"O homem é por natureza um animal político"
(Aristoteles)
Aquela turma de alunos estava junta
desde o início dos estudos, ainda na pré-escola, quando amarrar o próprio tênis
é um desafio semelhante a uma equação de terceiro grau.
Entre uma brincadeira aqui e outra ali a
turminha começava a aprender o conteúdo escolar. Corria nos bastidores da
escola que o pequeno Hassan era o mais inteligente. Diziam na sala dos
professores que ele já sabia matemática. Matemática! O terror dos alunos mais
velhos era brincadeira para Hassan.
O pai, árabe, tinha um armazém onde o
menino passava as tardes. Desde que nascera estava habituado a receber
dinheiro, calcular o troco, pesar mercadorias, somar, subtrair, multiplicar,
dividir, etc. Um prodígio, dizia tia Vera, professora do pré. O problema todo
começava quando começavam as letras.
Avesso à escrita, o pequeno gênio
decidira não aprender português. Não importava os esforços de todos na escola,
a censura dos professores e os castigos dos pais. Irredutível, Hassan crescera
um exímio matemático, que mal conseguia encadear as letras para formar uma
palavra. O máximo que avançou nessa área foi identificar as letras que usava
nas equações.
Thierry,
seu amigo, também se destacava na sala por sua inteligência. Filho de pai poeta
e mãe redatora, enquanto as crianças folheavam os livros para admirar as
figuras, Thierry já lia as histórias para a sala, enquanto os olhos da
professora brilhavam com tamanho talento.
O
problema chegava com a matemática, e não era apenas um enunciado com incógnitas
a serem resolvidas. O garoto escrevia os números por extenso, citava cada um
nominalmente, mas se recusava terminantemente a aprender os cálculos mais
simples.
Ninguém
entendia como um menino tão inteligente e aplicado não conseguia aprender a
calcular. Logo o encanto com o prodígio das letras foi minguando até sumir
diante da inabilidade para calcular. Escrevendo cada vez melhor, chegou ao
ponto de produzir textos fantásticos, que ainda devem estar empilhados em
alguma gaveta.
Sem o
brilhantismo de um, tão pouco o talento de outro, Fernandes seguia o curso
entre os intermediários da sala. Como nunca fora um grande destaque em alguma
matéria, passava despercebido ao olhar da professora, que na hora de corrigir
as provas sempre custava a lembrar de quem era aquele aluno.
O tempo
passou, a turma se formou e logo Fernandes ganhou um cargo de destaque na
empresa de seu pai. Ninguém sabia ao certo o que ele fazia, mas pelo fato dele
sempre andar de terno por aí, o comentário era que tinha vencido na vida.
Nos
encontros de turma fazia questão de sempre deixar claro, com um copo de whisky em
riste e ar imponente: “eu detesto política”. Em meio aos sorrisos e apoio da
turma não havia espaço para a indignação com que encaravam Hassan
e Thierry, mesmo depois da
escola.
A turma
costumava se reunir a cada dois anos, tudo organizado por Fernandes. Depois da
famigerada afirmação sobre a aversão à política sobrava muito tempo para opinar
sobre as eleições.
Hassan mostrava gráficos e tabelas
desmentindo as informações de Fernandes, mas ninguém entendia muito de
matemática, além do mais ele mal sabia ler e escrever. Thierry, especialista em história, ainda que se
atrapalhasse com os números das datas, fazia longos discursos para mostrar as
incoerências do discurso de Fernandes, mas ninguém lhe dava ouvidos. A maioria
achava história uma matéria chata – e pouco importante.
Quanto
a Fernandes, não havia indignação por ele se recusar a aprender política, havia
até complacência. Seguia criticando alguns candidatos, apoiando outros e
cumprindo o papel de formador de opinião da turma. Ninguém lembrava muito bem
de como havia sido sua participação na escola, mas era incontestável que ele
tinha o melhor emprego entre todos da turma. Isso sem dúvida deveria ser graças
às boas escolhas que fez ao longo da vida.
Fernandes
segue irredutível em sua aversão. Não quer nem pensar em aprender um pouco
sobre política, mas está cada vez mais decidido a concorrer nas próximas
eleições. Não pela política, mas para livrar o país disso tudo que está aí.
Seus amigos de escola já garantiram o voto no mais bem sucedido da turma.
Isso me lembra alguma coisa... não me lembro o que, mas me lembro que não acabava bem!
ResponderExcluirSensacional! A Terra é habitada por zilhões de Fernandes, Thierry's e Hassan's!
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