinha fome. Foi mordiscando pelo meio para evitar as partes secas das bordas. Depois foi com borda e tudo. Não bebeu água. Glória havia almoçado sem ter sujado uma louça sequer. Agora já podia voltar para o seu quarto e chorar até a hora do jantar.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Dia 21

Passando pra deixar o meu alô registrado nessa quente noite de primavera e deixar essa musiquinha aqui:

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A abstenção venceu?

A última semana de julho foi também minha última semana de férias, que eu ‘aproveitei’ na cama, com uma gripe daquelas. Já que não podia fazer nada mesmo resolvi acompanhar a sabatina que um portal fez com os principais candidatos à prefeitura de São Paulo.

Terminei com duas conclusões, a primeira foi que o João Doria conseguia ser pior que o Russomano – tão ruim quanto, mas com toda a máquina psdbista que governa o Estado há mais de vinte anos a seu favor. A segunda foi que felizmente ele estava só com uns 5% nas pesquisas.

Nesse momento Maquiavel deve estar rindo da minha segunda conclusão. Não se deve menosprezar ninguém na política. O máximo que eu posso alegar é que Doria não foi o primeiro; perdeu, por pouco, para as abstenções.

Essas são as regras do jogo. Vence quem tem mais votos válidos. Porém todo jogo tem suas regras aprimoradas com o tempo. Não é razoável que alguém governe tendo sido derrotado para a maioria que não votou em nenhum candidato.

Após as eleições foi divulgado que em um colégio particular de São Paulo foi feita uma experiência. Primeiro os estudantes fizeram uma votação simbólica nas propostas das candidaturas, que foram apresentadas de forma anônima, depois uma votação nos nomes dos candidatos.

Doria venceu a eleição nominal, mas as propostas anônimas vencedoras foram de outro candidato – de um partido tão demonizado que é melhor nem mencionar. Claro que um colégio não se estende necessariamente para uma megalópole, mas diante de propostas rasas ou mirabolantes, não seria uma surpresa se o experimento tivesse o mesmo resultado no sufrágio oficial.

A representatividade costuma ser um desafio dos regimes democráticos. Colocar o mais votado no poder é eficiente nas sociedades homogêneas, por aqui isso vem resultando no congresso de Brasília, por exemplo. Diante dos desafios de converter maiorias em representação, parece uma ideia interessante que o eleitor escolha as propostas que ele deseja ver implantadas na cidade, ao invés de confiar sua escolha, que pode ser enviesada e passional, a uma pessoa.

É evidente que isso não nos livraria de escolhas ruins. Em um Estado que elege há mais de duas décadas o mesmo partido, é bem provável que as forças retrógradas que formaram São Paulo atuem no sentido de impedir avanços sociais, mas pelo menos daríamos um passo tímido no caminho da democracia direta.

Não votar foi a escolha da maioria, que culminou em um péssimo resultado. A contagem dos votos válidos foi em favor do candidato que sequer se assumia um político. Não existe formação para político, o cargo pode ser exercido por qualquer um. Administrador, médico, torneiro mecânico, todos aptos a exercer um mandato eletivo, com a diferença que alguns negam a política como se fosse possível ser indicado pelo governador, comprar votos das prévias, criar racha no partido, tudo sem ser político.



terça-feira, 18 de outubro de 2016

Nos Deram Espelhos



Procuro sempre ter esperança, dar tempo ao tempo, dar uma chance até pro que não concordo, chamo isso de democracia pessoal e sem poder. Dei duas, três, inúmeras chances... num momento até de muita boa vontade cheguei a pensar "talvez estas pessoas estão vendo tudo por um ângulo que não consegui ver ainda, pois elas estão convictas". 

Engano meu, estas pessoas não estão convictas, estão com ódio e o ódio cega, assim elas não têm pontos de vista e nem ângulos diferentes, não tem ideias que pensem num bem comum e no macro, apenas tem a sede de segregar e destruir, por pirraça até, o que outros conseguiram e conquistaram e depois, festejar na cara destes como se fosse um gol numa final contra um rival.
O ódio faz pensar com o umbigo, não com a cabeça, o dialogo fica impossível.

O ódio contaminou, a intolerância infectou, a raiva se espalhou e não deu tempo de vacinar, tomou proporções federais, estaduais e municipais. Está bem próximo, mais do que se pode imaginar.

Os rostos mais vistos em papeis que sujaram as ruas, foram dos que diziam "vamos limpar toda essa sujeira".
E que sujeira? Apenas olhem o reflexo: 

"Nos deram espelhos e vimos um mundo doente".

