Escrever um texto, mesmo que
superficial, sobre alguns dos temas em pauta nos discursos feministas, como a
culpabilização da vítima, não é exatamente uma tarefa
simples. Primeiro porque sinto que me falta embasamento suficiente (e, creio
que sempre irá faltar), então acredito que o texto ficaria incompleto. Segundo,
porque, de certa forma, enquanto branca, hétero e de classe média, pertenço a um
grupo primordialmente opressor, e não passarei pelas mesmas situações que uma
mulher negra ou alguém trans*. Racismo e transfobia são potencializados, quando
associados à misoginia, e a luta deles é ainda mais difícil que a minha.
Entretanto, ainda sou mulher,
ainda estou inserida numa sociedade que prima por um discurso machista e onde ter
comportamento feminino é algo ruim. E acredito que começar a falar sobre isto
abertamente é um primeiro passo.
Fomos criadas e condicionadas a
uma cultura de medo revestida de “boa educação”, uma lógica de negação das
coisas básicas, de "garotas não devem jogar futebol" a evitar usar uma roupa curta num dia quente, para não
sofrer assédio – e ainda assim, o pior acontece: mesmo quando você toma as.... “medidas
preventivas”... e sofre o assédio, há a acusação: sua roupa, seu comportamento,
sua vida sexual... justificando a violência, a responsabilidade recai sobre a
vítima, não no agressor. A brutalidade é minimizada a qualquer custo.
Creio que o pior disso é que, não basta você se sentir podre por ter passado por aquela situação, sofrer a tensão diariamente, ainda vem algum idiota e te culpa e, se você não tiver a cabeça no lugar, começa realmente a achar que o problema é com você. Isto é a chamada falácia do mundo justo, a crença de que sistema em que vivemos é justo e cada um tem exatamente o que merece. Como uma punição universal, só que adaptada para valores individuais.
Mas, acredite, o problema não é você.
The Victim, by KkFranca: http://kkfranca.deviantart.com/art/The-Victim-408071661 |
Este mês foi julgado o último
envolvido no caso de estupro coletivo das mulheres de Queimadas, crime ocorrido
em fevereiro de 2012, as famílias das vítimas ainda sofrem agressões por parte
da população – as garotas mereciam, ora porque eram prostitutas, ora porque se
faziam de difíceis.
Em outubro de 2013, em Goiânia,
Fran teve vídeos íntimos vazados na internet pelo ex-namorado, e foi
publicamente hostilizada por ter feito sexo e ter permitido que ele gravasse.
No mesmo ano, outras garotas que sofreram com situação semelhante, optaram pelo
suicídio.
Em março de 2013, Simone Lima,
uma professora, foi esfaqueada por um estudante, Thomas Hiroshi Haraguti, de 34
anos; ele foi condenado a 16 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado
– o advogado de defesa pretende recorrer da decisão, alegando Síndrome de Misoginia Involuntária.
Em fevereiro de 2011, na zona
rural de Pindorama, um fazendeiro foi pego em flagrante com duas adolescentes,
uma de treze e outra de quatorze anos, ao ser detido, alegou que havia pago
pelo sexo – foi detido, acusado de favorecimento à prostituição e estupro de
vulnerável, foi absolvido há dois meses atrás.
São alguns casos famosos, mas a
história se repete em vários lugares e de maneiras absurdas, às vezes entre
quatro paredes, às vezes a céu aberto. Existem mulheres que conseguem se erguer
e dizer basta, existem outras que ajudam e as que são ajudadas, e,
infelizmente, aquelas que são silenciadas.
A mulher que morre no aborto
clandestino (uma a cada dois dias), a que apanhou do namorado lutador (e o
título da matéria estampa que ele levou “arranhões em briga com a namorada”), a
garota que sofreu abuso por não ter usado o vagão rosa, a mulher trans* que foi
retirada do vagão rosa e foi destratada pelos seguranças do metrô, a mulher que
deixa de conseguir emprego porque está grávida... Infinitos casos escondidos e
nenhuma destas pessoas é menos importante, só porque teve menor visibilidade.
São vítimas de uma sociedade doente.
Já sofri abuso sexual.
Já fui assediada ao andar na rua.
Já mudei de roupa antes de sair
de casa.
Já me culparam por ter sido
assediada.
Fizeram brincadeiras sobre o
abuso.
Já desisti de sair, por não
querer correr o risco de passar por
alguma situação desconfortável.
Não garanto que tudo isto vá se
repetir amanhã, mas, certamente, vai se repetir. É um fato.
É justamente por isto que é
preciso falar. Cada vez mais. Cada vez mais alto.
Ser conivente não é uma opção.
Que porra é essa de "Síndrome de Misoginia Involuntária"?! Como assim o crime seria inimputável?! Estou putavelmente (em referência à "puta da vida") estupefata com o desenrolar desse caso! A falácia da igualdade de oportunidades é uma das mais perniciosas em que já caí na vida.
ResponderExcluir"Síndrome de Misoginia Involuntária" foi ótima... se a moda pega logo começa a aparecer "Síndrome de Homofobia Involuntária", "Síndrome de Racismo Involuntário", "Síndrome de Xenofobia Involuntária"...
ResponderExcluirNão devemos nos calar! Issae, Renata!
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