domingo, 20 de agosto de 2017

Cultura inglesa

Quando decidi dar um upgrade na minha vida profissional, comecei pensando em um startup. Apesar de ser proativo não costumo ter insight, portanto achei melhor mobilizar contatos da minha network e selecionar alguns stakeholders.

Marquei um meeting com amigos headhunters. Eles me indicaram que o mercado de games estava aquecido. Poderia montar um home office e pegar alguns jobs, afinal eu já estava habituado a ser freelancer.

O deadline dos jobs costumam ser apertados, mas um bom coach poderia me orientar e facilitar as coisas. Logo teria um feedback que me diria se minha startup era ou não um case de sucesso.

Em pouco tempo fui alertado que poderia ter um handicap. Um handicap! Espero que isso não seja dolorido. De qualquer forma, imaginei que um bom outsider poderia me ajudar com isso. Do que não é capaz um bom outsider, não é mesmo?

Não precisaríamos da nada muito formal. Quem sabe uma trip juntos não contribui para fugirmos do maistream e um date na night pode perfeitamente me ajudar a entrar no mundo das offshores.

Por influência do meu manager comecei a pensar em um bom flyer. Isso ajudaria a divulgar meu business plain para os targets, o que, convenhamos, é essencial. Para esse job mais leve eu poderia utilizar o próprio home office, montar uma playlist que me agrada e partir para o make do flyer. Mechandising é tudo.

Depois já estaria tudo encaminhado. Um bom setlist com as tarefas do day by day facilitaria minha vida. Só precisava tomar cuidado com o borderline. Quem, no auge da empolgação nunca se esqueceu do borderline?

Com uma boa interface, que cuidadosamente passei a pronunciar ‘interfeice’, não tenho a menor dúvida de que conseguiria bons sponsors. Resiliência era a chave. Com dedicação e empenho, poderia tranquilamente ser um ageless. Gostei da ideia. Ageless.

Claro que nem tudo é fácil para quem é um self made man. Eu teria que ser CEO de mim mesmo. Aproveitar o happy hour para fazer network, marcar brunchs de negócios e trabalhar para me tornar um shareholder agressivo.

Resolvi não poupar esforços. Minha nova empreitada estava decidia. Ontem mesmo dei meu primeiro passo. Fiz minha matrícula em um curso de inglês.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Os peixes no aquário

Olhei para os peixes, nadando placidamente no aquário. Ocupando o espaço especialmente construído para este fim. Nadando placidamente. Objeto de decoração. Preenchendo o aquário, recortado, montado, criado, especialmente para este fim. Escolhidos a dedo, os peixes, bonitos, de preferência bem vistosos, coloridos, decorados. É preciso ainda que nadem. E brinquem, vez em quando outra, com as plantas subaquáticas, recortadas, montadas, criadas especialmente para este fim. O aquário é objeto de decoração, parque de diversões, paraíso artificial dos peixes especialmente reunidos, não por afinidades, não por laços consanguíneos. Os peixes no aquário selecionados, especialmente recortados, montados e criados para serem coloridos, vistosos, decorados. Plácidos. Não há predadores no recorte. Moleza. O caminho é fácil, plácido, colorido e selecionado. Basta nadar. Não há nem que seguir a corrente, pois o balanço do recorte subaquático é especialmente criado e artificialmente criado para este fim. Peixes estimulados, especialmente pensados a recriarem o movimento natural. Como se estivessem fora do recorte. Do paraíso. Os peixes são vigiados a todo momento. Caso não nadem ou apresentem sinais de rebeldia contra o pacote artificialmente criado, pensado e construído para este fim, são substituídos por outros peixes mais vistosos, decorados, coloridos e plácidos. A imitação da vida natural é uma falácia. Tudo o que vestem os peixes são máscaras. Especialmente colocadas e montadas para este fim. Ser objeto de decoração. Bonito, colorido, vistoso, plácido. Pouco importa se não é este seu habitat. Espera, um dos peixes comeu o outro. Não há moleza neste baile de máscaras. O balanço foi justamente criado, pensado e construído para este fim. Não existe inércia no balanço. Há que se mexer as barbatanas, ainda mais as vistosas, coloridas, decoradas especialmente para este fim.
Não me surpreende se um peixe decide morrer para sair do aquário. Especialmente para este fim.

