segunda-feira, 22 de julho de 2019

Saideira

E o bar será sua segunda casa, seu “Bar, doce lar” como seus amigos dirão – os que ainda restarem, se é que restará algum, já que o Divórcio não costuma tolerar concorrentes. E quando você estiver no bar, tarde da noite, só mais dois ou três velhos palitando dentes ou cantarolando boleros, quando as portas já estiverem baixadas e o dono bigodudo começar a te olhar de modo insinuante, como quem diz ou fode ou sai de cima, o Divórcio sentará ao seu lado e pedirá uma cerveja e encherá o seu copo e o dele. Gentil como ele só, encherá o seu primeiro. Entre uma bebericada e outra, Ele lhe dirá coisas, lhe aconselhará a ficar o máximo tempo possível naquele bar, porque absolutamente qualquer outro lugar do mundo (e o Divórcio até deixará escapar um pouco de saliva ao lhe lembrar disso) será melhor do que aquele seu quarto alugado, de paredes mal pintadas, mobiliado apenas com aquela sua patética cama-box de solteiro, do guarda-roupa meio mofado de duas portas e de uma reprodução já meio amarelada de um dos quadros mais amarelados de Van Gogh. E você virará aquele copo e o próximo e pedirá outra garrafa (porque o Divórcio lhe ensinará muitas e impensáveis coisas, entre elas beber, mas beber mesmo, quantas garrafas for preciso, e sem fazer aquela sua tradicional cara de bebê tomando remédio) e beberá até a companhia do Divórcio lhe parecer aceitável, tolerável, por que não dizer desejável? Mas você precisará tomar cuidado, bastante cuidado, porque depois da sétima ou oitava garrafa, é bem capaz de você não conseguir mais enxergar os contornos do Divórcio e achar que Ele nem existe mais. Depois da sétima ou oitava garrafa, será você quem vai cantarolar o bolero e pedirá uma garrafa para cada um dos velhos, beijará na boca o dono bigodudo do bar e chorará em seus ombros assim que ouvir as primeiras notas do tema de abertura do filme noir que nesse momento vai começar (na TV que nunca é desligada, logo acima da geladeira de refrigerantes), lhe lembrando que é noite, que você está num bar sujo e que ninguém, absolutamente ninguém, te espera em casa.

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