- Tudo bem?
Lembrou-se que esta noite dormira mal por causa dos pernilongos e também por causa do calor abafado que fazia na sala. Lembrou-se que dormira na sala porque sua presença no quarto, ao lado da mulher, já não era mais bem vinda, sobretudo depois do que acontecera ontem. Lembrou-se do café fraco que tomou no bar da esquina e da sensação estranha, misto de descrença e impotência, quando viu que o balconista levava o café para ser requentado no microondas. Lembrou-se do sabor de petróleo que tinham os cafés, sobretudo os fracos, quando requentados no microondas. Lembrou-se do Largo da Pólvora lotado e de como o cobrador não lhe respondera ao seu "bom dia". Lembrou-se da angústia que sentiu ao perceber que o ônibus chegava ao seu destino e de que tinha que trabalhar mais uma vez naquele escritório estéril e olhar mais uma vez para o bigode ensebado e tingido de seu chefe. Lembrou-se de que tivera que almoçar sozinho, porque não tinha estômago forte o bastante para olhar a nenhum de seus colegas enquanto comia. Lembrou-se do gosto de ranço da carne e na quantidade absurda de sal que por descuido caíra em sua salada. Lembrou-se que se importara com isso por causa de sua hipertensão galopante, que havia lhe obrigado a tomar aqueles remédios caros, depois dos últimos exames. Lembrou-se de que ainda era segunda-feira. Lembrou-se da necessidade que tinha de ir aquele bar, depois do expediente, e do enfado, provavelmente mal disfarçado, que sentiu ao encontrar aquela figura conhecida e que agora lhe perguntava se estava bem. Lembrou-se do inútil que seria ser sincero.
- Tudo. Tudo ótimo e você?
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