Childe Hassam - “Bowl of Goldfish”

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Morte e morte de Maria

Maria morria de medo de morrer. Na verdade seu nome era Helena, mas gostava de ser chamada de Maria Helena. É mais chique, dizia ela. Com seus noventa e dois anos, as rugas das expressões brutas dominavam seu rosto. Odiava a vida, odiava as pessoas, odiava não conseguir fazer mais nada. Odiava não enxergar direito. Mas odiava mais a morte.

Lembrava-se frequentemente de quando era criança, no velório do pai. Que péssima lembrança, não devia ficar pensando nisso. O pai morrera de derrame, bem novo, e por isso, sua perna havia encolhido, sua mãe lhe explicara. No velório, na cidade pequena, lembrava-se do bafo do bêbado que, trocando as palavras, interrompera o luto da família. Cidade pequena é cheia dessas coisas.

São da família do falecido? perguntou o bêbado, passando correndo o olhar pela criança encolhida no canto. Forçando os olhos, se aproximou do caixão, chamando a atenção da matriarca da família. A perna dele está errada no caixão, apontou o bêbado para o caixão. Vou arrumar, disse, puxando a perna encolhida para baixo. A perna caiu do caixão.

Que horror, se lembrava Maria Helena. Não quero morrer, não quero ser isso. Não quero ser objeto de riso. Odiava a morte e a fragilidade do corpo. Por isso, pensava tanto nisso. Mas não devia, dizia de si para si.

Nos últimos anos, abandou o catolicismo e se tornou espírita. Na verdade, era uma espírita fajuta, pois nunca vira um espírita com medo de morrer. Afinal, a morte é apenas uma passagem. Ou deveria ser. No fundo, sabia que seria apenas comida de verme.

Invejava os personagens de suas ficções favoritas. Que coragem tinha Brás Cubas, ao dedicar suas memórias ao verme que primeiro roeu as frias carnes de seu cadáver. Por isso, resolveu fazer alguma coisa em relação a sua morte.

Pediu para a família o caixão mais barato. Não queria flores e não queria passar tempo em velório, com medo de aparecer um bêbado ou outra pessoa indesejada qualquer. Vai ser em casa, disse às filhas, que já não conversavam entre si.

Um dia resolveu pedir à neta que a buscasse em casa. Quero dar um passeio, pediu. Aonde vamos, vó? Quero ir ao cemitério novo da cidade, disse decidida.

Foram, e ao chegar lá, pegou todos os folhetos da recepção e foi caminhar pela área cheia de verde. Mas e o túmulo do vovô, por que a senhora não quer ser enterrada lá? - perguntou a neta. Não quero, respondeu. E o túmulo do seu pai e da sua mãe? Não quero ser enterrada perto de gente chata, esbravejou a avó, já resmungando.

Aqui é bonito, mas fica muito longe da cidade, refletiu em voz alta enquanto se apoiava em um corrimão para descer os degraus de volta ao estacionamento. Uai, mas que que tem? Indagou a neta. A senhora vai querer ir comprar pão na padaria todo dia, por acaso? Brincou a neta sorrindo, já acostumada com o jeito da avó.

Deu uma última olhada no cemitério antes de entrar no carro. Pelo menos tem muitas árvores. Resignada, Maria Helena comprou ali seu espaço e esperou silenciosamente o momento de se mudar para lá. 

sábado, 12 de agosto de 2017

Romeu e sua boneca de papel



 

Nos últimos tempos, digo, anos, aprendi a questionar tudo, penso duas vezes cada vez que escuto alguma coisa e chego a várias conclusões. Me pergunto mil vezes a quem convém o que é dito ou o que pode estar atrás disso.

Pode parecer paranoia, mas em um mundo onde a mulher é carne moída, não me parece errado prestar atenção em tudo que nos cerca.

Aprendi a desconfiar de uma figura bem popular, o famoso  ''Romeu'', aquele ser que amamos e na maioria dos casos decidimos dividir a vida com eles.

Mas Romeus não são grátis, nem transparentes, são humanos e neste caso humanos que cresceram debaixo das regalias dadas ao gênero masculino. Mesmo sem querer eles agem de um jeito misógino, educados e doutrinados nos privilégios e no excesso de direitos, ou de pensar que os têm, eles não são os anjos que pensamos que são.

