O verso é repetido 44 vezes
(DO OITO, Chaves)
A que senta mais próximo é a mais caricata. Chega todo dia
com a mesma sacola e o mesmo jeito de andar. Todos os dias volta do almoço com
religiosos 5 minutos de atraso, sem olhar para os lados e reclamando do
trânsito e do ônibus que a fizera atrasar. Quando prefere não comer fora, por
conta do suposto salitre que existem em todos os restaurantes da redondeza, leva
a sua marmita para comer, fria mesmo, “no grama”, maneira como chama os muitos
gramados que existem ao redor da repartição. Por volta das 4 da tarde abandona
o barco (“já trabalhei de mais por hoje... essa hora eu tenho muito sono”) e
bate um cochilo. Na mesa mesmo, sem medo de ser feliz. Quando desperta (nossas
enfadonhas conversas de escriturários fazem muito barulho), começa a ler as
últimas notícias, geralmente tragédias ou babados sobre a vida privada de pessoas
famosas (se for uma tragédia envolvendo a vida privada de uma pessoa famosa,
melhor ainda. É dia ganho!). Mas não basta ler meia dúzia de notícias - isso
qualquer um faz - ela tem que compartilhá-las conosco. Tem que nos manter
informados. E assim ficamos sabendo tudo, sem solicitar nada, de tudo o que ocorre no Big Brother e na novela das nove. Ficamos sabendo, tendo solicitado menos ainda, da vida privada de toda a repartição. Depois de tanto tempo já estamos adquirindo know how na arte da audição fingida. Tem gente que finge orgasmo, nós fingimos audição.
O que senta perto da porta faz o tipo trabalhador. Tem sempre uma ótima solução na ponta da língua e sempre inicia uma resposta com "é isso o que eu disse...". É partidário da tese de que o importante não é ser, mas parecer ser. Adora coquetéis, cargos com nomes pomposos, reuniões infrutíferas e pessoas influentes. Tem gente que finge orgasmo, ele finge que trabalha.
A que senta do outro lado da sala é do tipo que reproduz tudo o que lê no Facebook como se fosse criação dela mesmo. É a única representante da espécie humana que faz uso da palavra "auspicioso" (ainda que nem sempre a use corretamente). Tem o - irritante - costume de supervalorizar as sílabas tônicas de certas palavras, transformando um simples "obrigada" num lancinante "obriGÁda". Seu humor é sempre o de uma segunda-feira chuvosa. Tem gente que finge orgasmo, ela se finge de morta.
O que senta no meu lugar é do tipo que desabafa em blogs. Seu tino musical, suas maravilhosas imitações de Maria Bethânia, sua desenvoltura na arte da dança, atividades estas que pratica com maestria durante o expediente, causam imensa inveja de alguns que compartilham com ele algumas horas de labor, de modo que posts como estes também devem ser produzidos aos montes contra sua magnânima pessoa.Tem gente que finge orgasmo, eu finjo que não é comigo.
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Hoje é 22 de maio e eu volto de férias, mas honestamente...
O que senta à minha frente, um pouco para direita, nutre respeito por mim e não me cita em textos desse teor. Alguns fingem orgasmo, eu finjo que ele tem medo de mim.
ResponderExcluirO que senta exatamente atrás de mim vê tudo o que eu faço todos os dias. Já sabe as minhas páginas preferidas na internet, as minhas manias, acho que sabe até as minhas senhas. Ele não se referiu a mim e ao meu gênio difícil, mas poderia te-lo feito, revelando traços sinistros da minha pessoa. Que bom! A amizade continua.
ResponderExcluirBoa ideia! Até pensei em adaptar para o meu local de trabalho, mas o texto foi censurado antes mesmo de ser escrito ;)
ResponderExcluirApós ler este texto, pensei em dizer Felipe Lários - Chirrion
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=9nDgsV_yjuk
Alguns fingem orgasmo, eu finjo que leio.
Obrigado pelos comentários carinhos. Da próxima vez, vou tentar escrever um post menos maledicente ;)
ResponderExcluirAh, Não faça isso, Felipe! Adoro textos maledicentes, uma pena eu não ser mulher para escrevê-los!!
ResponderExcluirHahaha...
ResponderExcluirPode deixar, Camila! Todos terão vez, então!
E recomendo que também o faça! São libertadores!
Abç! ;)