Este texto tem uma primeira e uma segunda parada; você pode encontrá-la neste mesmo blog no dias 6/6 e 7. E, também, pode ficar à vontade para pegar o ônibus 4010-32 nesta parada.
Capítulo 1
Queria dormir e acordar bem, disposta, tomar café da manhã sem pressa, ter tempo para fazer um suco de laranja, ir à padaria e comprar pão, voltar e, então, ter uma refeição decente — cena de novela, de comercial da década de 90. Queria fazer a saudação ao sol, mesmo que o céu esteja cinza.
Odeio acordar já na hora de sair para trabalhar, levantar pensando em quanto preciso correr para não perder o ônibus, fazer tudo às pressas: banho rápido, amarrar o cabelo, comer qualquer coisa, não dá tempo de pôr a lente de contato, roupa sem combinar, é escovar os dentes e sair sem um batom sequer, com os brincos sacolejando na bolsa, para quando o tempo resolver respirar. Respirar. Corre! O ônibus virou na esquina, corre, o ponto está a quinhentos metros, corre, e tinha que ser uma subida.
Perde o ônibus, perde a correria toda, respira no ponto de ônibus em pé por mais trinta minutos, olha o celular, avisa a chefia, não avisa, reza para ela também se atrasar.
Começa a adiantar o trabalho pelo telefone, mas ainda não é a hora, ainda não devia começar. Começa a rever aquele início de dia: o que precisa mudar? Acordar mais cedo, como? Dormir mais cedo, acordar às seis, dormir às dez, não mexer no celular quando já estiver deitada, jantar coisas leves, parar de trabalhar através de telepatia — não é funcional. Ficar na meia-luz ou no breu perfeito.
Parar de sonhar!
E não estou falando de sonhos de planos e desejos; estou falando da cabeça que começa a interagir com as demandas do dia antes mesmo de abrir os olhos. Eu sonho com a discussão no trabalho sobre o cachorro novo que o estagiário trouxe e que mija na cadeira do chefe, que chora para a colega do RH. O estagiário é um rapaz que conheci no fim de semana, em uma balada; a colega do RH é minha psicóloga e o chefe, meu irmão mais novo. No meu trabalho, não há estagiário! Se alguém levasse um cachorro, eu só iria rir. Que discussão seria possível sobre um cachorro em um escritório no décimo quarto andar?
Já sonhei que estava em um filme também. Era atriz, mas as bombas que deveriam ser falsas eram verdadeiras. Eu e o elenco do filme, sobre a Segunda Guerra Mundial, que incluía minha irmã (essa sim atriz), uma amiga dos tempos de faculdade, dois ex-namorados (que eram a mesma pessoa, mas apareciam com rostos diferentes a cada hora), e duas colegas de trabalho, começamos a investigar quem trocou os artefatos.