Era um
final de tarde num dia de inverno de 1970. Entrou em casa com um entusiasmo
diferente:
- Mãe, mãe! – saiu andando
esquadrinhando cada cômodo em busca a mãe, obviamente.
A mãe
era artista, filósofa, dessas que tem alma de poeta. Sempre apoiou os sonhos
dos filhos e os ensinou a enxergar o mundo com mais sensibilidade.
- Oi, filho! O que
foi?
- Você tem que ir até o carro comigo, agora! – disse mexendo
no ar um pequeno embrulho brilhante que cabia em sua mão.
Comprou
o Fusca em 1968, quando fez seus 18 anos. Fruto de uma pequena herança deixada
pela vó, (já que era seu único neto na época em que havia falecido), e de todo
o suor que derramava na oficina do pai, desde muito cedo. O 68 branco, 1300 cilindradas,
tinha um diferencial: 12 volts no novo sistema elétrico da categoria. Era seu
orgulho, principalmente o toca fitas instalado por ele mesmo.
Entraram no carro, ainda cheirando a novo, de
tão bem cuidado. O filho, no banco do motorista e a mãe no de passageiros. Ele
desembrulhou o presente que havia embalado para si mesmo, com o sorriso de uma
criança na manhã de natal. A mãe lançou-lhe aquele olhar de aprovação.
-
Chegou hoje na cidade! Fui o primeiro a comprar! – disse, já abrindo a caixinha
da fita que tinha o rosto de quatro caras e dizia, em inglês, “Let it be”. Quase
como a menina no conto de Clarice, hesitou alguns segundos antes de empurrar a
fita. Viu o sorriso no rosto da mãe e colocou o volume no máximo.
De “Two
of us” a “Get Back” os dois ficaram ali, ouvindo, sem falar uma palavra um para
o outro, os trinta e cinco minutos e dezesseis segundos de música, com pausa somente
para trocar o lado da fita, enquanto o sol ia se pondo e as estrelas tomavam
seu lugar. Um vento frio soprava de leve.
Hoje,
com 66 anos, o ainda menino se lembra nostálgico dessa cena, com muito afeto e
carinho, sabendo que momentos como esse, por toda sua poesia, não voltarão. E
que poucos jovens poderão viver algo tão mágico.
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