Em “Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento (Aufklärung)?” de (5 de dezembro de 1783), o filósofo alemão Immanuel Kant aborda a relação entre razão e liberdade, entre várias outras questões, de acordo com quem o leia. Mas, não é objetivo, aqui, averiguar os desdobramentos filosóficos deste texto, que não são poucos, com destaque a um texto de Foucault em que ele comenta o desafio que o presente coloca à filosofia. Vou me deter na ideia e maioridade e menoridade que ele coloca no texto. Por isso, desculpem, uma pequena citação:
Esclarecimento <Aufklärung> é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio
entendimento, tal é o lema do esclarecimento <Aufklärung>.
Aqui, Kant identifica a maioridade como o uso livre da razão e mais, vê nesta autonomia, um ato de coragem; como é ousado pensar por contra própria e se libertar da tutoria de autoridades do pensamento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma boa parte de homens e mulheres continuam menores. Ah… “É tão cômodo ser menor”, ele vai dizer (sem esse suspiro). Kant aplica isso à trajetória histórica da humanidade, cuja saída da menoridade seria a época das luzes, escolarmente conhecido como iluminismo.
Podemos, de modo igualmente livre, pensar essa questão da maioridade com relação a nossas trajetórias individuais e, geralmente, trabalho isso com meus alunos de ensino médio nas aulas de filosofia, de modo muito frutífero, diga-se de passagem. Várias e provocativas questões surgem dessa definição, tais como: quando saímos da adolescência (menoridade)? Estamos saindo cada vez mais tarde da adolescência? É verdade que mulheres amadurecem antes que os homens? Ou ainda, características que apenas imputamos apenas a adolescentes como insegurança, inconsequência, carência afetiva ou ainda a perspectiva que o universo gira ao nosso redor, desaparecem automaticamente quando entramos na vida adulta, leia-se, “maioridade”?
Em um mundo em que vivemos a adolescência como um outro pecado original - do qual buscamos nos desvencilhar de modo ainda mais agudo do que aquele que o primeiro pecado, realmente, original (segundo o judaico-cristianismo, hein?) - a questão se mostra muito pertinente. Se tomamos a definição de Kant, isto é, a maioridade como a autonomia do uso da razão, algumas perguntas podem se mostrar inescapáveis, como: quando atingimos a maioridade? E suas variáveis: a covardia e o conforto que marcam a menoridade são características apenas da adolescência? O quão confortável estamos na nossa menoridade, que se mostra tão natural e desejável, ao aceitarmos as respostas do instagram/youtubers, livros de autoajuda, cursos aleatórios e frase motivacionais/coaching? Só os adolescente fazem isso?
Este não é um texto de filosofia, mesmo que pareça tão socrático com todas as suas perguntas. Tampouco, nele, leitoras e leitores encontrarão respostas para sequer, para uma delas. Como se diz hoje em dia, “postei e saí correndo”.
Contudo, vou deixar uma pista, que não surgiu dos textos filosóficos. Eu a encontrei em um livro de Mauro Benedetti, autor uruguaio, chamado “a trégua”, no qual seu protagonista afirma (com o perdão de outra citação):
Que eu me sinta, até hoje, ingênuo e imaturo (isto é, só com os defeitos da juventude e quase nenhuma de suas virtudes) não significa que tenha o direito de exibir essa ingenuidade e essa imaturidade.
Talvez a adolescência seja, como qualquer outro momento da vida, um momento de vícios e virtudes, o que coloca para nós, o desafio de amadurecer mantendo suas virtudes e deixando para trás, os seus defeitos. Mas, mesmo aí, todo o cuidado é pouco, pois, como diz Calvin, parceiro de Haroldo e personagem de quadrinho de Bill Waterson: a infância é muito curta, a maturidade é para sempre.
Sapere Aude!
Gostei das reflexões. Pensando na variedade de referências que você citou, acrescentaria a música "Vícios e virtudes" do Charlie Brown Jr, só pra zoar, e o filme "Projeto Flórida", que fala de infância, de perda da inocência e do amadurecimento tão temido por Calvin.
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