Era uma vez uma velha, que de velha ficou sozinha e de
sozinha ficou louca. Ela morava numa casa que, certamente, fora parecida com
uma num passado bem distante. Essa casa ficava perto de uma central de Call
Center e ao lado de um conjunto residencial de prédios médios.
A velha não saia de casa já fazia muito tempo. Uma meia
sobrinha visitava-a uma vez por semana para trazer suprimentos básicos e a
visita não se estendia por mais de meia hora (deve ser coisa de meio parente
com meia culpa). Nesses últimos tempos, a visita, que já era curta, passou a
ser só mais um serviço de delivery e, para velha, era como se nada
tivesse mudado.
Quem circulava por ali, moradores e trabalhadores, não viam
a velha, mas a ouviam, fosse da calçada, durante os 15 minutos de pausa, fosse
das sacadas, ao longo de mais um dia de trabalho remoto, fosse durante as
rápidas idas ao mercado. Isso porque, a velha louca travava longos diálogos, em
alto e bom som, com “quem” quer que fosse. Naquele dia de junho, seu “quem” era
um botão.
- Quem te viu quem te vê hein, seu atrevido! Era todo prosa
e agora tá aí, jogado no canto. Tá velho feito eu, hihihi.
- Te lembro naquele terno de linho branco! Ficava tão
charmoso, tão elegante... Agora não te cabe mais, redondo desse jeito, como a
calça vai entrar? Também, não pára de comer... Virou um come/ dorme.
- Que foi? Que tá me olhando com esse risinho sonso?
- Gorda, eu? Olha o respeito, seu velho bocudo! Pra seu
governo eu ainda tô muito bonita, mesmo mais cheinha... eu já sou velha, né?!
Que você queria, a Martha Rocha toda a vida?
- Eu era muito bonita, você lembra? Tinha aquele cabelo
enrolado, cheio... Tava sempre arrumada...
- Que foi? Que tá com esse zoinho apertado? Tá triste? Fica
triste não! A velha te cuida, viu? Você tá bonitão ainda, sempre foi, né? Quem
resiste esse zoinho...
- Escuta! É o sinal! A molecada já vai voltar pra fábrica...
Lembra da fábrica?
Era mesmo o sinal. Os atendentes precisavam voltar. Apagaram
seus cigarros, engoliram seus cafés e entraram. Mas a velha continuava a falar,
sem se importar com a audiência que, naquele instante, passava a ser menor. Ela
não se dava conta da plateia porque era muito velha e de tão velha acabou louca
e de tão louca acabou sozinha.
Ela não se dava conta da plateia porque já era muito sozinha
e de tão sozinha envelheceu e de tão velha enlouqueceu.
Ela não se dava conta da plateia porque já era muito louca e
de tão louca ficou só e por estar sozinha envelheceu, sem se dar conta.
Muito bom Aninha!!! Um dia viu escrever assim. Você tem um futuro brilhante!Bjs
ResponderExcluirMuito legal, Ana. Sempre um bom jogo de palavras.
ResponderExcluirQue belo e forte e triste. E que síntese na construção das imagens! Parabéns!!
ResponderExcluirDoçura em palavras duras.Que alerta! Parabéns Ana e muito obrigado! Por outros assim!!!
ResponderExcluirDemais!!!!!!! Parabéns Caru!!!!
ResponderExcluirAmei, Ana!!! Adorei o jogo de palavras também!!
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