sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Um ano

Eventualmente, há muito o que reclamar do ano, 

dezenas de situações no mínimo indecorosas e indecentes.

a política, uma latrina;
o mundo, uma estupidez, morticínios


Mas seria difícil eu não falar dela nesse dia. Ela que veio morar comigo dentro e fora de mim.
Com ela toda as tristezas, passageiras e duradouras foram dimizadas e semeadas em novas e renovadas alegrias...


Em cada acordar, dormir, amanhecer e espairecer novas canções foram cantadas ao lado dela...

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

menos peso, por favor

Outro dia estava na estrada e me questionando o peso nas costas. Peso que estava ali, por ser incapaz de encher a mochila com apenas aquilo que fosse estritamente necessário usar durante três ou quatro dias.

Seria bom se ocorresse às vezes, mas quase todas viagens caio na merda e levo o que não precisa.

Caminhar em lugares desconhecidos com o sol da manhã ou tarde, vento nos cabelos e balanço das ondas sejam salgadas e doces é uma delícia, menos quando se está com peso desnecessário que comprime o cérebro e invade o peito a ponto de faltar o ar.

Cada pensamento parece uma nuvem pesada com quilos e quilos de carga negativa que rodeia o corpo, mesmo quando se sabe que o peso está apenas nas costas e não na cabeça.

Em pouco instante o peso desce das costas para as pernas e pés, fica aquela impressão de que o peso aumentou. Assim pode ter a paisagem que for, se tiver peso, nada está da forma que deveria. O sorriso sai, mas é amarelo ou cinza. A alegria surge, mas é sem graça.

Tanta blusa, shorts e saia, sandálias e toalhas, cangas, brincos, pulseiras e vestidos aqui nesta mochila pesada, único pensamento que acompanhava cada passo e suor que escorria sem parar.

Quando chegar no quarto a primeira coisa a fazer: jogar a mochila no chão com toda raiva que esse peso me fez passar.

Assim o fiz.

Logo que coloquei os pés no piso daquele quarto simples, para não dizer ralé. E fui para o mar. Em cada onda, era menos um, menos dois, três pesos. A cada vento um sorriso que saia, um peito que enchia com ar. Ar de leveza.

Voltei com uma certeza, esse peso não carrego mais.

Dessa vez, quando coloquei a mochila nas costas senti mais leve, mas ainda estava pesada, com roupas desnecessárias. Lembrei que parte ia para doação pois estava em bom estado, cheirosa, sem furo ou desgaste que impedisse outras pessoas de usarem.

A segunda sacola estava abarrotada, mas de roupas para doação. Parte considerável para ela, outra seria para outros usarem. De fato e na verdade, tem pouco peso para retornar daqui 15 ou 20 dias.

Sequer os livros vieram, mas logo algum me achou.
Frida veio numa tarde de vento forte e calor escaldante. 

Quando existe a ausência  do mar para no mesmo instante causar sinergia e anestesiar quaisquer tipos de males, resta para esvaziar o rio e o livro para vazar pensamentos e tirar o peso.

O livro numa frase te arremata: tenha coragem de viver porque qualquer um pode morrer.
É uma frase ofensiva, de efeito. Porque logo se pensa em quem já perdemos, naqueles que se foram.

Ou se cria uma resistência no efeito, principalmente quando alguém teve a coragem de defender outra pessoa da covardia, ódio e preconceito nesta semana.

Pensando bem e com a Frida a frase se encaixa perfeitamente para ele, que agora vive noutras pessoas e marcou a passagem com algo que era cotidiano.

A solidariedade ou prestar gentileza para aliviar o peso de alguém deveria valer ouro.

Todo os dias a gente esbarra ou tem a má sorte de ter por perto ou de passagem pelo caminho quem morreu faz tempo. Aqueles que absorvem com facilidade sentimentos ruins e pensamentos de destruição, de ódio e senso comum arraigado no preconceito.

Desejar que 2017 seja o ano da leveza com grito de liberdade é utópico, mas não custa tentar desejar. Vivemos  disso de acreditar que o ano pode ser melhor, que as pessoas podem ser melhores, que cada dia é novo amanhã. 

Daí nasce aquela esperança tola e sabe-se lá para que. Mesmo na razão vemos alguma, afinal a água do rio nunca é a mesma.

Assim seja, para o ano que vem.


Boas entradas de  novo ano,  2017 vem aí ;)))
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Com mais luta sim, com mais resistência com certeza
Mas de preferência e por favor Jah com leveza aqui dentro.


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Circo pegando fogo


É fim de ano e talvez o mais indicado fosse um texto otimista, inspirador, com dicas de estratégias para alcançar sonhos e objetivos. Mas... é 2016. Ano de tantas turbulências políticas. Futuro?

Black Mirror é uma série de televisão britânica criada por Charlie Brooker, sucesso mundial. Assistimos nos perguntando entre angústia, tensão e sorrisos nervosos, “que mente insana criou isso daqui”? Estamos num tempo em que quase não se fala em utopia, mas talvez nunca tenha se falado tanto em distopia.

