Naquela grande cidade resolveram colocar um homem nu no museu. Não contentes ainda colocaram uma menina para tocá-lo. Era óbvio que não daria certo. Logo foi formada uma comissão para solucionar o impasse. Foram rápidos e objetivos. O primeiro passo foi esvaziar todo o espaço. Era necessário começar do zero.
“La Bête”. La bêti? La béte? Precisa fazer biquinho para falar? Já começaram errado pelo nome. Não é de hoje que o francês é uma língua conhecida por ser meio fresca. A ideia não era ruim, só foi mal executada e a comissão para assuntos polêmicos contornou tudo rapidamente. Chamaram a Elisabeth. Pronto, a exibição estava rebatizada. “A Bete”.
A modelo chegou envolta em um roupão felpudo com um coelhinho bordado, do qual se livrou jogando os ombros para trás. Deitou, nua, no salão do museu e logo uma criança, um menininho de quatro anos, se aproximou engatinhando e tocou o corpo da mulher. Ao lado o pai abria um grande sorriso aprovando a atitude do filho. "É assim que se faz!". Tudo estava em seu lugar histórico. A nudez voltou a ser um produto a ser consumido e o silêncio voltou a reinar.
O sucesso da performance foi notado pela rápida repercussão. Em pouco tempo o museu registrava as maiores filas de sua história. Pais que nunca imaginaram entrar em um museu vinham de longe, trazendo os filhos. Logo visitas guiadas passaram a ser organizadas, com instrutores explicando tudo para os grupinhos de meninos atenciosos.
Estão vendo essa parte? É carne de primeira. O resto não importa tanto. Antigamente era coberta de pelos, agora não. Só se a mulher for relaxada. Conseguimos convencer que nelas o pelo é falta de higiene - em nós não.
Logo Bete dormiu. Não estava com sono, estava cansada. Um cansaço acumulado por séculos. Cansada das mãos que tocavam seu corpo a toda hora, em todos os lugares. Cansada dos beijinhos estalados e assovios. Cansada do gostosa, linda, tesão. Cansada das jorradas de porra no ônibus lotado. Cansada. E cansada, adormeceu.
Dormindo, Bete sequer viu o pré-candidato à presidência, que na tentativa de passar de segundo para primeiro nas intenções de voto, fez questão de marcar sua presença, com um sorrisão na cara e dizendo que isso é arte de verdade.
Bete gostaria de ver o prefeito da cidade, mas ele não foi. Postou um vídeo dizendo que respeitava, apoiava o sucesso, mas era um homem de pudor. Só iria se a modelo estivesse trabalhando. Tra-ba-lhan-do. Nada de passar o dia deitada.
A comissão responsável pela reformulação da performance pregava um Brasil livre e logo reivindicaram mais liberdade. MAM não era um bom nome para o museu. Decidiram mudar para MVA. “Museu Vanguarda do Atraso”.
Os membros da comissão ganharam notoriedade, popularidade, cargos, votos. O problema estava resolvido. Bastava manter a tradição. Como todo produto a ser consumido, a nudez também tinha modo de usar. O que seria daquela sociedade sem a regulação pelo consumo.
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