Poucas coisas deixavam Edivaldo mais
irritado do que dizer que o ano só começa depois do carnaval. E o que ele fazia
desde o começo do ano, era o que?
Sua vida era entre Corinthians e
Palmeiras. Da estação Itaquera para a Barra Funda e vice-versa, inúmeras vezes.
Aprendeu e desenvolveu técnicas que compartilhava com os companheiros de
trabalho.
“Olha a bala docinha, que de amarga já
basta a vida! Minha nossa, uma atriz de cinema resolveu pegar o metrô hoje; vai
uma bala, princesa? Pessoal, eu estou desempregado, preciso sustentar meus
filhos, pagar o aluguel, estou aqui vendendo bala com toda dignidade.” Às vezes
cansava e apenas distribuía os pacotinhos de bala pelos colos fatigados e
voltava recolhendo.
Todos os dias aparecia algum inocente
querendo ajudar. “Tem que ir na linha amarela, lá o pessoal é cheio da grana!”.
Isso. Cheio da grana e cheio de urubu, doidos para confiscar a mercadoria.
Isso era outra coisa que deixava
Edivaldo puto. Se conformava com os olhares de censura, desprezo, até nojo que
algumas pessoas lançavam, mas precisava denunciar seu trabalho para os urubus?
Vira e mexe tinha que fugir para não perder a mercadoria, que dava um lucro tão
pequeno.
Um fim de semana antes do carnaval
resolveu que nem ia trabalhar. Não valia a pena. Melhor pegar o metrô só para
comprar mais balas do fornecedor e sair para vender só durante a semana, que
era mais lucrativo.
Ficou surpreso. Quanto mais se
aproximava do centro, mais o metrô enchia. Festa estranha, gente esquisita,
gliter, tiara de unicórnio, homens com roupa de mulher e uma gritaria danada
nas estações. Bando de hipócritas que não têm o que fazer, pensou. Se ele
gritava para vender as balas todo mundo denunciava, agora ficavam lá gritando
por nada.
Na volta foi ainda pior. Com a mochila
pesada, carregada com mercadoria para vender durante a semana, tinha que
driblar toda a playboyzada festejando sabe-se lá o quê. Achou que tivesse
tirado a sorte grande ao entrar no vagão e ver um banco vazio. A viagem era
longa e a carga que carregava era bem pesada.
Doce ilusão. O banco não estava vazio,
mas ocupado por uma poça de vômito. Contra isso não havia denúncia. Não era
crime emporcalhar o metrô, o que não podia era trabalhar dentro do vagão.
De repente Edivaldo teve a grande ideia,
que brotou daquela poça de vômito amarelado, com grumos vermelhos, de uma
daquelas pessoas descentes que denunciavam seu trabalho. Aproveitou a mochila
lotada, pegou um pacote e começou.
“Olha a bala docinha pra tirar o gosto
ruim da boca! Aqui tem glicose para evitar a ressaca! Olha a bala pra dar um
beijo docinho na gata!”
Edivaldo nunca vendeu tanto em tão pouco
tempo. Nem os urubus, preocupados com as brigas dos bêbados, incomodaram. Exagero
dizer que o ano só começa depois do carnaval, mas no fim até que deu uma boa
ajuda.
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