Existem outros modos de experimentar a vida. Outros inusitados modos
de se relacionar, de construir e, assim, modificar nossas próprias concepções,
colocando em discussão tudo aquilo que superficialmente constitui-se concreto e
imutável.
Existem diferentes modos de olhar e perceber o outro, de dizer “estou
no grupo das pessoas que te incentivam” com tal empatia como se fosse dito para
alguém que se conhece desde a infância, em sua totalidade, como se fosse
possível alcançar aquilo que há de mais profundo e oculto, quando na verdade, essas
duas pessoas nunca se cruzaram no mundo real, onde tudo toma forma e verdade.
E isso faz parte de uma realidade moderna, em que nos aproximamos sem
nunca estar e somos continuamente convidados a criar uma infinidade de conexões
que tomam espaço de tal forma, que chegam a absorver nossas vidas em alguns
momentos, tudo em um minúsculo espaço da tela, em que a discussão e o
aprendizado são construídos e consentidos, ainda que na forma de uma conversa
fluida que a gente espera que não acabe depois do “até amanhã”.
Mas qual o preço que se paga por abrir possibilidades e se aventurar
nesses espaços? Talvez, o de romper as nossas próprias fronteiras ao agregar horizontes
inquietantes – e nunca desbravados - à nossa rotina, simplesmente por ouvir
deste outro que “o nosso lugar não basta”. E não bastam, mesmo no plural. Então,
se nossos lugares não nos bastam, o que realmente nos define? O que define os
limites dos papeis que assumimos ao longo da vida, o pertencer a tal ou qual
lugar, o nosso vestuário, nossos gostos pessoais? Tenho feito essa pergunta
desde, pelo menos, a minha adolescência e nunca é fácil responder. Nossos
padrões e valores são tão arraigados que se tornam quase que um mantra, os
quais não ousamos questionar, por medo, insegurança ou mesmo por considerar que
eles não precisam ser revistos.
Mas, voltando à pergunta: e quando o nosso lugar não basta mais?
Quando não basta - ainda que se queira, e se queira muito - ser homem, mulher, mãe, filho, marido,
estudante, médico, policial, e tantas outras personas que vamos adotando ao
longo da vida e que vão, pouco a pouco, limitando cada vez mais o nosso espaço,
para que possamos caber perfeitamente dentro daquilo que é esperado delas? Indo
mais além, o que sobra se não somos a imaculada imagem que elas pressupõem? Se
não sou a mãe amorosa, o estudante aplicado, o homem que não chora, a mulher
que não gosta de maquiagem, ou o marido não-monogâmico?
Eu acredito que fica o que somos essencialmente, aquilo que de mais
simples pode existir e que por isso mesmo é tão mais forte do que qualquer
outra coisa, porque sobrevive ao que é ditado, nem sequer pede definição,
porque é e vai sempre ser independentemente de qualquer outro papel que possamos
adotar amanhã ou depois. E é justamente isso que está cada vez mais escondido,
mas está lá.
Então, o que nos proíbe de reformular ou reinventar essas categorias,
explorando as inúmeras possibilidades que cada um desses papeis pode oferecer
sem que isso cause estranhamento, deboche ou mesmo desdém daqueles com os quais
partilhamos nosso dia a dia? Isso eu não saberia responder de maneira simples e
nem teria espaço aqui pra tal, mas é uma questão importante e que abre caminho
para novos escritos. Entretanto, cabe citar que somos impedidos simbolicamente
de seguir adiante porque não vemos respeitado o direito de desnudar a nossa
real essência, seja ela qual for. O fato é que as possibilidades existem e as
novas experiências e pessoas que chegam com elas, provam que é possível
repensar os nossos limites quando entendemos que o nosso lugar não nos basta
mais, só precisamos estar atentos e abertos pra isso.
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