Eu não critico eles abertamente, entendo hoje que são fruto de uma cultura, mas percebo também que a maior responsabilidade é minha, sou eu que tenho que estar atenta as armadilhas, consequências da educação que eles recebem.
Mas para que isso aconteça preciso tirar meus óculos cor de rosa e deixar de ser romântica, ver Romeu apenas como ele é, um homem que é resultado de uma cultura e age de acordo com isso.
Também não gosto disso, se fosse tudo de acordo as minhas fantasias eu preferiria viver em um mundo onde homens são parceiros legais e eu posso relaxar, sem estar atenta aos detalhes. Gostaria de estar em um planeta onde nada tivesse segundas intenções e não viessem coelhos escondidos na cartola, mas não tive essa sorte, sendo assim a melhor coisa que posso fazer é manter os olhos abertos e a mente flexível, deixar meus óculos cor de rosa enterrado no jardim e seguir a vida.

Veio minha amiga dizer que mudou de ideia, vai colocar silicone. Ela sempre foi magra e com pouco seio, mas dizia estar feliz desse jeito, seguiu um tempo a carreira de modelo e isso parecia ser uma vantagem, o pouco peito. Como viajou bastante conheceu outras culturas e  padrões de beleza, assim nunca se incomodou por ter o peito pequeno.

Ela começou a falar sobre algumas mudanças e falou sobre o silicone. Na hora perguntei a ela se ainda estava namorando e me confirmou que sim.

Minha percepção sobre o assunto mudou na hora. Se uma mulher me diz que vai colocar silicone e está sozinha, eu percebo que foi uma decisão dela, mas se tem um Romeu na história desconfio de tudo, de cada vírgula, de cada palavra.

E faço isso baseada na minha fantástica experiência com homens. Eles são doutrinados para pensar que tem poder sobre nossa aparência, acreditam que decidem o que vestimos ou não e que os seduzimos usando a roupa que eles escolhem.
Como não pode mais ser um jogo tão aberto, para não parecer dominante, o discurso mudou, agora Romeus falam mansinho e começam a frase dizendo ''eu te aceito do teu jeito, mas poxa amor, podia ter mais peito ou ser mais magra né?''.

Se eu namorasse hoje os homens que um dia namorei, com certeza pesaria cinquenta quilos, porque algumas vezes sofri a pressão aberta e direta e outras vezes a voz mansinha que me alertava que eu estava engordando, mas sempre era a voz do macho ditando regras sobre minha aparência.

Eles nos veem como bonecas e nós, mulheres, fazíamos isso com nossas bonecas na infância, cortávamos seu cabelo e mudávamos suas roupas, eles fazem a mesma coisa e acham que têm o direito de modificar algumas partes do nosso corpo para satisfazer suas fantasias sexuais.
E não param, se a mulher der uma folga, eles caem matando, começam a buzinar de leve, seja para que  a mulher emagreça ou coloque silicone, mas eles apertam, se aproveitam do desejo criado nas mulheres em querer agradar os homens que amam, essa é a porta do inferno.

Canso de escutar amigas dizendo ''eu não me incomodo em ser gorda ou não ter peito, mas Romeu me diz que se posso melhorar, por que não fazê-lo?''.
É, por que não fazê-lo?

E até onde vamos por isso? É viável deitar em uma mesa, levar anestesia geral, apenas porque Romeu gosta de mulheres com peitos grandes? Eles valem esse risco? E o que ganhamos em troca? Ele vai fazer um implante para aumentar o tamanho do pênis?

Alguma mulher já sugeriu isso ao seu Romeu, que aumente seu pênis?

Nós temos feito muitas coisas por ingênuas, aceitamos outras por ignorância, mas isso tem que acabar, não podemos continuar dessa maneira, sendo controladas por homens e seus caprichos.

E digo uma coisa, já temos conhecimento para reagir, não somos mais as bobas que tinham o acesso a informação negados,  hoje sabemos que vivemos em um emaranhado social onde somos as presas, tudo é voltado para nos caçar.

E não existem palavras doces de Romeu que não venham carregadas de manipulação e controle, ele pode ser ótimo, mas foi educado para conseguir o que quer em cima de uma mulher, se ele quer peitos grandes, ela vai ter peitos grandes.

E todas aquelas histórias que algumas mulheres me contam, como ''ele me dá apoio'' são mentira, parte de uma fantasia, ora, por que não daria apoio se você está fazendo o que ele mandou?

