domingo, 20 de junho de 2021

Rindo - de nervoso

O roteiro que nos faz rir de desespero é tão insano que ao noticiar as dezenas de ofertas de vacinas da Pfizer ignoradas pelo governo, os jornais sequer lembram que no fim de dezembro o presidente afirmava que os laboratórios é que deveriam ter interesse em vender vacina para o Brasil. Ele sabia que as ofertas foram ignoradas. Os laboratórios tinham interesse, ofereceram as vacinas, se dispuseram a negociar. Qualquer governante aceitaria a proposta, aliviado. Ele não.


O comediante Paulo Gustavo dizia que rir é um ato de resistência. A frase ganha um significado especial, não só pelo ator estar entre o meio milhão de brasileiros vítimas da Covid, mas também pelo incômodo que o riso causa em governos autoritários. Cientes da própria fragilidade, os governantes autoritários não podem abrir brecha para o escracho.

Após tanta tragédia, política e sanitária, e a CPI da Covid, que trabalha para provar o óbvio, vem à tona outra afirmação sobre o riso. Na música “Amor pra recomeçar”, Frejat deseja “que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero”. Esse é a atual situação do brasileiro, rindo de tudo, pois não há como levar certas situações a sério, desesperado por ter caído nesse redemoinho de insanidades.

A citação de uma notícia falsa pelo senador Luís Carlos Heinze, na CPI, deu notoriedade a Mia Khalifa, ex-atriz de filmes eróticos, que hoje milita contra os abusos sofridos pelas atrizes na indústria pornográfica. Heinze não fez menção ao meme que passou a circular com a foto da ex-atriz apresentada como médica pró-cloroquina, mas a patacoada estava formada. Com base em vídeos do site Pornhub, há quem jure que a “doutora” é proctologista ao invés de infectologista.

Em outro esquete, produto da CPI mas mais insana que qualquer Monty Python, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), perguntou sobre a veracidade da vacina CoronaVac utilizar células "extraídas de fetos abortados". É a segunda utilidade para células de fetos abortados, pois o astrólogo Olavo de Carvalho já afirmou que a Pepsi utiliza a mesma matéria prima para adoçar seus refrigerantes. Nem a biomedicina mais avançada poderia imaginar a versatilidade do ingrediente.

Na mesma comédia de humor negro, muito mais criativa que qualquer Tim Burton, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, teve um áudio vazado, no qual afirmava que "tudo deles [Fiocruz] envolve LGBTI, eles têm um pênis na porta da Fiocruz, todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do 'Lula livre', 'Marielle vive'.” Seguem sem sucesso as buscas por este sex shop temático, especializado em fetiches da esquerda.

Em um dos depoimentos mais esperados da CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello se precaveu com um habeas corpus preventivo. Improvisando um nariz de palhaço com a máscara, Pazuello alegou sair do ministério após “missão cumprida”. É como um bordão dos programas de humor, após 10 meses à frente do ministério, cerca de 265 mil mortes, cloroquina, estímulo à aglomeração e pessoas agonizando em Manaus por falta de oxigênio, o bufão olha para a câmera e manda um bordão consagrado. Missão cumprida.

Como em toda comédia, além dos protagonistas temos vários coadjuvantes. Não chegam a brilhar tanto, insistem em piadas repetidas como a cloroquina, negam fatos óbvios para tentar arrancar risos pela surpresa, se contradizem para gerar o clima de loucura e dão as deixas para as piadas principais.

E assim seguimos rindo de desespero, sem saber como sair dessa insanidade toda, agarrados ao restinho de dignidade que talvez nos reste. A esperança não morre. Se por um lado ontem atingimos a marca de meio milhão de mortos, por outro também realizamos grandes protestos. Ainda é pouco, mas é um foco de resistência.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

flores azuis

São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2021.

- flores azuis - Cristina Santos - post 14 - Blog das 30 pessoas - 

título: flores azuis

Por chorar constantemente,
as flores que moram abaixo dos meus olhos
passaram a usar guarda-chuva
para não morrerem afogadas.
Tempestade.  


