O Brasil não
pode virar uma Venezuela. Essa premissa é repetida exaustivamente por setores
conservadores da sociedade brasileira e virou a principal, quando não a única,
promessa de campanha de alguns candidatos, na eleição de 2018.
Para evitar
tamanha calamidade caberia a pergunta: como a Venezuela virou uma Venezuela?
É necessário
voltarmos para a década de 1970. Enquanto vivíamos os anos de chumbo da
ditadura militar, que torturou e assassinou opositores ao governo sob o
argumento de evitar torturas e assassinatos por parte do governo – na época a
premissa era que o Brasil não poderia virar uma Cuba –, a Venezuela já havia
reestabelecido a democracia e a população venezuelana elegeu Carlos Andrés
Pérez.
O governo de
Pérez manteve o viés de esquerda que prometeu durante a campanha e governou de 1974
a 1979, nacionalizando indústrias de petróleo, apoiando a soberania de países
latino-americanos e se mantendo próximo de outros governos de esquerda. Apesar
de popular, o governo foi constantemente acusado de corrupção.
A
constituição da época não permitia a reeleição e a popularidade do presidente
não foi transferida ao candidato à sucessão de seu partido, a Acción
Democrática, que acabou derrotado. Pérez
só pode concorrer novamente, com nova conquista eleitoral, em 1989.
Depois de uma
década longe do poder a situação política e econômica havia mudado. Logo nos
primeiros dias de governo o presidente quebrou as promessas de campanha, dando
uma surpreendente guinada à direita, aprovando um plano de austeridade fiscal e
várias medidas neoliberais.
A
insatisfação com o governo gerou o movimento conhecido como Caracazo, que teve
como estopim o aumento do preço do transporte coletivo. Sob influência do que
havia ocorrido com um tal Fernando Collor, a Venezuela forjou um processo de impeachment
sem a menor base jurídica, afastando o presidente em 1993.
A presidência
foi assumida de forma interina por Octavio Lepage, que ocupou o cargo por
apenas 15 dias. O congresso designou Ramón José Velásquez como presidente, que
ficou no cargo por pouco mais de 6 meses, até a eleição seguinte.
O presidente
eleito foi Rafael Caldera, que com minoria no congresso não conseguiu aprovar
planos econômicos e teve que lidar com pautas bombas da oposição, que apostava
no 'quanto pior melhor', para tomar o poder nas eleições seguintes.
Disposto a suceder
Caldera, havia um militar que um ano antes da eleição tinha 4% de apoio. Com um
partido recém-criado e apoio súbito da população, o Tenente-coronel Hugo Chávez
chegou ao poder em 1999, encerrando quatro décadas de alternância de apenas
três partidos políticos no comando do país.
A eleição do
militar foi legítima, reconhecida por órgãos internacionais e com o apoio de
líderes de países vizinhos. No Brasil Chávez recebeu o apoio explícito do então
deputado Jair Bolsonaro.
Uma diferença
sensível entre o primeiro ano de governo de ambos é que enquanto o Capitão
Bolsonaro vê sua popularidade derreter até mesmo dentro do próprio partido
rachado, o Tenente-coronel venezuelano usou a popularidade inicial para manter
a base eleitoral, governando para a população.
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