quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Calma, é o Papai Noel!

Salvador havia começado a ficar inquieto com uma semana de antecedência. Detestava essa época do ano desde que se entendia por gente e nesse ano decidira partir para o tudo ou nada. Chega de passividade, compreensão e tolerância.

Cheirou um pouco do que chamava de pó mágico da coragem e, com uma habilidade felina, entrou na casa pela porta dos fundos. Era o tipo de casa em que ele nunca poderia entrar pela porta da frente.

Caminhou tão silencioso quanto a noite, guiado de forma intermitente pelas luzes do pisca-pisca. Chegou à sala, que aos seus olhos parecia uma casa inteira, e estava agachado diante da estante, prestes a vasculhar uma gaveta, quando ouviu um tilintar do lado de fora.

Congelou. Não era possível. Tomou todos os cuidados, viu a família inteira saindo, carregavam intermináveis sacolas cheias de embrulhos. Não poderiam ter voltado tão rápido.

Ao ouvir um barulho mais forte, seguido da luz branca que se acendeu do outro lado da sala, Salvador não hesitou. Buscou a arma na cintura e levantou girando o corpo, com o braço direito esticado para frente. Não voltaria para a cadeia. Tudo bem se fosse para o cemitério, mas para a cadeia, nunca mais.

Um pouco ofuscado pela luz forte, mirou na figura branca de roupas vermelhas e ouviu uma voz tremula.

- Calma! Sou eu. O Papai Noel.

O Papai Noel. A única pessoa a quem Salvador chamou de papai em toda sua vida. Aquele em quem depositou esperanças por tanto tempo. A fonte de angústias, decepções e culpas intermináveis.

A aflição da época de criança começava no fim de novembro. Precisava ser um bom menino para ganhar presente. Mas como, se tudo o que fazia era considerado má-criação?

O mês de calvário desembocava, inevitavelmente, na mais profunda culpa. O presente não veio, o que significava que não conseguira ser um bom menino. Salvador assumia a culpa, tolerava a falta do brinquedo que havia pedido ao Papai Noel, mas nunca compreendeu porque a família toda tinha que ficar sem a ceia graças a ele não ter sido um bom menino.

A promessa de Ano-Novo era sempre a mesma. Seria um bom menino. Não deixaria a família ficar sem a ceia de Natal de novo. Não adiantava. Simplesmente não conseguia. No primeiro ano não estudou direito, no seguinte arrumou brigas, depois abandonou a escola, começou a usar drogas, começou a roubar. Era impossível ser um bom menino o ano inteiro.

Quem diria! O Papai Noel. Um encontro quando já havia perdido a esperança. Aguardou a vida inteira por esse momento. Ele que nasceu no dia 25 de dezembro, e por isso ganhou o nome de Salvador, carregou o peso de ter estragado todos os natais da família por não ser um bom menino.

Salvador esperou trinta e três anos até ter a chance de cumprir o desígnio de seu nome. Manteve o braço direito esticado e disparou três vezes à queima-roupa. Sentiu na mesma hora o peso de uma vida retirado dos ombros.

Andou calmamente até a porta da frente. Antes de sair olhou no chão o corpo do velho, cuja barba branca já estava tão vermelha quanto à roupa.

- Feliz Natal, Papai Noel.

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