Oiê! Espero que, dentro do possível, vocês estejam bem 💙
Até o próximo post.
Beijos,
Cristina Santos


P.S.:

1=
escrevi o miniconto/poema: flores azuis, em março de 2017, e essa é a primeira vez que ele sai do caderno.

2=
VIVA A CIÊNCIA !!!
VIVA O SUS !!!
VIVA A VACINA !!!
FORA, BOLSONARO GENOCIDA !!!

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Assombro

O Quarto Azul - Pablo Picasso

    A fotografia mostrava um grupo de pessoas em frente a uma mercearia. Estavam sérios, firmes, semblantes fixados em uma determinada máscara que deve ter permanecido por algum tempo, uma vez que os processos fotográficos eram demorados no início do século XX. Suponho que quando o fotógrafo deu por encerrada a ação, a pose se desfez e os sorrisos retornaram a seus lugares, as brincadeira seguiram seus caminhos e os meninos fizeram graça com o cheiro que existia no ar enquanto se faziam estátuas. No entanto, não foram os corpos estancados na entrada do comércio, observando o fotógrafo – e, portanto, a mim – que me dispararam para além do registro, mas uma sombra, o vulto quase inexpressivo andando no lado de dentro do imóvel, a pessoa que por algum motivo não se colocou diante da máquina de parar o tempo. Uma forma que lembrava uma mulher de cabelos dançantes . Foi o corpo em movimento que me fez pensar: todos ali já estão mortos. Em seu livro “ A Câmara Clara”, Roland Barthes vai chamar esse detalhe disparador de punctum, essa quase-nada de acontecimento que faz abrir uma espécie de ferida na percepção (detalhe que depende de cada observador), nos alçando para o que a fotografia não mostra. Nunca mais encontrei essa fotografia, guardada apenas na minha lembrança de vê-la em uma exposição, o que a torna intáctil como o fantasma de um fantasma. Talvez tenha sido justamente isso que tenha me arremessado da mancha de uma pessoa animada para o pensamento sobre a finitude: eu estava vendo fantasmas.

    Ver fantasmas era um desejo quando criança. Nenhum desejo pela adrenalina que o medo pode dar, nunca fui fã de filmes de terror ou suspense. Uma curiosidade investigativa que sempre me acompanhou queria ter certeza das histórias que ouvia de amigos e familiares. Toda gente tem uma narrativa sobre visões do incógnito e eu duvidava. A chance veio quando morávamos na escola, meus pais zelando pelo prédio. Era moda naquele momento (e creio que nunca saiu) a tal Loira que habitava as paredes do banheiro feminino. Bastava alguns ritos – que variam em cada escola – para que a aparição surgisse e causasse arrepios de fazer virar a vítima dos avessos. Pior ainda se seu surgimento fosse percebido através do espelho: capaz do encarnado enlouquecer. Ousado – mas com uma dose razoável de temor –, planejei a experiência: na tarde de domingo adentraria o banheiro, faria todo o chamamento e encararia a Loira (penso quantas vezes tremi ao encarar uma menina naquela época), resolvendo duas curiosidades: ver assombração e descobrir o reservado onde só as meninas podiam entrar: seria diferente do nosso? Haveria que tipos de escritos nas paredes? Haveria paredes? E janelas? Sim, havia uma janela alta por onde entravam os últimos indícios do dia. Dei descarga três vezes, cinco voltas em torno de mim, risquei uma palavra no espelho, fechei o olho e fiquei próximo da porta. Desejava o encontro, contudo estava pronto para fugir quando acontecesse (e agora penso nas meninas que vinham falar comigo e minha voz fraquejava). Abri os olhos e para um misto de decepção e contentamento, não havia fantasma e minha desconfiança seguia intacta.

    De verdade, eu queria esse encontro com o além do plano mais imediato do cotidiano, que me acontecesse um único desses sustos nômades a adentrar os entardeceres da infância. E embora nada tenha acontecido, desconfio que da possibilidade de fazer brotar uma mulher vista através do espelho, com seu olhos de esfinge, nasceu esse compasso de espera atento ao espanto. Não qualquer espanto,  não esses sobressaltos noticiosos que desabam sobre nós todas as horas e que, assim como uma palavra repetida diversas vezes, deixam de fazer sentido, mas algo como o assombro de relembrar a finitude de tudo ou como uma súbita paixão por uma passante seguindo por trás dos que posam para retratos.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Visto de estudante no UK

Olá pessoal,

Como contei em um post anterior, em outubro desse ano vou começar o doutorado na Escócia. Antes de viajar, preciso então obter uma permissão para morar e estudar no UK, ou seja, o tal do visto. 

