domingo, 20 de outubro de 2019

Virando uma Venezuela

O Brasil não pode virar uma Venezuela. Essa premissa é repetida exaustivamente por setores conservadores da sociedade brasileira e virou a principal, quando não a única, promessa de campanha de alguns candidatos, na eleição de 2018.

Para evitar tamanha calamidade caberia a pergunta: como a Venezuela virou uma Venezuela?

É necessário voltarmos para a década de 1970. Enquanto vivíamos os anos de chumbo da ditadura militar, que torturou e assassinou opositores ao governo sob o argumento de evitar torturas e assassinatos por parte do governo – na época a premissa era que o Brasil não poderia virar uma Cuba –, a Venezuela já havia reestabelecido a democracia e a população venezuelana elegeu Carlos Andrés Pérez.

O governo de Pérez manteve o viés de esquerda que prometeu durante a campanha e governou de 1974 a 1979, nacionalizando indústrias de petróleo, apoiando a soberania de países latino-americanos e se mantendo próximo de outros governos de esquerda. Apesar de popular, o governo foi constantemente acusado de corrupção.

A constituição da época não permitia a reeleição e a popularidade do presidente não foi transferida ao candidato à sucessão de seu partido, a Acción Democrática, que acabou derrotado.  Pérez só pode concorrer novamente, com nova conquista eleitoral, em 1989.

Depois de uma década longe do poder a situação política e econômica havia mudado. Logo nos primeiros dias de governo o presidente quebrou as promessas de campanha, dando uma surpreendente guinada à direita, aprovando um plano de austeridade fiscal e várias medidas neoliberais.

A insatisfação com o governo gerou o movimento conhecido como Caracazo, que teve como estopim o aumento do preço do transporte coletivo. Sob influência do que havia ocorrido com um tal Fernando Collor, a Venezuela forjou um processo de impeachment sem a menor base jurídica, afastando o presidente em 1993.

A presidência foi assumida de forma interina por Octavio Lepage, que ocupou o cargo por apenas 15 dias. O congresso designou Ramón José Velásquez como presidente, que ficou no cargo por pouco mais de 6 meses, até a eleição seguinte.

O presidente eleito foi Rafael Caldera, que com minoria no congresso não conseguiu aprovar planos econômicos e teve que lidar com pautas bombas da oposição, que apostava no 'quanto pior melhor', para tomar o poder nas eleições seguintes.

Disposto a suceder Caldera, havia um militar que um ano antes da eleição tinha 4% de apoio. Com um partido recém-criado e apoio súbito da população, o Tenente-coronel Hugo Chávez chegou ao poder em 1999, encerrando quatro décadas de alternância de apenas três partidos políticos no comando do país.

A eleição do militar foi legítima, reconhecida por órgãos internacionais e com o apoio de líderes de países vizinhos. No Brasil Chávez recebeu o apoio explícito do então deputado Jair Bolsonaro.

Uma diferença sensível entre o primeiro ano de governo de ambos é que enquanto o Capitão Bolsonaro vê sua popularidade derreter até mesmo dentro do próprio partido rachado, o Tenente-coronel venezuelano usou a popularidade inicial para manter a base eleitoral, governando para a população.

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