sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Ela partiu

Gabriela se apaixonou pela primeira vez aos 16 anos. Sentiu tudo aquilo de que falam os filmes românticos: pontada na barriga, mãos tremendo, suor, coração palpitando. Não demorou muito até que começaram a namorar e tiveram o primeiro filho. Foram morar juntos. Depois vieram o segundo filho e a primeira grande decepção na vida: o marido tinha uma amante. Sem aceitar desculpas ou explicações, Gabriela pegou os dois filhos, partiu e nunca mais voltou.

A pensão do pai não era o suficiente para atender todas as necessidades dos filhos pequenos, mas ela enfrentaria isso com toda a força que Deus dá. Difícil era aguentar as cobranças dos irmãos de congregação: “essas crianças precisam de um pai, Gabriela. Você precisa dar um jeito nisso”. Ela ouvia isso quase todos os dias.

Certo dia apareceu um homem novo na igreja, vindo do Rio de Janeiro. O carioca parecia ser homem bom, trabalhador e estava mesmo interessado em Gabriela. Ele dizia não se importar que ela já tivesse filhos; assim, logo casaram e tiveram mais dois filhos.
I am mine

A caçula estava com 5 anos, seria esse o sinal? Certo dia, Deus revelou durante o culto: “cuidado, há uma serpente debaixo da sua cama”. Ela já sentia, estava acontecendo. Não queria acreditar, Deus não podia estar deixando isso acontecer de novo, o que diriam as pessoas? No começo, ainda resistiu um pouco. Não tomaria nenhuma medida a menos que tivesse a prova do crime. “Me mostre, Deus. Me mostre a verdade”.

Deus a ouviu. Durante uma conversa com o irmão Jorge, soube que sua prima trabalhava no mesmo local que o marido. “Qual o nome dela?”, quis saber. “Roberta”, respondeu inocentemente o outro. Quando ouviu o nome da mulher, sentiu uma pontada instantânea na barriga. Era ela. Mas queria mais do que saber, queria ver com os próprios olhos. Aguardaria o momento certo.

Quando julgou ter chegado o dia, pediu para o irmão Jorge ligar para casa da prima para saber se ela estava em casa. Frente a resposta positiva, deixou as crianças com a vizinha e partiu em busca da verdade. Tocou a campainha. A mulher atendeu. Com a ira contida, Gabriela se apresentou como sendo esposa de Ricardo. Sem espaço para reação da outra, Gabriela a abraçou e lhe disse ao pé do ouvido: “Jesus te ama. Posso entrar e tomar uma água?”.

Tempestivamente, Gabriela adentrou na residência. O marido estava sentado no sofá. Gabriela o olhou com desprezo e sem lhe dirigir a palavra, lançou orações ao ar. Estava persuadida de que o mal estava presente naquele ambiente e precisava mostrar toda a força divina a que servia. Cansada, sentou-se, bebeu um copo de água e disse para o marido “vamos embora”.

A sós, ele tentou convencê-la de que seria bom pra todo mundo se as coisas ficassem iguais, ser divorciada de novo não seria bom pra Gabriela, o que os outros diriam, e ele não abriria mão da nova paixão, disse tudo isso sem ser interrompido. Gabriela o ouviu calmamente. Sem o olhar, disse que ele tinha um mês para sair de casa. “Acabou”, disse sem emoção. E quem vai contrariar uma mulher quando esta toma uma decisão?

Gabriela se viu sozinha com os quatro filhos. Os mais velhos estavam enlouquecendo-a. Não aguentava mais carregar tudo aquilo. Sabia que a decisão mais acertada seria mandá-los a responsabilidade dos pais. “Filhos são uma benção, você é a mãe”, os irmãos da igreja diziam; “e eles os pais”, Gabriela retrucava, “não estou jogando meus filhos na rua, eles estão indo morar com os pais”.

A vida continuou dura para Gabriela. Mas quando foi fácil? Agora era ela e a caçula apenas. O relacionamento com os filhos mais velhos melhorou muito desde que não moram mais juntos e assim, ela segue seu caminho, apesar de todos os dedos, apesar de...

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