Até pouco tempo, o visto de estudante no UK era conhecido como Tier 4. Essa nomenclatura não é mais usada. Agora o visto de estudante é conhecido como Student VISA. O que é necessário para aplicar para solicitar um Student VISA? Bem, isso pode mudar com o tempo. Então, o ideal é sempre consultar o site oficial do governo britânico para obter informações detalhadas. 

Para te dar uma ideia geral de como se preparar para dar entrada no visto, deixo aqui um resumo das principais exigências, ilustrando com os meus exemplos pessoais.

- CAS (Confirmation of Acceptance for Studies): é um documento emitido pela instituição de ensino que vai te receber, somente depois que você foi aprovado no processo seletivo e aceitou a oferta de estudos. Em alguns casos (como o meu) não chega a ser um documento, apenas um código alfanumérico encontrado na "offer letter" ou na intranet da universidade.

- ATAS (somente em alguns casos): quem vai estudar assuntos "perigosos" (na minha interpretação), precisará de um ATAS cleareance. O que seria uma área de estudos perigosa? Alguns exemplos são tecnologias militares e armas de destruição em massa. A verdade, é que não é muito evidente quais áreas requerem ou não um ATAS. A dica é sempre consultar a sua "offer letter" para saber se será necessário. Por exemplo, no meu doutorado vou estudar Agricultura e Segurança Alimentar. Eu pessoalmente não vejo nada de perigoso nisso, e nunca imaginei que eu fosse precisar de uma ATAS. Mas a minha "offer letter" dizia que era necessário ter o ATAS. Então, eu precisei preencher um formulário longo contando toda a minha trajetória profissional e acadêmica e aguardar a análise, que pode demorar algumas semanas. 

- Prova de conhecimento de inglês: geralmente você comprova o conhecimento de inglês fazendo um teste de proficiência (ex. IELTS ou TOEFL). A nota exigida no teste vai depender do seu nível de estudos no UK (se é curso superior ou não). Quem já tem um diploma de um curso em inglês, pode usar o diploma como prova da proficiência. Exemplo: como fiz mestrado na Inglaterra com uma bolsa Chevening, usei o meu diploma do mestrado para comprovar o meu conhecimento de inglês quando solicitei o visto para o doutorado. Não precisei fazer o IELTS de novo (ufa!).

- Dinheiro: preparem o bolso, meus amigos! Aplicar para A inscrição para o visto custa 348 libras esterlinas por cabeça! Além desse custo, também será necessário pagar o Healthcare Surcharge (direito de usar o sistema de saúde britânico, na minha interpretação). O valor é 470 libras por ano (no meu caso, vezes 4 anos = 1880 libras). Esse valor precisa ser pago a vista antes de prosseguir com o visto. Os felizardos que ganharam uma bolsa Chevening não precisam se preocupar com esses dois gastos, pois eles são cobertos pela bolsa. Por fim, pode ser necessário comprovar que você tem dinheiro suficiente para se manter no UK (mostrar extrato bancário). O montante é de mais ou menos 500 libras por mês para cobrir ao menos 9 meses (= 4500 libras). O Brasil é um dos países para o quais esse documento não chega a ser uma exigência, mas pode ser solicitado pelo governo britânico durante a análise do visto. Quem tem uma bolsa de estudos com stipend (salário mensal) dificilmente precisará apresentar o extrato bancário. Eu, por exemplo, contei com a sorte e fiz a inscrição do visto sem enviar o extrato bancário. Ao invés disso, anexei a minha "award letter" (carta dizendo que eu teria um salário doutoranda). Foi o suficiente para o meu caso. 

Em resumo, eu diria que a inscrição para o visto em si não é complicada. Basta preencher os formulários com muita atenção. Entretanto, antes de chegar na fase de solicitar o visto, você precisará de semanas, talvez meses preparando os documentos necessários e organizando o seu orçamento.