Apesar de todos os esforços das Nações Unidas, estudos sobre desigualdade de renda projetam o crescimento da extrema concentração de riquezas no mundo. No último relatório da Oxfan, 1% da população mundial reunia a mesma riqueza dos 99% restantes. Ou ainda, 62 pessoas, sim 62 PESSOAS, tem no seu saldo bancário o mesmo que a metade da população mais pobre do mundo. 62 seres humanos...

Diante disso tudo, o progresso. Afinal, estamos na “era da automação”. Menos trabalhadores para fazer o serviço, mais máquinas nos substituindo e máquinas cada vez mais eficientes. Temos aqui um excedente populacional ou, em outras palavras, gente que SOBROU, simplesmente não cabe todo mundo nesse barco. É indiscutível: o desemprego estrutural só cresce. Previdência social em falência... etc etc.

Políticos e intelectuais tem se dedicado a pensar em como contornar esse quadro desagradável. Um deles é o premiado jornalista holandês Rutger Bregman, que defende a ideia  “free money for everyone”,  algo parecido com o nosso Bolsa-Família. Em resumo, a ideia é que a desigualdade social pode ser combatida através de uma renda básica oferecida pelo Estado. A proposta é assim apresentada como um “jeito civilizado de combater à pobreza”. O vídeo pode ser assistido aqui.

No entanto, fico me perguntando nesse final de ano: até quando ficaremos assistindo atônitos a nossa vida se transformar em episódios terríveis de Black Mirror ou em qualquer outra distopia, enquanto 1% goza de toda riqueza mundial? Até quando faremos remendos num sistema econômico e político que já provou ser incompatível com a vida na Terra? Levaremos esse jogo até as últimas consequências, até o circo pegar fogo? 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Mínimas mortes

O cheiro da morte se anuncia a nós desde muito cedo. Eu quase nada conhecia do mundo, quando vi minha mãe sucumbir ao meu lado. Num instante ela estava e no outro deixou de estar. Escapei por muito pouco, sem poder ver a origem do golpe, sem nem ao menos poder despedir-me. Entre nós, eu haveria de aprender, não há margem para despedidas. Nossas vidas são efêmeras. Mínimas. 

Não tardou e vi partir meu pai e já nem sei quantos irmãos, tios e sobrinhos. Uma emboscada. Uma arapuca que somente as engenhosas cabeças da indústria da morte são capazes de conceber. Estavam em pleno voo quando foram surpreendidos. De onde estava, pude ver o clarão, o estampido. Mesmo de longe era possível sentir o cheiro de corpos carbonizados e o som das risadas dos agressores. Divertiam-se. Sempre fomos brinquedos em suas mãos. 

Para alguns é ainda pior. A morte é lenta e agonizante. De todas as formas de morrer, a que menos desejo é ser vítima do jato. Ele surge quando menos se espera e vai tirando a força vital aos poucos. Os que recebem o jato, úmido e de odor nauseante, cambaleiam sem ar e aguardam a morte como a uma dádiva. Foi-se o tempo em que apenas morríamos. Dado o refinamento das técnicas mortuárias, hoje se morre desejando nunca ter nascido. 

É notório que preferem nos atacar a noite, justo quando estamos mais vulneráveis, justo quando saímos em bando para nossas atividades habituais. É notório também que preferem nossas fêmeas e são a elas que atacam com maior furor. Ainda que os muitos anos de evolução de nossa espécie, tenha dotado nossas fêmeas de suprema sutileza na hora de sorver a seiva, ainda assim as apunhalam abruptamente, sem possibilidades de negociação. Brutos! Atacar o inimigo de costas e enquanto se alimenta! Oh, desnecessária perversão...

Sempre fomos hospitaleiros e adeptos à cordialidade. Jamais recusamos dividir nosso espaço com eles. Isso é nossa marca e sempre será. Os mais corajosos de nós, constantemente tentam aproximação. Chegam devagar, com a polidez de diplomatas, com sussurros ao pé do ouvido - porque somos delicados e nos desgostam os urros e gritarias histéricas - e ainda assim os bárbaros nos atacam com nítida incivilidade e fazem fenecer os menos ágeis de nós.

Quanto a mim, sei que a morte me espreita ali na esquina e nem uma folha se moverá mais lentamente quando isso acontecer. No dia seguinte a minha morte, milhões de nós virão ao mundo, milhões de nós partirão dele e uma nota sequer sairá no jornal. Apenas acontecerá o que tem que acontecer a quem nasceu para ser mínimo. O que agora me ocorre é que chegará o dia em q




terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Um piadista

Cresci ouvindo as histórias do tio Alcínio. Um piadista nato. Seu repertório era diversificado, indo do trocadilho com o pavê até a loira burra, passando pela bichinha alterada e o negro que sempre era o trapalhão da história.

Tio Alcínio só deixava o bom humor de lado e adotava um tom sério quando falava de sua contribuição à incansável luta contra o comunismo. Dizia que comunismo é coisa de molecada alienada. Essa cambada, nas palavras dele, ou apanha da polícia quando é jovem, para aprender, ou apanha quando é velho, para criar vergonha.

