Cresci com a promessa de que o
meu próprio esforço me levaria aonde eu quisesse. Bastava me dedicar, estudar e
então ascenderia de classe social. Certamente não parecia um caminho fácil, mas
a recompensa valeria a pena.
Anos mais tarde, aprendi que o
nome disso era meritocracia. E o mais importante: que a meritocracia era uma
falácia. Isso porque embora a nossa sociedade não seja dividida em estamentos
rígidos, é possível mudar de classe social, o gargalo é estreito, quase como
uma loteria.
A partir dos anos 2000, o acesso
ao ensino superior foi facilitado para as classes trabalhadoras. E ainda que
possa ser questionada a formação que certas faculdades oferecem, o que importa
é que uma massa de pessoas qualificadas foi acrescentada ao bolo. Mas já dizia Orwell:
“uns são mais iguais do que outros”.
Com o diploma em mãos descobrimos que não há
vagas para nós. E não apenas pelo momento atual de crise econômica e política,
quase 14% dos brasileiros estão desempregados em 2017, mas por um motivo mais
profundo: somos uma sociedade de classes. Nunca foi o plano abarcar todo mundo,
aquele papo de “tirar os meninos do tráfico através da educação” é apenas uma
conversa cínica de elite. Muitos meninos e meninas se esforçaram para passar no
vestibular, enfrentaram todos os obstáculos para concluir a graduação, aguentaram
firme ali, lado a lado com os filhos da elite, mas e depois? Não há vagas.
Não há vagas para você que não é fluente
pelo menos em inglês. Não há vagas para você que não é amigo ou parente de
ninguém de influência. Não há vagas para você que tem esse sobrenome genérico.
Não há vagas para você que durante a graduação não fez nenhum intercâmbio. Não
há vagas para você que não tem uma vasta experiência prévia, porque alguém conhecido direta ou indiretamente não te deu nenhum cargo e no seu currículo
só há experiência de estagiário. Não há vagas para você...
A mesma fonte mentirosa abastece
a meritocracia e a filosofia do pensamento positivo. As duas ideias ajudam a
manter a ordem injusta das coisas porque não refletem a relação que existe
entre indivíduo e sociedade. Por exemplo, sabemos que existe um número
determinado de cargos para engenheiros; quem serão os seus ocupantes? Basicamente engenheiros cujas famílias têm histórico na carreira, embora um ou outro estudante que "fez a si mesmo" também seja aceito na fraternidade. Isso significa que os demais estudantes de engenharia são absolutamente
incompetentes para exercer a profissão? Não. Do mesmo modo atua o tal “pensamento positivo”.
Negar os problemas não os faz desaparecer. Além do mais, é bastante cruel acusar
o indivíduo que está desempregado de não “pensar positivo” como se as vagas que
não existem para ele fossem magicamente aparecer ou desaparecer por sua própria
vontade.
Por fim, é verdade que não há
vagas. Mas também não significa que devemos apenas nos lamentar e continuar numa
posição de submissão. Enquanto indivíduos, estamos atuando na sociedade e
provocando micro alterações nela. Talvez o que nos falta é desistir de tentar
nos encaixar em regras que foram feitas para nos excluir e criar outro jogo,
com novas regras.
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