Espero que esse resumão te ajude a planejar esses detalhes. Fico à disposição para trocar um ideia se você tiver dúvidas. Deixei seu comentário aqui ou me escreva no Twitter (@silvajacaqueline).


PS: repare que preferi não usar a expressão "aplicar para o visto", pois isso seria um falso cognato. Segundo minha amiga e professora de inglês. Fernanda Penna, falso cognato são palavras que PARECEM algo em português, mas significam algo diferente em inglês. Um pouco mais disso nesse post aqui.


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quarta-feira, 9 de junho de 2021

"O que eu desejo ainda não tem nome"

Sabe quando você sente o vento lhe tocando, como se lhe beijasse a face delicadamente? Sabe quando se está em um caminho tão prazeroso que lhe faz esquecer por um momento do destino, da direção?

A direção é o vento, para onde ele leva as folhas secas. É o sol, para onde ele irá se por. O destino é onde a estrada levar.

Não lhe vem aquele gostinho na boca? Você fecha os olhos para melhor se concentrar nas sensações, o vento continua brincando com sua pele, sua roupa e seus cabelos, e é possível sentir o calor delicado do sol em seu rosto.

O sabor na boca é de contemplação, você chega a salivar. E sente sede de viver. Uma vida vasta, plena e significativa.

Não há pressa, não há amarras, não há estradas interditadas ou congestionadas. As possibilidades são infinitas, e o que vier será para o bem.


obs: O título é uma citação de Clarice Lispector, em sua obra "Perto do coração selvagem".

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Vacarias


Frio em vacarias 
- 4 graus lá fora

Sorte dos animais com sua fome saciada 
Olho um relógio envolto pela neblina opaca
Números fora de foco, não vejo quase nada

Piloto em serra escura
No alto um alvo nos guia
Ateu em dias de reza
Esperando chegar o dia 

Madrugada em vigília
Golzinho rasgando a noite 
Um assalto no posto 
Cabeça quente congelada no poço

Caio pra dentro do mato solto
Assassinando outro engodo
Formas de animais sem corpo 
Cabeça de homem arma de fogo

No fundo uiva um cão se achando lobo 
Vacarias no entroncamento
Olha eu aqui de novo

Vindo do norte aflito afoito 
Trocando carne pelo couro 
Pirata a deriva cego de um olho
Manco morto sem tesouro.







quarta-feira, 2 de junho de 2021

Silêncio

No Brasil, mais de 462.000 famílias enlutadas.

Um minuto de silêncio, por amor, respeito e solidariedade.

Ideal mesmo seria mais de  462.000 minutos de silêncio.

Trezentos e vinte dias de silêncio.

 

Os números só servem para contar, eu sei.

para tentar impressionar quem ainda 

não se importa com cada uma das vítimas

desse inimigo, que mata mais do que guerras,

furacões, maremotos, terremotos 

e ataques terroristas.

 

Silêncio.

O soluço da dor ecoa pelo mundo.

Não há nada que possamos dizer.

A não ser calar.

A não ser abraçar.

Mesmo que virtualmente.

Na intenção de apenas ouvi-las chorar.

Na intenção de mostrar que não estão sozinhas.

 

Ruas deveriam estar vazias,

em nome dos cemitérios cheios.

Vidas repensadas rapidamente,

diante do egoísmo governante global.

Certezas desconstruídas,

diante da construção de discursos alienantes. 

No silêncio, além de choros, podemos ouvir

as vozes dos narcisos.


Quanto a mim?

Continuo escrevendo...

Mais do que nunca... em silêncio.

Tempo reservado para os jornais. 

Apenas alguns... escolhidos cuidadosamente.

Tempo reservado para quem amo

e para quem ainda vou amar. 

Renovar.

Afinal, as pessoas que mais amei já 

não estão mais aqui/agora comigo

neste ser/estar desconexo tempo/espaço.

Elas deixaram de ser/estar, antes da pandemia.

Fontes de inspiração.

Por elas, continuo escrevendo.

Por quem chora, continuo escrevendo.

Mais do que nunca 

em silêncio.

Apenas ouvindo e escrevendo.

Por Elisabeth Guimarães