Dia 28 de janeiro desse ano, no longínquo tempo em que ainda podíamos sair para festas, bares e exposições, fui ao Instituto Tomie Ohtake, ver a exposição de Murakami.
Mas não confunda! Este Murakami não é Haruki, o escritor da
trilogia 1Q84 e das obras e “Caçando carneiros” e “Kafka à beira-mar”. E, até
onde sei, apesar do mesmo sobrenome, nem possui parentesco com ele.
Estou falando de Takashi Murakami, artista multifacetado, cujo trabalho abarca desde pinturas, esculturas robóticas hiperrealistas, produções audiovisuais, eventos performáticos, até relógios, camisetas e bonecos. Sua arte situa-se no Oriente e no Ocidente, no passado e no presente, na alta arte e na baixa cultura, e já foi exposto em galerias e museus de todo o mundo.
A exposição no Instituto Tomie Ohtake foi a primeira mostra individual do artista na América do Sul. Povoada por obras que
chamam a atenção e brilham aos olhos, contendo esculturas no mínimo curiosas e painéis lindíssimos que rememoram o Nihongá* incorporando
elementos do pop ocidental, oriental e técnicas de produção diversas.
Na fase mais recente das produções do artista, Murakami foca
suas criações em temas mais espirituais, a maioria deles ligado ao zen-budismo. Esta temática compreende o papel da arte e da religião na sociedade diante de desastres naturais, após o
terremoto e acidente nuclear que ocorreram em Fukushima, no ano de 2011.
Uma das pinturas dessa fase recente que me chamou a atenção por
sua “simplicidade”, em meio a obras tão coloridas e cheias de elementos e informações,
foi a Ensō: Zazen, 2015
Este círculo branco, no centro da tela negra é a representação de ensō, um conceito essencial para o budismo, que significa o esvaziamento do ego em busca da retirada das fronteiras entre o self, o outro e o universo.
Na pintura zen budista, o ensō simboliza um momento quando a
mente está livre para simplesmente deixar os sentidos criarem. A pincelada de
tinta do círculo geralmente é feita sobre seda ou papel de arroz em apenas um
movimento e não há possibilidade de modificação: mostra o estado expressivo do
artista naquele momento - quanto mais livre de pesos e equilibrado ele estiver, mais perfeito será o círculo.
Para Murakami, dedicar-se à criação desse círculo seria uma
espécie de despertar espiritual, uma reconexão com o universo. Nesta obra, ele
mistura o círculo milenar com o fundo da tela, composto por centenas de
caveiras, que também aparecem em outras telas de sua autoria.
Apesar de não conhecer muito sobre o zen budismo, achei bem
interessante a ideia de movimento relacionado ao equilíbrio da mente que o ensō sugere. Me lembrei do ato de andar de bicicleta: só consigo o equilíbrio enquanto
estou em movimento.
É preciso deixar fluir. Por mais que eu me planeje para atingir determinado objetivo, devo ter humildade para entender e estar aberta ao poder criacional que pode emergir durante essa busca (que pode inclusive me levar um lugar diferente do planejado). É através da fluidez que vamos descobrindo coisas novas, a liberdade da mente para criar é proporcionada por esse movimento.
Já tentou deixar a mente livre para a criação acontecer?
* estilo de pintura tradicional japonesa
Se quiser acompanhar o trabalho de Murakami, procure por @takashipom
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