Naquele dia de tarde escaldante de setembro, Narciso faltou no trabalho. Sua primeira falta em muitos anos trabalhando no mesmo local. A dedicação de marcar os compromissos fora do horário de trabalho, no máximo durante o horário de almoço, era mais por medo que por dedicação. O pânico de perder o emprego fazia dele um funcionário exemplar.
Narciso simplesmente não saiu da cama. Não ligou nem deu nenhum tipo de satisfação. Só não foi trabalhar. Desligou o celular por receio de que ninguém sequer ligasse para saber o que havia acontecido e se concentrou, involuntariamente, na dor de cabeça. Sentia como se uma agulha bem fina atravessasse seu olho e fosse futricar o cérebro.
E passou a manhã assim, divagando em pensamentos alternados com cochilos, que por sua vez eram interrompidos pela dor de cabeça. Despertava e dava de cara com a pálida luz amarelada da lâmpada incandescente. A imagem perfeita do setembro amarelo.
Já era de tarde. Com calor, molhado de suor e com a cabeça ainda doendo Narciso encheu o copo e ficou pensando na hipocrisia do tal setembro amarelo. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda.
O primeiro gole foi pensando na consulta particular da terapia, que o plano de saúde não cobre integralmente. Poderia pagar do próprio bolso se desse calote no aluguel. Quem sabe se parasse de comprar comida.
O segundo gole foi pensando no posto de saúde, onde a consulta com a psicóloga tinha fila de espera de cinco meses, para falar por vinte minutos com a doutora que atendia em série os pacientes desconhecidos.
Na metade do terceiro gole lembrou do CVV e quase engasgou com a gargalhada. Já sabia de cor o roteiro que os atendentes seguiam com a melhor das intenções.
Deu o quarto e último gole, dedicado a todos os que não podiam ajudar porque estavam ocupados demais, replicando posts sobre a importância de procurar ajuda.
Narciso nem lavou o copo. Deixou sobre a pia e voltou a deitar. Era só esperar fazer efeito. Havia seguido todas as recomendações à risca. Procurou ajuda. Procurou, procurou e procurou. Essa era a recomendação.
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