quinta-feira, 20 de outubro de 2022

empreendeDOR

"Eu escrevo para um blog uma vez por mês." "Legal! E eles te pagam?" "Não, é de graça." "Mas você ganha alguma coisa?" "Não, é porque eu gosto mesmo." "Ah!"

Já tive esse diálogo algumas vezes, com pequenas variações. Hoje é um pouco mais compreensível. Com tantas opções de vídeo, dancinhas de Tik Tok, youtubers célebres e instagramers que cobram alto por posts, me sinto velho usando Twitter e escrevendo (escrevendo!) em blog.

O estranhamento diante da falta de lucro não se restringe à escrita. Em um curso recente de fotografia acompanhei a apresentação inicial dos participantes, dizendo o nome e o motivo de fazerem o curso. Sobraram empreendedores visando aprimorar o produto e reverter o resultado em um plus a mais para o engajamento desembocando em ganhar um trocado extra no fim do mês.

Eu decidi fazer o curso para aprender um pouco mais sobre fotografia. Porque eu gosto. "Mas você pensa em trabalhar com isso?" "Não." "Bom, quem sabe você não acaba encontrando um jeito de monetizar isso né?" "Eh... é..."

Lembrei desses exemplos durante um dos debates do primeiro turno, para governo de São Paulo. Ao ser questionado por Fernando Haddad sobre as propostas para a cultura, o candidato Vinicius Poit, do Partido Novo (novo!), usou todo o tempo de resposta e tréplica para discorrer sobre a importância da formação profissional, do curso técnico, do encaminhamento para uma profissão já na adolescência. Nem uma única menção às atividades culturais.

Claro que os boletos não esperam. Muitas vezes o que parece um pouco a mais pode fazer diferença nas contas. Mas com a multidão de ansiosos e deprimidos, o tal Burnout se popularizou e o stress já é de casa, virou estresse.

Não dá para combater o esgotamento físico e mental trabalhando. Parar um pouco e cultivar um hobby não é perda de tempo. Pelo contrário. Várias empresas que adotaram redução de jornada constataram aumento de produtividade, como aponta a economista Marilane Teixeira, da Unicamp, em entrevista ao PortalCUT.

Se a fonte pode parecer suspeita por se tratar de uma força sindical, cabe o exemplo da empresa Solpack Agronet, em Rio das Pedras. A notícia do portal G1, que não é grande simpatizante do comunismo, mostra que reduzir a jornada para seis horas aumentou a produtividade em 25%.

Mais eficiente que números, estudos, hipóteses e dados, cabe resgatar nossa capacidade de sonhar e viver experiências diversas. Diante de toda a diversidade de opções que temos na vida, vale a pena sonhar só em empreender e trabalhar?

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Como é ruim ser criança no Brasil

Fui uma criança que cresci em São Paulo.
E posso garantir uma coisa: sempre houve algo de instável no ar.
Sim, é uma tragédia que crianças cresçam em um país como o Brasil, instável, flutuante. Porque apesar dos esforços dos pais, elas respiram o ar que existe aqui, um ar de uma eterna tragédia se aproximando.

Não lembro quantos anos eu tinha. Meu pai ganhou uns broches que diziam ''Diretas já'', um movimento que crescia cada vez mais, o objetivo era a retomada de eleições diretas ao cargo de presidente.

Eu não tinha a menor ideia do que isso significava, mas adorei os broches, eram a bandeira do Brasil e nela estava escrito ''Diretas já''.
Coloquei na minha mochila e fui para a escola. Ao entrar, senti quando uma professora puxou minha mochila e arrancou meu broche, abrindo um buraco na minha mala. Muito brava ela disse ''aqui não''.

Eu não tinha nem dez anos! Chorei por horas pela minha mala rasgada. Sempre fui de cuidar as minhas coisas e ver minha mala rasgada quebrou meu coração. Era só um broche! Mas no Brasil política é um nervo exposto.

No dia da eleição para presidente, agora em 2022, observei algumas crianças. Pareciam famintas de informação, sem entender o ambiente ao redor delas, estavam inquietas e infelizes.
Sim, o Brasil é um péssimo país com as suas crianças, mas essas nuvens que nos cercam fazem mal a todos.

Lembro da minha infância com essa nuvem das ''Diretas já'', a morte do presidente eleito, Tancredo, o ar instável e sofrido.
Crianças percebem o que acontece, podem não ter condições de entender naquele momento, mas sentem o clima pesado.

De quem é a culpa? De todos. Péssimas escolhas nos levaram a um lugar ruim, quando tudo já estava péssimo.

Ao sair da votação vi um menino esperando o pai. O pai saiu e o garoto entregou um boné, com uma mensagem política. O pai escondeu o boné na calça e disse ao menino ''depois você coloca''.

Lembrei do meu broche. Aqui não, disse a professora. 
Já se passaram mais de trinta anos e não esqueci da minha mochila estragada e do meu broche que ela jogou no lixo.
O Brasil é antes de mais nada, um país de ignorantes e pessoas violentas, sem a menor noção do que é democracia.
Nada mudou. Tenho pena dessas crianças. Tenho pena de todos que estamos aqui, em um pântano político, sempre imprevisível, sempre volúvel, sempre Brasil.

Iara De Dupont