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Mundo geométrico

O mundo sempre fora quadrado.

As pessoas eram quadradas com cabeças quadradas, a cidade era quadrada e as casas também.
A cidade quadrada ficou para trás e deu lugar a um mundo aparentemente redondo que na verdade era retangular. Isso foi descoberto muito tempo depois.

A casinha era retangular com uma cama retangular. Às vezes, a cama era o mundo.
O universo tinha paredes, o que o deixava tridimensional.

Curioso que, algumas vezes, as paredes desapareciam. Isso não acontecia em sonhos, mas em pesadelos. 
Não ter paredes deveria ser bom, mas era exposição, fragilidade.

O mundo retangular não parecia mais tão ruim quando comparado ao mundo quadrado.
A cama retangular era grande e cabia, além dos pesadelos, os sonhos.

Quando as paredes caíram de um lado, foi possível correr;
E de tanto correr, andar, circular e voar, foi possível ver voltas, curvas, rotundas. O mundo perdeu os cantos.

Há, ainda, paredes frágeis,mas com portas para atravessá-las.

Ainda carrego um molho com chaves antigas para portas de um mundo esférico. 
Uma delas reluz como ouro.

“... and how many times must a man look up before he can see the sky?”

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Para se ferrar basta ceder

A palavra ''ceder'' deveria ser tirada do dicionário, ou pelo menos jamais dita para uma mulher.
Crescemos nela, nos ambientamos nela, mulheres são educadas para ''ceder'' em tudo, caso contrário a sociedade não anda.
O problema é que ceder tem um custo muito alto e só paga quem cedeu, o outro lado continua tranqüilo. Eu cedi tantas vezes que perdi a conta e só comecei a acordar quando coisas começaram a dar errado e percebi quem me rodeava.

Tive um amigo que me apresentou outro. A amizade deu certo desde o começo e ele trabalhava perto da minha casa, então ia direto lá sem avisar. Com o tempo começou a pegar confiança e ficava mais e mais tempo. Algumas vezes eu chegava da rua junto com ele, cansada, de saco cheio, louca pra entrar em casa, fazer um sanduíche e assistir novela, mas ele era meu amigo, então eu cozinhava alguma coisa e ficávamos conversando. Sempre gostei do papo dele, aprendi demais, porque ele era todo místico, mas a verdade é que ele abusava do meu tempo e do meu espaço.

Hoje quando olho pra trás me pergunto como cedi tanto, eu chegava cansada, exausta no meio da semana e ficava ali com ele, que não tinha me avisado que ia na minha casa.

Um dia tive que mudar de cidade, foi tudo muito rápido e não pude avisar ninguém. Ele ligou para minha casa e minha mãe avisou ele, que não gostou e teve a cara-de-pau de dizer pra minha mãe que amigos não fazem isso, não viajam sem avisar.
Ela me deu o recado e  mandei um email, explicando o que tinha acontecido. Ele respondeu de maneira grosseira, dizendo que não tinha mais nenhum interesse em uma amizade com uma pessoa inconstante como eu.

Ele estava certo, desde o começo a trouxa fui eu, dei espaço e tinha que dar merda, porque quando cedemos sempre dá. Ele nunca ligou e me perguntou se podia me visitar, ia a hora que queria sem perguntar nem dizer nada. Um dia chegou no meio de uma leitura do grupo de teatro que eu estava, foi assistir televisão até acabar e depois voltou a sala. Não pensou que eu estava cansada, de saco cheio e não queria mais saber de gente, esse dia lembro que fiquei muito brava, achei um absurdo que ele tivesse ficado me esperando depois da leitura.

Chegou um momento que alguns amigos pensaram que ele era meu namorado, porque estava sempre na minha casa, mas ele tinha namorada. Não é tudo culpa dele, eu não tinha coragem de dizer nada e nunca disse, carreguei durante anos a ideia de que amizades são assim, a gente tem que apoiar e neutralizei que eu também precisava de apoio e não tinha porque tolerar pessoas invadindo meu espaço.

Nos últimos tempos decidi não ceder mais em nada, ao menos que a outra parte o faça primeiro, então eu abro a conta e vou assim, a outra parte faz, eu faço, caso contrário não me interessa mais. Isso me colocou em uma nova categoria, agora não sou mais a doce Iara, sou a filha-da-puta sem sentimentos. Já me falaram isso, mas não fiquei magoada, era tudo uma questão de perspectiva. É melhor que pensem isso de mim do que eu sentir que fui explorada por não saber dizer ''não''.