Eu, que sequer me considerava jovem ainda, resolvi tirar uma lição de suas histórias. Ia pular uma etapa! Claro! Enquanto meus amigos se tornariam jovens alienados, eu seguiria os conselhos do tio Alcínio e não perderia tempo com essas bobagens. Assim, antes que todo mundo, eu seria um capitalista bem sucedido, tão invejado quanto tio Alcínio dizia ser. Educado, ele esperava as mulheres irem para a cozinha, lavar a louça do almoço de família, para confessar em voz baixa para nós que paquerava as menininhas do bairro, e que elas adoravam.

Cresci. Sempre atento aos sinais do comunismo, via meus amigos perderem tempo com bobagens. Festas, bebidas, muita farra e pouco trabalho. Características que, segundo tio Alcínio, eram típicas do comunismo. Gente que não gosta de trabalhar e quer viver às custas do Estado.

Eu não. Desde pequeno estava resolvido a não perder tempo com essas bobagens. Enfiava a cara nos livros e me preparava para arrumar um bom emprego o quanto antes. Enquanto meus amigos continuariam perdendo tempo, eu logo estaria empregado, ganhando dinheiro, galgando cargos, comprando carros, vencendo na vida até ser dono do meu próprio negócio e do meu próprio nariz, para então contratar meus pobres amigos, que não tiveram o tio Alcínio para ensinar o caminho certo.

Assim segui minha jornada. Tudo friamente calculado. Arrumei meu primeiro emprego. Com meu primeiro salário comprei uma camisa polo. Foi frustrante mal conseguir pagar uma camisa, mas era meu primeiro emprego. Se o Silvio Santos começou como camelô, sem dúvida meu primeiro passo já havia sido mais largo.

O tempo passou. A empresa cresceu. Eu senti que cresci com a empresa. Fui promovido inúmeras vezes, transferido quando requisitado para filiais que abríamos em outras cidades, estavamos em ascenção. O salário aumentou. Não na mesma proporção que o trabalho, mas com esse governo cobrando tantos impostos, quem é que consegue aumentar salários? Pelo menos minha reputação estava sempre em alta. Uma subida contínua.

Consegui comprar um apartamento. Na verdade não comprei, estou comprando, mas logo termino as prestações. Minha própria empresa não saiu do papel, mas também, com esse governo.

Tio Alcínio já morreu. Até o fim da vida se tornou cada vez mais piadista. Não que tivesse piadas novas, mas repetia cada vez mais as antigas. Outro dia, eu prestes a me aposentar, em um almoço de domingo, comecei a pensar no tio Alcínio. Um piadista.

Quando foi servida a famigerada sobremesa tudo ficou tão claro! Tio Alcínio era um piadista. Sempre. Não ficava sério quando falava da caça aos comunistas. Apenas invertia os papéis e fingia seriedade para confundir minha cabeça.

"Acreditar em comunismo é coisa de molecada alienada" e eu, moleque alienado, não percebi e caí feito um patinho. Na tentativa de pular uma etapa e me dar bem acreditei que para ser bem sucedido, igual ao tio Alcínio, tinha que ser esforçado e trabalhar. E trabalhei. Trabalhei com afinco, a vida inteira. Trabalhei porque o trabalho liberta. Trabalhei porque não era um vagabundo comunista. Trabalhei porque isso era suficiente para crescer na vida.

O tio Alcínio. Um piadista.

domingo, 18 de dezembro de 2016

"Mudanças (parte I: Caixas)"


As semanas que antecedem uma mudança são sempre causas de angústia e preocupações com inúmeras coisas, quando nos damos conta de que realmente o processo de mudança chegou é quando nos pegamos mexendo nos nossos pertences, escolhendo roupas para levar ou para doar, percebendo presentes de casamento que nem foram abertos ainda, encontrando aquele livro que nem se lembrava que tinha e que por pouco não comprou de novo tempos atrás, aquele cd que ainda tá com o adesivo do código de barras da loja de departamento que já fechou faz tempo e que já participou de outras mudanças desde quando ainda era solteiro, junto com o esquadro da época do primeiro curso de desenho técnico e, peraí... O que é aquela caixa de sapato, separado num canto do guarda roupas do pai, guardada com carinho e não com esquecimento, mas que o tempo e a rotina talvez tenha feito ele esquecer? Ele resolveu abrir, vamos ajudar ele a conferir? Temos aqui uma gravata vermelha que serve como um porta pente, um carro azul que serve como um porta retrato 3x4, um porta caneta verde com um bigode colado, um papel com um pisão de tinta preta e escrito ao lado "quero seguir seus passos" e um diploma de "melhor pai do mundo"... tem mais coisas aqui, a caixa está cheia, mas o pai agora está chorando porque reparou uma coisa: reparou que  todas essas coisinhas estavam ainda, em sua maioria, embrulhadas, sem serem abertas e em todas estava escrito "Papai, eu te amo!" e com isso também reparou que cada "eu te amo embrulhado " foi guardado numa caixa de sapato no fundo do guarda roupa, não porque essas coisinhas não foram importantes, muito pelo contrário, foram tão importantes que ele quis guardar pra curtir depois de novo, pois naquelas semanas de dia dos pais ele provavelmente estava vivendo tempos difíceis, angústias pessoais, problemas no trabalho, energias gastas por coisas e pessoas que talvez nem merecessem tanto assim, mas que o fizeram "perder" aqueles momentos em que ele recebia todos os dias, na semana de dia dos pais, uma lembrancinha feita à mão pela filha. 
O pai chora no canto do quarto, não por querer voltar no tempo e corrigir, mas por se sentir enganado e passado para trás pela "vida moderna" e que lhe fez perder esses minutos puros e belos. O pai levantou-se, enxugou o rosto, escolheu algumas dessas lembrancinhas de dia dos pais e vai levar pra casa nova e usa-las, uma de cada jeito e ocasião, pra marcar essa mudança não só de lar, mas de prioridades na vida. O esquadro de desenho técnico foi para doação, desenho hoje só na tv quando ela vier da escolinha, ou de giz de cera, junto com ela no chão do nosso apartamento, que ainda é nosso lar por algumas semanas antes da mudança.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Let it Be (ou Felicidade Clandestina II)