Se você abrir bem os olhos vai perceber que esse apoio só é dado quando é alguma coisa do interesse dele, não do teu.
Romeus podem parecer fofos e prontos para dar apoio, mas apenas estão vendo o que é conveniente ou não, parecer um cara legal é um bom negócio, dá lucro, ficar de fala mansa na orelha da mulher, dizendo que ''enlouqueceria se ela tivesse peitos maiores'', vai dar resultado.

Sou a favor de todas as mudanças físicas que uma mulher queira fazer, é seu corpo, mas cada vez que sei que tem um Romeu na história, fecho a questão. Posso me ver ali, sendo massacrada pelos meus doces namorados, escutando a mesma coisa.

Uma vez um deles me disse ''olha, você é bonita, mas se perdesse peso seria um escândalo''. Outro dizia ''poxa, pra quê se largar desse jeito, tenta uma dietinha, eu te ajudo''.

Ah, mas também namorei os legais, aqueles que comiam pizza comigo, mas o jogo deles era o contrário, adoravam que eu engordasse para que ficasse mais insegura, porque me excesso de peso me deixava insegura, eu não me aceitava, assim ficava na mão deles para ser facilmente manipulada.

Na frente de um homem, qualquer homem, nossa aparência não passa daquelas bonecas de papel, eles acham que podem cortar, tirar e amassar, até se aproximar das doentes fantasias que carregam.

Chega de colocar a culpa neles, somos nós, mulheres, que temos que acordar e cortar todas essas cordas de manipulação. Romeu quer uma namorada magra? Bom, não sou eu, ele que vá procurar outra se isso é tão importante assim. Quer uma namorada com peitos maiores? Que procure, eu não vou viver em um relacionamento onde não me aceitam como sou. E o principal, que me tratem como eu trato, porque jamais disse a nenhum homem para aumentar o pênis e olha que eu tinha motivos para dizer isso, mas sempre respeitei e nunca tratei ninguém como pedaço de carne.
Por cultura, conveniência e estrutura social, os homens não vão mudar, somos nós que temos que colocar a linha do limite.

Não podemos mais aceitar o controle masculino em nossas vidas e corpos, não adianta fazer textão nas redes e depois correr para colocar silicone porque Romeu pediu.

Se a mulher quer mudar sua aparência, colocar silicone, emagrecer, cortar o cabelo, o que for, tem que tirar os óculos cor de rosa e parar para pensar, abrir todas as janelas, jogar todas as possibilidades na mesa e se perguntar de maneira sincera ''é minha vontade ou a discreta pressão do Romeu?''.
Caso a resposta seja a ''discreta pressão do Romeu'' é fim de linha, melhor mudar de amor.

Amor bom é aquele que nos aceita como somos e não quer mudar nada, isso é amor, o resto é um Romeu criado em uma sociedade doente pensando que mulheres são suas bonecas de papel. Tá na hora de colocar fogo nessa ideia. 



Iara De Dupont




quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Quando te vi


Quando te vi não poderia imaginar quem você era, e quem seria na minha vida.
[Não sabia sequer se você seria parte da minha vida]

Te ver, te rever, te conhecer.
Indagar sobre suas preferências, suas crenças e suas opiniões.
Sentir o toque, o cheiro, o arrepio, o gosto.
Descobrir seus medos, seus sonhos, suas angústias e inspirações.


Segredos, confidências e coisas que nunca foram verbalizadas, mas acabam sendo compartilhadas ao cair da noite, ao luar contemplado da varanda ou sob os lençóis.

Nunca te conhecerei completamente.
Nunca conhecerei a mim mesma completamente.
Estamos sempre nos descobrindo, acrescentando de um lado, aparando do outro, reinventando a nós mesmos e as nossas relações. 

Essa é a graça.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Favor confirmar presença

 Ninguém precisa ficar até o final da festa.
 Ás vezes a gente nem queria ter vindo.
 Eu não conheço quase ninguém aqui.
 Ninguém aqui tem nada a ver comigo.
 Talvez esse meu desânimo esteja atrapalhando.

  Quando eu for embora,
  vou sair de fininho, ninguém vai notar.
  "À francesa", sem me despedir, sem chamar atenção.
  Quando repararem (se é que repararem) eu já sai.