Para mim não ceder não me faz uma filha-da-puta, mas entendo que essa é a leitura social, uma mulher que não cede é um elemento perigoso na sociedade, alguém que não é confiável. Sei disso, mas cheguei no meu limite de cansaço e não entendo porque teria que ceder quando as pessoas não cederam comigo, cansei de viver debaixo de idéias que me massacraram e no fundo são apenas a base do patriarcado, que acredita que ser mulher é ceder.

Não ceder muda tudo e a sensação é boa, muito melhor do que aquela ferida que começa a sangrar quando sentimos que alguém se aproveita e passa por cima de nós.
Outro dia um amigo me disse que pensa duas vezes antes de me dizer qualquer coisa, porque nos últimos tempos destrambelhei a língua. Fiquei muito feliz com isso que ele disse, foi um elogio. Depois de décadas cedendo, pra mim é a glória saber que alguém pensa duas vezes antes de me dizer alguma coisa. É bom pensar mesmo, porque ninguém vai cruzar meu limite de novo.



Iara De Dupont

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Mãos à Obra

Uma obra só é uma obra se ela for publicada.

Uma obra em andamento já é obra e pode ser totalmente reformulada.
Uma obra pode ser obra inacabada, mas só se o autor abandonar, seja em vida ou pela morte.
Obras nunca tem fim, quem determina seu fim é seu criador.
Se um autor não publicar sua obra, com certeza ela será ou seria modificada a cada releitura. 

Chega! É assim que o autor finaliza sua obra. Às vezes bate até um arrependimento, sabia? “Podia ter ficado melhor, maior, mais robusta, menos cheia, venenosa, carinhosa, indireta, talvez direta. Mas... Chega!”

Esta é minha obra. Poderíamos ficar aqui por horas, dias, meses relendo esta e modificando, mas para esta, determinei que “agora chega”.

E se você quiser, pode usar desta obra como apoio para criar a sua. E então, lhes convido:

Mãos à Obra!

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A morte.

 Essa semana vi no face de um amigo, a seguinte reflexão sobre a morte: 

‘’Hoje pensei sobre a morte. Pensei na morte irremediável. Pensei na morte do corpo e pensei na morte da alma, e na morte do que a gente ama, e na morte do que a gente acredita.
A morte é forte. A morte é profunda. A morte é fria como uma Segunda-Feira de tardinha.’’
Por Rafael de Souza

Se tem uma coisa que nos incomoda até em pensar é ela...
E se tem uma coisa que me deixa extremamente confusa é pensar na morte não só do corpo...

Tem muitas coisas nas quais já acreditei e que morreram sem eu nem perceber, mas são tantas coisas que diariamente se encaixam nessa modalidade que assusta.
É muito triste para mim ver certas coisas morrer diante dos meus olhos.
Um sorriso
Um olhar
Um gesto de carinho
Um amor
Uma confiança
Essas coisas morrem, e pior elas morrem e deixam um vazio imensurável dentro de nós. Isso sempre me foi muito triste.
Deixar morrer a crença seja lá no que for, sempre foi pra mim uma coisa muito pesada.
Sempre fui muito feliz em acreditar em pessoas, em sentimentos, em palavras e quando essas coisas morrem dentro de mim demoram e muito para eu esquece-las, o mais intrigante de tudo isso é que mesmo sabendo que elas morreram e que machuca lembrar de quando elas estavam vivas eu insisto em não esquecer.
Talvez há quem diga que isso seja bom, mas sempre achei essas recordações muito dolorosas.
Sempre pensei em encontrar uma fórmula mágica para apaga-las de mim.

Quando li essa reflexão, pensei em tanta coisa que já morreu pra mim e em tantas outras que mesmo depois de mortas ainda insisto em acreditar.

Por isso depois de ler ler isso essa semana me fez querer lembrar vocês assim como fui lembrada de que devemos curtir tudo que acreditamos, tudo que sabemos que pode não estar mais aqui amanhã, lembrar de não deixar de acreditar nas pessoas, e coisas, e amores, e pensamentos... em tudo.