                Era um final de tarde num dia de inverno de 1970. Entrou em casa com um entusiasmo diferente:
- Mãe,  mãe! – saiu andando esquadrinhando cada cômodo em busca a mãe, obviamente.
                A mãe era artista, filósofa, dessas que tem alma de poeta. Sempre apoiou os sonhos dos filhos e os ensinou a enxergar o mundo com mais sensibilidade.
-  Oi, filho! O que foi?
- Você tem que ir até o carro comigo, agora! – disse mexendo no ar um pequeno embrulho brilhante que cabia em sua mão.
                Comprou o Fusca em 1968, quando fez seus 18 anos. Fruto de uma pequena herança deixada pela vó, (já que era seu único neto na época em que havia falecido), e de todo o suor que derramava na oficina do pai, desde muito cedo. O 68 branco, 1300 cilindradas, tinha um diferencial: 12 volts no novo sistema elétrico da categoria. Era seu orgulho, principalmente o toca fitas instalado por ele mesmo.
                 Entraram no carro, ainda cheirando a novo, de tão bem cuidado. O filho, no banco do motorista e a mãe no de passageiros. Ele desembrulhou o presente que havia embalado para si mesmo, com o sorriso de uma criança na manhã de natal. A mãe lançou-lhe aquele olhar de aprovação.
                - Chegou hoje na cidade! Fui o primeiro a comprar! – disse, já abrindo a caixinha da fita que tinha o rosto de quatro caras e dizia, em inglês, “Let it be”. Quase como a menina no conto de Clarice, hesitou alguns segundos antes de empurrar a fita. Viu o sorriso no rosto da mãe e colocou o volume no máximo.
                De “Two of us” a “Get Back” os dois ficaram ali, ouvindo, sem falar uma palavra um para o outro, os trinta e cinco minutos e dezesseis segundos de música, com pausa somente para trocar o lado da fita, enquanto o sol ia se pondo e as estrelas tomavam seu lugar. Um vento frio soprava de leve.
                Hoje, com 66 anos, o ainda menino se lembra nostálgico dessa cena, com muito afeto e carinho, sabendo que momentos como esse, por toda sua poesia, não voltarão. E que poucos jovens poderão viver algo tão mágico. 


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O mosaico

Uma pessoa me perguntou ''o que você ganha falando mal do romantismo e dos relacionamentos?''.
Nada, não ganho nada, não estou ainda na parte de ''ganhar'', mas já perdi muito e não falo de dinheiro.

Quando era pequena me levaram a um museu, não lembro o lugar nem o nome, mas de uma gigante parede de mosaicos, uma coisa impressionante, imagino que nos meus cinco anos aquilo me pareceu mais grande do que deve ser.

Tenho tido essa imagem na mente durante muitos anos, lembro de alguém dizendo que aquela parede era como a vida, de perto nada fazia sentido, mas de longe o quadro era lindo.

Talvez pensei que a vida era aquilo, pedaços coloridos de cerâmica que vamos colocando nos lugares que pensamos serem os certos, sem saber bem como vai ficar o desenho.

Mas depois de algum tempo nos afastamos e vemos que a parede tem alguns buracos, peças que faltam.

Tem dias que não lembro disso, tem dias que sim. Consigo me afastar e olhar minha parede, o desenho, e ver a quantidade de lugares vazios, momentos que não vivi e ficaram em branco.

E por quê não os vivi? Porque passei pelo mesmo processo de milhões de mulheres, fui intoxicada com a ideia de romantismo e as situações ideais, tudo isso foi colocado na minha mente como um freio, uma maneira de me manter debaixo das rédeas, mas o amor era isso ''o momento perfeito'', ''o cara certo''.

Trabalhei uma vez com um ator e me encantei com ele, mas o rapaz era tímido e não dava nenhum sinal.
Eu era o contrário, impulsiva, extrovertida, mas limitada e presa aos meus sonhos românticos, a todas aquelas histórias que me davam, então segurava o que sentia, preferia ficar quieta.

A peça que fizemos ''virou'', era um ótimo material, mas nas mãos de um péssimo diretor, se estragou, mas dávamos muita risada.
Quando a peça acabou cada um foi para seu lado, mas eu tinha ficado com um figurino dele e resolvi devolver, antes liguei para uma amiga e comentei sobre o assunto, eu não sabia como, mas queria dizer ao rapaz que gostava dele, sentia saudades.
Minha amiga se ofereceu para dar uma carona e lá fomos nós. Chegando no lugar em que ele estava, desceu do carro comigo, eu disse que poderia ir sozinha, que não se preocupasse, mas ela respondeu:


-Ficou maluca? Só vim aqui para evitar que você se humilhe! Você gosta dele, mas se ele gostasse de você já teria te procurado!

