quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A vingança da natureza

Este é o ano em que as outras espécies finalmente se cansaram do protagonismo dos humanos. Um simples vírus resolveu deixar claro que não podemos mostrar quem é que manda, pois a vida no planeta é baseada em equilíbrio, não em ordens.


Nem todas as pessoas ficam indignadas com essa revolta da natureza. Claro que ninguém está feliz com o vírus, mas bastou uma naja morder um traficante de animais em Brasília para ser exaltada e conseguir uma popularidade rara, para inveja de muitos políticos.


Outro exemplo da harmonia entre humanos e animais foi visto quando a ema do planalto, carinhosamente apelidada de Adélia, teve mais atitude do que a oposição e reagiu com sensatez, bicando o presidente, por duas vezes, para colocar as coisas em seu devido lugar.


Mas a teimosia dos humanos e a recusa de enxergar a realidade é notória. A Amazônia devastada e o Pantanal em chamas mostram que muitos insistem na hegemonia humana, como se vivêssemos apesar da natureza e não graças à natureza.


Eu, longe da naja, da ema, da floresta e me esforçando para me manter longe do vírus, vi da janela do quarto os funcionários da prefeitura derrubando a árvore da calçada do vizinho. A sibipiruna de uns 20 metros precisou de dois dias para ser removida, para a alegria do morador, que estava “cansado da sujeira”.


Nesses tempos em que somos bombardeados por novas indignações a cada dia, às vezes a cada hora, não dá para ficar pensando na árvore, ainda que todos os dias me depare com o buraco vazio, que era preenchido pela enorme copa, parada obrigatória das maritacas.


Em uma sexta-feira com cara de sábado, ou domingo, ou feriado - essa quarentena deixa tudo meio confuso - ligo o computador pensando em uma lista enorme de tarefas do trabalho. Não me dei conta da luz vermelha piscando no modem.


A frustração de não ter internet nunca vem sozinha, ela é acompanhada do desespero de ter que ligar na operadora, digitar incontáveis números até chegar na atendente, que vai agendar a visita do técnico, que nunca sabemos se realmente virá.


Assim que o técnico olhou o modem disse “tem muita maritaca por aqui?”. Bastou ligar um aparelho para a luz vermelha piscar na beira do telhado. O ponto exato onde a maritaca destruiu a fibra óptica.


Não adiantou ficar do lado da naja e defender a ema incondicionalmente, também fui vítima dos black blocs da natureza. Pelo jeito a ordem foi de um levante geral, sem distinções.


Por outro lado, seria difícil um ataque ao antigo dono da árvore. O velhinho, que mal sai de casa, sequer tem um fio de internet para ser cortado. Se a ideia é uma harmonia com a natureza, ao menos tive uma folga forçada do trabalho e pude passar um dia longe do computador.

5 comentários:

  1. Seu texto me fez rir horrores! Gostei especialmente da Adélia, não a conhecia.

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  2. Hahahaha pagou "o pato" do velhinho para as maritacas!
    Mas sua análise está corretissima, estamos colhendo o que plantamos como humanidade. É isto pode ser interpretado literalmente, comemos veneno em nossos pratos todos os dias.
    Agora, falando sobre fios, no seu caso foi a maritaca, mas hoje fiquei o dia todo sem é régia elétrica porque uma pessoa roubou os fios de cobre da região. Que raiva!

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  3. Adélia eu vi nos memes por aí!!

    Meu avô ficou quase um mês sem telefone fixo pq roubaram os cabos! Como a rua é pequena e quase todo mundo tem fibra óptica, não tiveram muita pressa em arrumar.

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  4. gostei bastante do texto, alexandre! só com bom humor para lidar com nossa realidade mesmo... Já viu a série documental "connected" da Netflix? tem tudo a ver com a discussão que vc traz, em como tudo está conectado, dos saberes científicos ao ecossistema.

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  5. Não sou muito de série, mas vou dar uma olhada nessa pq o tema é interessante! =)

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