[na imagem acima, um africano judeu trajado de americano/inglês - símbolos das culturas degeneradas] |
"As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual." (Marx e Engels, A Ideologia Alemã)
Ao analisar a luta de classes como um fator preponderante na história da humanidade, e considerando que os valores de uma determinada parcela se sobrepõem a outros, é interessante questionar se os desdobramentos desse embate também se refletem no que se entende por arte atualmente, ou se eles se aplicam apenas em determinados setores da sociedade, se existem áreas estão livres de influências políticas/ideológicas.
Em outras palavras, é possível considerar a produção artística (principalmente as mais recentes) como um resultado da luta de classes? Ao abordar esta questão, é preciso considerar se há uma ideologia de classe para delimitar o que é arte, e consequentemente seus desdobramentos nas relações de produção. Porque o que a gente gosta é de xingar burguês safado.
Por motivos de tempo (tamanho de texto, preguiça e fome), vamos adotar o conceito de ideologia como uma teoria geral para a explicação da realidade e dos mecanismos da sociedade na qual o indivíduo está inserido (seus valores, sua cultura), e, portanto, sujeita a alterações ao longo dos períodos históricos.
No livro O Que É Ideologia, encontramos alguns trechos que reforçam esta ideia:
“Um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em tomar as ideias como independentes da realidade histórica e social, de modo a fazer com que tais idéias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias elaboradas.
(...)
(...)
Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições determinadas, os homens produzem ideias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas ideias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia.”
Basicamente, entendemos aqui que ideologia não é a relação atual do indivíduo com sua condição vida, mas a maneira que ele enxerga essas relações - e temos aí duas condições de existência, as reais e as imaginadas. Numa ideologia se expressam as relações imaginadas em seus princípios (conservador, conformista, reformista ou revolucionário). Existem concepções mais ou menos diferentes de ideologia ao longo do da história, dependendo da linha filosófica, mas esta é conveniente para o desenvolvimento da ideia que eu quero expressar aqui.
Considerando a ideologia enquanto algo imanente à natureza humana, em sua necessidade de explicar a realidade e suas relações, voltamos à pergunta, se é possível podermos considerar que há uma ideologia de classe.
A dominação do homem pelo homem é explicitada na divisão de classes em um sistema. Uma classe social é uma parcela de indivíduos com o nível cultural, social, econômico e políticos similares: sua ocupação no sistema de produção social e suas relações com os meios de produção na organização social do trabalho. A partir destas relações temos classes exploradas e classes exploradoras.
Partindo do princípio que a história é contada pelos vencedores, assume-se que os valores também o são. Logo, se existem ideologias dominantes e que são derivadas das classes dominantes, há a replicação destes princípios para as outras classes, que as absorvem.
Há sim uma série de valores estéticos aplicados à arte, e isto - querendo ou não, é uma ideologia. Uma cultura ou manifestação artística que é marginalizada é uma expressão que não reproduz os valores expressos nesta estética vigente - e, enquanto ideologia, é algo que tem seus valores alterados ao longo do tempo - por consequência, o que é rechaçado hoje pode não ser amanhã. Também é importante lembrar que a ideologização burguesa da arte vem na revolução industrial e não exatamente no início da formação da sociedade e esse é meu foco aqui. não vou me aprofundar em teoria nenhuma pelo amor de deus eu não sou especialista só quero reclamar um pouco me deixa (mas uma amiga me disse que Lukacs é mó legal, se quiser considerar esses paranauês)
Tendo isso definido, finalizo o texto com uma olhada por cima na questão do cerceamento à cultura, algo que tem sido bastante visto/discutido nos últimos tempos. Por que uma arte é considerada mais ou menos adequada? Qual o sentido dessa censura e marginalização do que é diferente?
Vemos muito deste discurso principalmente em classes que não são dominantes, mas se enxergam como tal, tendo absorvido e replicado entre si os valores que lhe foram repassados. A ideologia das classes exploradoras serve antes de tudo para a manutenção do status quo, pois justificam as relações nas quais as pessoas estão inseridas.
Se um determinado tipo de manifestação é excluído, considerado inferior à determinado estilo, é porque a ideologia expressa no primeiro vai encontro ao padrão estético vigente - um grupo marginalizado tende a fazer arte marginalizada, tanto por ser excluído das relações sociais, quanto devido ao fato de que o que é expressado no ideal dominante não contempla ou dialoga com sua realidade. Uma cultura não é menor ou menos importante só porque não se encaixa em padrões impostos, mas ela pode ou não ter uma influência e recepção maior, dependendo do meio onde está inserida.
E, se a ideologia dominante define o que deve ou não ser mostrado, a arte censurada vai contra estes valores, um contraponto à bolha do isolamento: ela é, sobretudo, resistência e questionamento, posturas extremamente necessárias nos dias de hoje.
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[Sobre a imagem no começo, segue esse texto da Wikipedia pra explicar o que era “arte degenerada”:
"Arte degenerada" (em alemão, entartete Kunst) foi o termo oficialmente divulgado para a arte moderna, difamada com justificativas de teoria racial durante o governo nazista na Alemanha. O termo “degeneração” (Entartung) foi emprestado da medicina para a arte no final do século XIX.
No Regime Nazista, foram consideradas "arte degenerada" todas as obras de arte e movimentos culturais que não estavam de acordo com a concepção de arte e o ideal de beleza dos nacional-socialistas, a chamada Deutsche Kunst (arte alemã). Estes movimentos incluem: Bauhaus, Dadaísmo, Cubismo, Expressionismo, Futurismo, Fauvismo, Impressionismo, Nova objetividade e Surrealismo. Além disso, todas as obras de artistas de origem judaica foram classificadas como degeneradas. ]
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Referências:
- A Ideologia Alemã, Marx e Engels - Editora Boitempo
- O Que É Ideologia, Marilena Chauí - Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense
- Art History and Class Struggle, Nicos Hadjinicolau - Pluto Press, 1979
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