Na hora gelei. Ela tinha razão, segundo o romantismo ele já deveria ter me procurado e se declarado, como isso não aconteceu, então eu iria ''pagar um mico''.
Recuei na hora.

O rapaz me viu e foi muito amável, abriu o sorriso, perguntou sobre minha vida e conversamos um pouco, mas não foi além disso.

Voltei ao carro com ela e talvez nesse momento uma peça de cerâmica não grudou no mosaico da minha vida.
O que poderia ter acontecido se eu tivesse me aproximado dele e dito ''eu gosto de você''?

Mas eu não disse, presa as minhas ideias sobre romantismo, se ele gostasse de mim diria algo, não disse, então não gostava. Não falei, não escutei respostas, não vivi o momento.

Em outra ocasião eu estava encantada por um Romeu, falava com ele de vez em quando, mas não acontecia nada. Um dia ele me convidou para ir a uma festa, em sua casa. 

Não lembro o que aconteceu, mas deu uma confusão e todos foram embora, menos eu. E acabamos nos beijando, o que parecia faltar em alguns aspectos, como interesses em comum, sobrou em química, a pele grudou. Mas não acabou na cama, porque naquela época eu pensava que mulheres que ''dão'' no primeiro encontro o homem descarta depois, se eu desse nunca seria namorada dele, apenas outra em sua cama.

Não dei e talvez essa noite outra peça de cerâmica caiu do desenho.

O romantismo me tirou muito mais do eu gostaria de admitir, perdi amigos, momentos e vivências, aquelas que usamos para construir nosso mosaico.

Não sei quantas vezes mordi um ''gosto de você'', engoli em silêncio o que sentia, não queria ser uma oferecida e se fosse o ''cara certo'' ele que deveria falar sobre amor, não eu.

Ao falar sobre o amor de maneira romântica, passamos em cima do princípio que os homens são seres humanos, também têm seus complexos, medos e alguns são tímidos. 
Nos contos de fada eles agem, correm atrás das princesas, mas na vida real são tão medrosos como qualquer um.

Fui apertada pelos dois lados, de um recebia essa educação pelos livros e filmes, sobre o amor, e pelo outro era educada em meios conservadores, que são bem claros quanto ao papel da mulher na conquista, ela espera o homem se declarar.

Minha avó dizia que jamais uma mulher deveria dizer ao homem que o amava, caso contrário ele iria se aproveitar da situação.

Passei por alguns momentos que poderia ter dito e não disse, esperava que ele dissesse, porque não queria ser a ''tonta'' que entrega o jogo.

Levei anos para entender porque tudo era tão confuso, eu dava a entender que gostava de alguém, mas não dizia nada, ao mesmo tempo meu temperamento extrovertido deve ter confundido muitos Romeus.

Tenho um amigo que sempre foi um grande parceiro, eu tinha uma queda por ele, mesmo assim preferi ficar quieta, as pessoas que nos conheciam percebiam alguma energia ali e diziam que fazíamos um ''lindo casal'', eu disfarçava com aquela frase batida ''imagina, somos amigos''.
Mas em algum momento disseram isso a ele, que respondeu na minha frente:

-Ah, não, você não conhece a Iara, o que ela pensa vai falando, não é de guardar nada, se ela gostasse de mim já teria me puxado em um canto e dito ''e aí, fulano, como é que fica?''.

E deu risada. Com um gesto eu confirmei o que ele disse, sim, eu era mesmo desse jeito extrovertido, se gostasse já teria falado, pra quê sofrer em silêncio?

Mas sofrer em silêncio sempre foi minha especialidade. É parte da minha genética, de ser neta e filha de índia, eu sofro em silêncio, rara vez me expresso nessa parte.

E para meu azar resolvi quebrar esse encanto duas vezes, no momento errado, com a pessoa errada. Em dois momentos me apaixonei e não enrolei, fui logo me declarando aos Romeus, que não queriam nada comigo e me chutaram.

Voltei ao meu casulo convencida de que tinha errado, não devemos nunca dar o primeiro passo.

Eu esperava porque o romantismo tinha me dito que as coisas boas seriam eternas, o amor era para sempre, por que então perder o tempo com outros homens? É melhor esperar o certo.

Tudo isso te joga em um lugar escuro, fechado, cheio de dúvidas, o amor deve ser eterno, mas ele não aparece! 

Não saímos para experimentar, não conhecemos e acabamos caindo em conversas moles de homens que sabem se aproveitar, disso a ser explorada economicamente é um passo. É uma sequência de erros.

Grande parte da minha vida teria sido diferente se alguém tivesse me dito ''olha, não existe amor eterno, nem príncipe encantado, vai indo nos que você gosta, beije os que tiver vontade, transe quando quiser, se apaixone muitas vezes e não se preocupe quando te chamarem de puta, para o mundo todas as mulheres são umas putas''.

Simples e sem dor.

