Ao chegar na reunião de condomínio eu me sentia como o seu Madruga entrando na casa da dona Florinda. Apesar de morar no mesmo local, sofria preconceito de classe. Vai entender!
Eu só precisava de autorização para uma pequena reforma, por isso não poderia evitar a reunião. Havia também o problema dos ratos no subsolo. Começou com um pequeno camundongo aqui, outro ali, e agora já tinha morador deixando o carro na rua para não ter que enfrentar os ratos do estacionamento subsolo.
Fui recepcionado por uma discussão acalorada. Discussão é modo de dizer, na verdade as acusações eram feitas à esmo, sem nenhuma coerência. “A culpa é do 502, que deixa lixo espalhado!”, “Esses bichos só podem ter vindo do 308, aqueles imundos!”, “Antigamente é que era bom, não tinha esse tipo de coisa!”, “Rato bom é rato morto”.
“Gente”, tentei intervir, “eu preciso fazer uma reforminha no banheiro, coisa rápida, o pedreiro falou que em dois dias…”
“Então ele é o responsável pelos ratos!”, alguém gritou no fundo da sala. “Certeza que estão vindo do esgoto dele!”, e eu nem tive tempo de argumentar o óbvio, o esgoto do meu apartamento era parte do total do prédio. O que será que aquele pessoal tinha bebido, minha nossa?
Pensei que gostaria de ser um pequeno camundongo, para fugir depressa daquela insanidade, ziguezagueando pelos condôminos raivosos. Quando achei que as acusações de ser o responsável pelos ratos eram o fundo do poço, alguém sugeriu que demolissem meu banheiro.
Como assim? Eu só queria uma pequena reforma e algum lunático vem falar em demolir o banheiro? Só podia ser piada. Segurei o riso para explicar que meu apartamento ficava bem no meio do prédio, aquela ideia insana era simplesmente impossível.
Finalmente o síndico colocou ordem na reunião. Aquele senhor que exercia a função de síndico há quase trinta anos e não tinha no currículo mais do que redigir atas das reuniões impôs silêncio e quando todos estavam atentos, extravasou sua raiva em um grito: “VAMOS DERRUBAR O PRÉDIO!”
Meu horror não teve tempo de se expressar, a massa de condôminos explodiu em gritos de apoio, com todos concordando que a medida amarga era necessária para acabar definitivamente com os ratos.
Juro que tentei intervir. Propus uma dezena de formas mais inteligentes de eliminar os roedores. Fui taxado de ditador por contrariar a vontade da maioria e de corrupto por supostamente ser o responsável pelos ratos. Neste ponto o que menos me interessava era a curiosa relação da falsa responsabilidade com a corrupção.
É isso. Minha história termina aqui. O que se seguiu a tudo isso já não pertence a mim. Ainda lembro de observar a implosão bem de perto. Eu havia buscado refúgio no apartamento de um amigo, no prédio ao lado. Da janela vi o enorme prédio ruindo em segundos, sob aplausos dos moradores, que vibravam orgulhosos da escolha que fizeram.
Mal a poeira baixou e pude ver uma horda de camundongos emergindo dos escombros e se espalhando pelo quarteirão.
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