  Meu objetivo nem é voltar pra casa; é só, pura e simplesmente, sair daqui.
  Ficar seria sempre a pior opção, e qualquer tempo que eu fiquei foi tempo demais.

  Pode ser que alguns se chateiem.
  Mas essa frustração é passageira.
  Pensa no tempo que tentei ficar.
  Pensa no tempo que fiquei.
  Nunca foi por mim, que esse tempo baste para que se sinta bem.

  Às vezes a gente só não se encaixa.

  Não aguento mais , preciso tomar coragem e ir embora.
  Pensei tempo demais nisso, não é mais questão de ir ou não, é só de quando.

  Tem gente que se mata.
  Não apóio, não incentivo, mas eu entendo.
  Eu admiro, entendo e respeito.
  Tento não julgar.

  Tenho dó só de quem ficou.
  Assim como todo mundo.
  E pavor, de ser quem fica.
  Quero todos comigo até a última canção.

  Mas mesmo assim a festa uma hora termina, não é?!
  Que triste se forçar a sofrer só pra me fazer companhia.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Dislexia criativa

Dos quadros que não terminei
Das palavras que soltei
Do quanto esperei
De quando deixei
De quando cantei
De quando simplesmente dancei
De tanto sentir
Do que se é
Do que compreende
Do que ninguém entende
Do choro
Das dúvidas
Do cansaço
Do riso fácil
Da necessidade de transbordar
De querer tentar
Do que traz a calma
Do que faz silenciar
Das dicotomias
Da vontade de voar
Do que traz vida
Do que faz criar
De simplesmente respirar
Da necessidade de mudar tudo de lugar


terça-feira, 1 de agosto de 2017

Motivação

Há momentos em que fazer arte parece doloroso. Sentimos como se toda a energia que temos estivesse sendo usada para sobreviver, trabalhar para pagar as contas e manter a cabeça funcionando. E nesse esquema de manutenção apenas do que se pensa ser o suficiente, perdemos o impulso de criar. 

Muita gente melhor do que eu já falou sobre motivação. Amanda Palmer e aquele cara de cabelo esquisito que casou com ela dão ótimas dicas relevantes em "A Arte de Pedir" e "Faça Boa Arte". O Henfil fala maravilhosamente bem a respeito de prazos e a necessidade de pressão nesse incrível texto http://intervox.nce.ufrj.br/~elizabet/henfil.htm em que fala da inspiração como um Dobermann correndo atrás dos calcanhares de quem quer produzir.

A verdade é que a vida cobra muito. "Escreva todo dia" se torna uma cobrança absurda. Perguntas de "Como vai o seu romance?" se tornam martírios, quando temos de responder que o abandonamos por falta de tempo. O sucesso alheio parece se tornar opressivo, e a inveja e outros sentimentos ruins crescem como mato em terreno malcuidado. 

Não estou aqui para dar a resposta quanto à motivação como funciona pata todas as pessoas, nem tenho a pretensão de entender como mentes tão diversas funcionam. Mas acho que se há uma dica que eu posso dar, é a mais boba possível: É necessário pular.

Não, pular não é nenhum termo mágico ou super-erudito. É um análogo a "meter as caras" ou o meu favorito" meter o louco". Na minha cabeça, o quanto você progride em algo muitas vezes depende mais da sua disposição de meter o louco do que da sua capacidade técnica, influência ou background. 

O marido da Amanda nos diz para cometer erros fantásticos, Ira Glass nos diz para produzirmos coisas ruins até conseguirmos chegar nas coisas que queremos (na sensacional teoria The Gap: https://vimeo.com/85040589), Amanda nos diz para aceitarmos ajuda, Henfil nos manda encararmos o cachorro preto. O que todas essas pessoas tem em comum, além de serem fantásticos criadores de conteúdo e super respeitados no meio cultural?
Eles conseguiram achar motivação para terminar as coisas deles e expor para o mundo.

Cada um de nós carrega os próprios fardos, as próprias mazelas e os próprios medos. Ninguém pode te dizer que suas dificuldades não são enormes ou que entende sua dor melhor do que você. Mas as pessoas só conseguem te julgar pelo que você produz e mostra a elas. E para isso, é necessário produzir e se motivar para tal. Nem que seja para cuspir de volta no mundo que te dificultou tanto e dizer "Tá aí, porra! Eu terminei".