Mas e se eu beijar e ele não quiser namorar comigo?
E quem disse que você vai querer namorar com ele?

Mas e se eu transar e ele não me ligar?
E quem disse que a transa vai ser tão boa assim a ponto de você querer mais?

Mas e se eu ligar e ele não se interessar?
E quem disse que ele é o único número que você tem no celular?

Mas eu queria um namorado.....
E quem disse que é o único homem no mundo?

Mas e se eu me jogar e ele ficar com medo?
E quem disse que homem covarde é bom?

O mosaico não era sobre fazer um desenho incrível, mas sobre economizar a dor. Tudo que falamos, vivemos e amamos apenas nos economiza a dor, quando ficamos paralisados, na dúvida, a dor aparece e fica ali.

Na educação errada vive a dúvida e a incerteza. Não fazemos um mosaico evitando situações, mas enfrentando as que aparecem.

Eu não perdi namorados por ser uma romântica, perdi momentos que poderiam ter sido bons, paixões curtas e beijos quentes.

Nunca me disseram que o tempo voa e os relacionamentos devem ser vividos naquele momento, não são para depois. Não me avisaram que as pessoas mudam de ideia e querem coisas diferentes, assim o amor eterno não é eterno, é apenas um pedaço de cerâmica no mosaico, que grudado aos outros vira um desenho de amor.

Pior ainda: nunca falaram sobre o tempo, o tempo, o tempo.
Existe um tempo para tudo, nem sempre vamos estar naquele momento, o tempo é exato.

Passei uma juventude inteira e começo de uma vida adulta evitando grudar pedaços de cerâmica no meu mosaico, procurando o amor eterno e fiquei vulnerável a erros grotescos, que me causaram mágoa e dor. Caso eu tivesse vivido aqueles momentos que me recusei a viver, teria um mosaico mais colorido, talvez esses momentos poderiam compensar as experiências ruins e teriam me mostrado que a vida é assim, cheia de pedaços de cerâmica que têm que ser grudados para fazer um desenho.

Amor, paixão, são pedaços de cerâmica, não são o todo, mas o romantismo os joga no chão e quebra, estraçalha, avisando que o ''definitivo'' está a caminho, é só esperar.

Mas a vida não espera, a parede continua na nossa frente e o desenho vai aparecendo, mesmo com esses buracos, esses espaços em branco.

O importante é o desenho, o que fazemos de nossa vida, os momentos que vivemos, as paixões que sentimos, tudo isso são as peças coloridas que vão grudando, o resto é peça que não completa a parede.

E nada segura mais a vida do que o romantismo, a ideia falsa de amores eternos, príncipes encantados, hora certa, alma gêmea, metade da laranja, pai dos meus filhos, o amor da minha vida e o homem que esperei. 

A vida é breve, é um momento, temos apenas uma parede para construir nosso mosaico e não é sobre o que deixamos de fazer porque somos românticas, mas o que não vivemos por sermos ingênuas e acreditar em coisas que não existem.

Mosaicos bonitos precisam de cor, de vida, de momentos, de paixões. Se não grudar na parede, então não foi vivido. E quem se importa com um desenho cheio de buracos em branco? Quem quer uma vida assim, incompleta?

Romantismo para mim é sobre perdas, buracos no desenho e situações que não vivi. E também sobre avisar as outras mulheres sobre as armadilhas que não me avisaram.

E não tenho mais nada para perder, só para ganhar. Quando você se liberta das mentiras e ainda está viva, já ganhou.



Iara De Dupont

domingo, 11 de dezembro de 2016

Leg Godt


Hoje eu acordei triste. Sentimental talvez. Confesso que estou me sentindo também um pouco egoísta.

Deveria estar pensando na família que está longe. No pai e na mãe que devem estar com saudades minha. Talvez na namorada a quem digo que amo todos os dias. Mas hoje acordei com um vazio diferente.

Acordei com a falta do som do atrito que elas emitem, dos formatos mágicos que possam formar, da beleza do sorriso sincero que alguns deles possuem, mesmo sendo eles inanimados.

Acordei hoje acreditando que na minha ausência eles aprontam, transformam e re-transformam tudo por lá e antes que eu chegue de volta, eles tratam de arrumar a bagunça e voltar às suas posições de origem.

Sim, bem típico àqueles filmes infantis que você tanto gosta.

Hoje amanheci assim, com esse desejo infantilmente adulto de estar em casa, analisando minuciosamente cada uma das posições. Verificar se todas as peças e pessoas estão devidamente posicionada, não só por estar, mas posicionadas para transmitir algo, que na minha cabeça remeta a uma ação e que aos olhos dos outros pareça com algo que lhes tragam sorriso ao rosto.

Hoje, especialmente hoje eu queria muito mesmo, assim, em primeira e única pessoa, estar montando LEGO.


sábado, 10 de dezembro de 2016

Da confusão que se é viver.



