quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ambiguidade

Era como se a voz fosse uma só.
Quando começavam a falar aquele som grunhido saia das duas bocas e ouvia-se apenas uma. As línguas cadenciavam, não é que se entrelaçavam, se uniam sem sobreposição.
Aquela unidade assustava.
Não foi à toa que começaram a pronunciar o que não queriam.
Discordavam não para dizer diferente, apenas para falar com cada voz sua.
E se fosse necessário gritar, gritavam! Cada eco vibraria uma última palavra diferente.
Assim, doía menos; a carne já havia desfiado. E o espanto do uníssono se diluía, escorregava goela abaixo por cada qual.
Pararam de se ouvir, assim tão pouco falavam. Era preferível a beleza do coro involuntário.
Quando não havia jeito, e sabiam que a voz era um mesmo caminho, falavam em perguntas que sempre eram respondidas positivamente.
Porque não havia questões. 

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