Porque se tem uma coisa mais triste que a morte delas é sim elas se quer terem existido.

sábado, 8 de outubro de 2016

Som do Inferno

  Um cachorro latindo no vizinho
  alternado com uma torneira pingando
  com breves pausas
  para você achar que finalmente acabou
  então ligam o liquidificador na cozinha
  e volta o cão e o pingo

  Na esquina o bar toca samba
  um samba só de surdo e cuíca
  cantam apenas "laialaia laiala"
  para o samba um momento
  Vem o parabéns
 
  Dez, vinte bêbados classe média alta
  cantam a versão "é pica, é pica"
  em total euforia

  Suas crianças correm e berram na rua
  casais discutem pelo celular
  alguém fala de política bestamente

  começa o jogo de futebol
  gritos grossos de palavões e gol
  buzinas e fogos a uma da manhã

  E eu só queria saber
  porque nossos ouvidos
  não vieram com pálpebras
  

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Um amor para Valentina

V
alentina, na sua ânsia de viver tudo, pouco se interessava pelas realidades do seu dia. Queria sentir o que não era seu e captar, dentro daquilo que era sentimento de outro, os detalhes que julgava essencial para uma vida toda. E foi nessa brincadeira de sentir o que não se sente, que ela forjou sua busca pelo amor. E o encontrou, nas variadas formas de se tocar o irreal. Das delicadezas da alma aos despudores do corpo. Mas no final, é tudo uma coisa só: separar o inseparável não é lá coisa inteligente de se fazer.

Dentre os artifícios utilizados, as cartas eram uma das prediletas. Nelas, colocava todo o pranto calado, toda a alegria contida e seus desejos mais obscuros. Entretanto, não podemos esquecer: escrevia, sobretudo, o que queria sentir. Idealizava seus homens, colocando na boca de todos eles o que, donzela que era, gostaria de ouvir. Até seus desalentos eram invenção. Narcisismo do choro – era o que os mais chegados diziam. Acreditava que, na medida em que criamos, vivemos. E que não há mal viver de filmes, já que imaginar é sentir, e não há outra forma de atingir a vida que não seja pelo sentimento.

Seu encontro com o amor acontecia, vez ou outra, na forma de miragem, ou desses presságios que o mês de maio traz com os feixes de luz da rainha mãe. E isso tudo ela anotava cegamente em cadernos de folha velhas, pra poder cheirá-las e sentir, mais uma vez, a lembrança do que nunca teve e se ver, assim, repleta de vida dos outros.

E nessas brincadeiras de se dizer palavras – palavras enfeitiçadas -, de significados inventados, ela se discursava como uma moça esperando o amor. Ele não vinha. Deixava a porta aberta, para que ele entrasse sem receio. Apagava a luz, para os seus despudores do corpo. Ele não entrava. E, quando ela se cansava desse jogo de sorte e azar, e se desencantava, jogando as palavras inventadas na poeira do céu, ele chegava faceiro com o sol da tarde. Observando o sol subir, nessa inconstância de vida-a-vida – que não volta – reparava seu amor em meio ao cais, um presságio.

Todas as suas anotações eram repletas de lirismos (des)comedidos, para enganar os olhos que por ali passassem. Revelar-se plenamente, embora vontade antiga, não era lá algo que conseguisse. Mais que a vergonha ou a vontade de ser incógnita e, assim, provocar futuros descobridores do segredo da esfinge - que devora -, a artimanha de se esconder, como uma serpente que enrola em si mesma na hora de dar o bote, era nada mais que o desconhecimento da maior parte que a compunha. Essa incessante busca pelo amor não foi mais que uma busca dela mesma. Ao sentir seus olhos úmidos de amor refletido pelos outros estaria encontrando a ela mesma. E tocando na parte mais delicada de cada um – o coração aberto, pulsando vermelho e retumbando em vida.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

TENSÃO


Ela me diz: “Estou gorda! ”
Digo-lhe: “não, não está. ”
Ela me diz: “Estou louca! ”
Digo-lhe para se acalmar

Noto então os dias que vêm
A trazerem esse outro alguém
Que não reconheço

Busco manter a lembrança
 “Para cada música, uma dança”
E isso é só o começo

Ela me diz: “Estou triste”
Digo-lhe: “Te alegres! ”
Ela me diz: “Me conquiste”
Digo-lhe que seu corpo ferve

E esse é mais um dia
Que vem e me desafia
A manter a sanidade

Passada a tristeza
Virá a aspereza
E de carinho, necessidade

Então, ela me diz: “quero abraço”
Digo-lhe: “Venha mais para cá”
E ela me diz: “Me ame como o faço”
Digo-lhe que só sei a amar

Sei que sempre acontece
A alma se remexe
Vem para por a prova

E mesmo com tudo isso
Ela é tudo o que preciso
Meu amor só se renova


FÁBIO FONSECA