Ainda me surpreendo no quanto a vida pode ser confusa, no quanto podemos ficar confusos diante da vida.
É um assunto bem clichê esse, há quem tenha a fórmula exata de como descomplicar a vida, há quem saiba exatamente como viver plenamente.
Eu claramente não me encaixo nesse grupo de pessoas que tem uma certeza exagerada do que se quer, do que se vive.
Volta e meia tomo minhas decisões sem base nenhuma, sem ter ideia do que estou fazendo...
Talvez seja uma particularidade minha não saber bem nem escolher que comida comer na praça de alimentação do shopping e sempre achar que devia ter escolhido outra.
Sei lá, diante de tantas opções para mim é muito difícil escolher uma só e ter certeza disso.
Talvez eu só seja mesmo muito insegura, talvez eu goste de diversidade ou talvez eu goste quando não tenho opções...
Diferente da comida, a vida te f*** a cada escolha errada, ela faz questão de esfregar na sua cara que você não soube escolher, que você tem que segurar a barra das suas escolhas.
Claro! Ah quem fuja, ah que finja ter sempre a melhor escolha, esses dois devem ser as mais comuns vistos por aí...
Essa confusão toda que é viver as vezes me deixa num desespero só.
Tipo: Só eu não sei o que to fazendo?
Estamos no fim do ano e eu não tenho realmente ideia do que virá, pior ainda saber o que virá com as escolhas feitas esse ano.
Talvez só seja um grande e imenso nada o que é bem improvável...
Admitir isso tudo não me deixa mais confortável diante da situação, mas me salva de ficar fingindo que tudo está muito perfeito.
Embora não esteja nada tãooo ruim, tenho a sensação de que algo não se encaixa, ou esta faltando sei lá...
Enfim, vou vivendo e acreditando que toda essa vida e escolhas sejam as mais certas que posso fazer...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Entre a euforia e o remanso
ele fez sua escolha
e eu sofro, morro
me desfaço
viro pó

Ele me consome
tudo que eu era, some
tudo que resta é a memória
que também sumirá

O tempo nada perdoa
nem a si mesmo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Até ano que vem.


  Quantas pessoas eu já fui ainda nessa mesma vida?
  Quem eu serei amanhã?
  Será que gosto?
  
  Quantas linhas precisa ter um post;
  um pouco mais para não parecer preguiçoso;
  um pouco menos para ser lido até  final?

  Por que escrever aqui, e não em um "como me sinto" no facebook,
  garantindo meia dúzia de likes vazios?

 Quantas zilhões de vezes já gastei as mesmas palavras?

  Por que você está aqui agora?

  Bora voltar a estudar regra de três e concordância,
  ver o Tim e seus brinquedos no youtube,
  Porque isso eu sei fazer.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Sobre a licenciatura

1. Alguém SEMPRE vai perguntar "Você está estudando para ser professor"?

teacher

O destino de quem cursa uma licenciatura não é somente a sala de aula. 

2. Inocentemente você responde "Não, tenho outros planos".


A pesquisa é o sonho de muitos até o caos se instalar no prazo para defesa na pós graduação.

3. Seu mantra vira "Por quê? Por quê fui inventar isso?"


4. Exceto quando a bolsa cai


5. E a defesa passa.


6. Daí você pensa "Mercado de Trabalho: aí vou eu".


7. Passa horas preparando sua primeira aula


8. E percebe que lecionar não é para qualquer um...



9. Mas com o apoio dos colegas pensa "quem sabe melhora".

Gilmore Girls netflix season 3 episode 3

10. Algumas vezes acaba perdendo a linha...

bad teacher

11. Mas quando algum aluno participa da aula...é só alegria.


12. Até o ano que vem!



terça-feira, 6 de dezembro de 2016

2 Meses

Eulália, quem te colocou assim: grávida? 
Logo você anja sem graça. 
...
Qual dentre os homens, te tocou as coxas brancas, 
sem carne, sem mel, sem fim. 
Eulália conceberás dos céus ?!
...
Olha pra cá e me manda pros confins. 
Fala com sabor que não foi assim. 

Tens o rosto feio, seco, as orelhas grandes. 
Tens os olhos gigantes, me envolvendo, na sua satisfação sem
FIM.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Sobre o Natal!

É chegado o Natal
De tão bela alegria
Ou seria Carnaval?
Com sua sublime fantasia...

Vestimos becas exuberantes
Trabalhadas em pura paz
De sentimentos confortantes
Até que a festa se vá

Seria isso tão errado?
Talvez Pecado?

Seria isso tão ruim?
Hipocrisia enfim??

Quem sabe pode servir para contagiar
Talvez o “um dia” se tornem cinco ou dez
Pode servir para nos animar
Derrubar-nos de nossos pés

Sim, aprenderíamos a nos curvar
Talvez aprendêssemos a nos ajoelhar
E não estou falando de religião
Por favor não faça confusão

O que digo é que todas as histórias
Desde o começo dos tempos
Nos contam várias trajetórias
Semeando o respeito

Não importa qual seja o nome
Não importa a etnia
Nem mesmo o rumo que se tome
Se for para sermos mais humanos
Nesse novo ciclo que se inicia.

Fábio Fonseca

sábado, 3 de dezembro de 2016

Essência

            O essencial é invisível aos olhos, ele floresce na alma. As inquietudes surgem quando estamos, de alguma forma, longe da nossa essência. Mas como reconhecer o que é essencial em tempos que só corremos contra o relógio? Em um mundo onde crescemos domesticados com regras que fazem sentido aos que nos antecederam? Não é por mal, os mais vividos passam a receita deles do que é ser bem-sucedido e, isso, para muitos, significa ter carreira, família, propriedade.

