segunda-feira, 27 de abril de 2020

Quarentena

Estou há quarenta dias literalmente sem praticamente sair de casa. Fui ao mercado por três ou quatro vezes e só. Todos os dias em casa. Todos os dias. Todos os dias. É muito estranho viver em 2020.

Por outro lado, passaram-se quase dois meses e não sinto tédio, a repetição dos dias. Ao contrário: acordo, faço refeições e já é hora de dormir de novo. É como se os dias tivessem duas horas apenas. É uma tensão constante tanto pelo avanço da pandemia, os negacionistas, o medo da morte, mas nada comparado ao efeito que a política nacional tem sob os meus pobres nervos.

Desde o resultado das eleições presidenciais de 2018, minha ansiedade se agravou muito. A junção do totalitarismo com fanatismo religioso equivale pra mim ao que os cristãos chamam de inferno. Fico esperando a notícia de que a constituição democrática será substituída por outra autoritária a qualquer momento. Conversando com uma amiga sobre isso, ela lembrou do filme “Mate-me, por favor”, pois ele aborda como a angústia da ameaça pode se tornar insuportável a ponto de a morte ser preferível a essa espera. Às vezes, a tortura está na imaginação do futuro terrível que pode, inclusive, não se materializar.

Numa das madrugadas em que a ansiedade não me deixava dormir, acabei caindo numa vídeo-aula de Tai Chi Chuan. Três horas da manhã e estava eu ali “braços flutuando para cima, braços flutuando para baixo”. Foi bom, consegui dormir. No dia seguinte, continuei a saga refletindo sobre o conceito de fluxo presente no Taoísmo. É uma ideia que encontra eco dentro de mim, porque no meu íntimo sei que a vida está em constante movimento e que não cabe a ninguém o controle dela. Mas minha paz é roubada pelo medo de algo pior do que o presente acontecer, o que me faz ansiar por receber de uma vez a sentença final.

Há uma entrevista com o ator Bruce Lee na qual ele dá o famoso conselho “seja como a água, meu amigo”. Acho que é um bom conselho. Faço muito esforço para segui-lo. E quem sabe até o final desse período de confinamento eu consiga me desenvolver mais. 


2 comentários:

  1. Adorei a entrevista do Bruce Lee e sua reflexão.
    Cada um está lidando da forma que pode com essa crise toda... enquanto você sente insônia, outra pessoa tem dificuldade de acordar no horário planejado.
    Não tinha pensado ainda no tai chi, mas é uma boa ideia :)

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  2. doloroso e real. é desafiador mesmo encontrar o que pode fazer cada dia o melhor possível.
    compartilho a ansiedade e os medos e as buscas.

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