Foi então que ele apareceu, vestindo apenas um lenço preto amarrado em sua cintura, semi-nu, semi-deus. Pediu pra sentar ao meu lado e deixei. O mar estava calmo, a areia, mesmo de madrugada, ainda estava quente. Sozinho com meu bloco de anotações, não me assustei ao avistá-lo. Poucas pessoas costumavam aparecer na praia aquela hora, mas sua presença me confortava.
Aconchegando sua cabeça sob minhas coxas, dormiu. Em seu sonho particular pronunciava algumas frases que não entendi, mas minutos depois as coisas passaram a ter sentido. Do que pude anotar, guardei naquele velho bloco de anotações. Transcrevo:
"Quando morri, chorei. Fiquei parado na cama e com a cabeça entre os joelhos vi minhas lágrimas transformando em rios aquele lençol vermelho até então intacto. Gota por gota, percebi ficar diminuído por cada lembrança daquilo que era meu, tão meu e agora não era nada além do vazio que eu só conhecia nos livros do poeta. Neste momento choro a morte daquele que nunca ouvira falar de mim, que nunca me vira, nem sequer soubera da minha pequena e deselegante existência."
Assim que pronunciou essas palavras - dormindo - deu um leve suspiro e se levantou. Eu não posso contar tudo o que presenciei deste momento em diante, mas foi uma experiência incrível. Antes de partir, deixou um bilhete. Dizia:
"Não escondo minha soberba ao afirmar a mim mesmo que sou superior a todos eles, a todos vocês, meros reprodutores de frases feitas, clichês pré-fabricados, manifestações de rebeldia sem causa e queixas, muitas queixas. Eu sou poeta e isso me basta. Não serei solidário à minha própria dor. E como ouso eu dizer que nunca ouvi falar de mim, que nunca me vi, nem sequer soube de minha pequena e deselegante existência? Eu me fui, logo me conhecia. Logo posso dizer que sabia de todas as minhas angústias e mentiras, de todas as minhas alegrias e paixões, de todo meu eu."
Isto nem me pareceu tão estranho, confesso. Guardei o bilhete e, de volta ao meu quarto, reli. Pensei muito sobre toda essa loucura que eu acabava de presenciar. Para minha surpresa ele voltou e quando vi já estava novamente em minha cama. Me beijou e, como se precisasse explicar algo mais finalizou:
"Minha poesia não foi efêmera como nenhuma poesia é, por isso precisei partir, para que ela continuasse a viver. Por isso parto para que meu nome seja eternizado nos livros de escola, para que eu seja lembrado por ter criado um movimento. Eu parto para começar a existir."
Foi neste momento que eu vi sua matéria se decompor. Ele desaparecia aos poucos e logo me vi abraçando o vazio. Seu corpo tinha sumido, mas ainda sentia algo de sua presença no meu quarto. Os detalhes só eu guardo na memória. E sonho para que um dia o poeta volte e me faça acordar.
Viajei...
ResponderExcluirComo num sonho...
Ainda não acordei...
Você escreve bonito demais.
Mas acho uma pena quase não escrever (mais). Tá pareci bem ocupado, mas poxa, apareci por aí, posta as coisas que você vê, lê, ouvi, partilha aqui (no seu blog)a cultura extrema.
Sabe o quê?
Quero "chupinhar" e dizer que são minhas descobertas! Mentira, credito a todas que encontro por aí.
Se me perguntam:
"ah, onde você leu, viu, achou...?"
respondo:
"ah lá no Lucas, no blog, no tuiti, no flick etc e tal."
e a pessoa fica com cara de hã????
:)))
Uno-me ao apelo da Ana! Escreva mais, Lucas!
ResponderExcluir