            Você se obriga a escolher uma profissão logo que sai do colégio, passa mais alguns anos estudando para ter um diploma para ajudá-lo a entrar num mercado de trabalho que, ainda, exige diversos outros cursos. Você estuda, estuda, estuda e trabalha, trabalha, trabalha. Fica das 8 às 18h (quando não mais) trabalhando. Volta pra casa com a exaustão da rotina, toma banho, janta, dorme e, no dia seguinte, tudo de novo. Quando você tem tempo para ouvir nas necessidades da sua alma?

            Há quem seja feliz nesse moinho de gastar gente, mas há uma geração de pessoais infelizes que, depois de muito tempo nessa rotina, se questiona “o que estou fazendo da vida?”. Nesse ponto, o maior salário do mundo nunca será o bastante, ele vira artifícios para suprir a frustração, com copos cheios para minimizar o vazio da rotina insana.

            No vai e vem dos dias, é preciso parar e respirar, observando o que te move, o que te impulsiona a levantar da cama todos os dias. Propriedades e carreira não resumem nossa essência. Ser bem-sucedido é estar em paz, é seguir o que nossa alma pede, é compreender a nossa essência e respeitá-la. Más como? Parando de ouvir o mundo e ouvindo o coração, afinal, só nós sabemos o que realmente se passar no nosso íntimo. O caminho é nosso, só nosso. Ninguém pode nos direcionar ou nos salvar. A essência é nossa, só nossa! E nada é mais gratificante que reconhecer as inquietudes da alma e respeitar a essência. É nesse momento que a vida começa a ter fluidez natural, pois, finalmente, você achou o caminho certo: o caminho que a tua essência pede. Que a essência transborde e viva em constante primavera, florescendo sempre.


          

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A injustificável ausência do ser

Em meio à decadência e tristeza da loucura, nos corredores de um hospício na Áustria do século XIX, um ancião, empurrado em sua cadeira de rodas, declara uma benção para todos os desgarrados em seu caminho: “Medíocres de todos os cantos, eu os absolvo. Absolvo a todos”.

Salieri, em sua mediocridade autoproclamada, fez as pazes consigo. Ainda não consegui isto.

Não me conformo com minha pequenez. Não gosto de ser menos; mas sou. E vou escondendo meus passos, julgando em silêncio os dos outros; dependendo da aprovação alheia enquanto digo não me importar com ela.

Tento justificar os meses sem publicar? Não posso. Está no título. Busco perdão? Não sou disso. Se o texto parece de confessionário, penso mais como divã.

Com os defeitos expostos no papel, fica mais fácil exterminá-los. Mas me falta o ânimo para tratar deles. O tédio me envolve e mais uma vez estou assistindo a vida passar.

Acho que é isso o que faço agora. Minha lista pessoal de falhas. Porque não basta ser mediano, é preciso da preguiça pra completar. Um mundo cheio de possibilidades e eu encontro tempo para me entediar em frente ao computador.

Medíocre.

E mais um dia se passa. E o vejo passar, julgando a mim e aos outros. Ritual macabro, sem fim e sem propósito.

Arre, estou farto de gente! Onde é que há semideuses no mundo?

Preciso que haja mais na humanidade do que vejo passar em todos esses feeds do meu dia. O mundo anda me assustando...

... E fiz de novo. Meu vício. Desculpar minhas faltas nas faltas dos outros. Não tem justificativa, Gabriel. Olha o título.

Me recolho então, sem saber como finalizar o texto. Sem coragem de apertar o botão de enviar. Quem sempre foi júri, se caga em ser réu.

Mas um dia eu melhoro e viro Salieri. Satisfeito em presenciar as maravilhas do mundo do lado de fora. E quando for juiz e executor de mim, quem sabe poderei olhar no espelho e finalmente ter propriedade para dizer “eu lhe absolvo”.  



12 meses não são muito.

E hoje faz um ano que eu fiz a minha primeira postagem neste Blog. Um ano no qual escrevi mais para mim e menos por grana. Um ano no qual ajudei pessoas a alavancarem seus projetos mais do que impulsionei coisas minhas, e isso me deixou muito feliz. Um ano no qual aprendi diversas coisas sobre relacionamentos, sobre respeito, sobre arte, escrita e carreira. Um ano no qual não fiz várias das mudanças que gostaria.
Aceitar o convite para postar nesse espaço foi um dos passos que tomei para mudar a vida. Não sei se posso atribuir tantas mudanças a esse pontapé inicial, mas para mim, como diria Ronnie Von, significa.  Esse blog é o lugar onde posso escrever de forma descompromissada, e que me obriga a, todo dia 1, inventar algo espontâneo e de que eu queira falar. É uma tela em branco, que tem urgência de ser preenchida.
Comemoro esse primeiro ano pensando que estou curtindo muito a experiência, e me prometendo uma regularidade maior de postagens boas nos próximos 12 meses.
Um brinde, então:
"Aos amores perdidos, postagens esquecidas, e à estação dos textos. E que cada um de nós pague a Neil Gaiman os direitos autorais merecidos por plágio"