"Prefiram sempre a vida e afirmem incessantemente a sobrevivência..."
Jacques Derrida
no fim de ano, acho bonita a vontade de recomeço que toma conta das pessoas. porque, afinal, a simbologia está por toda parte em nossa vida. a diferença é que, nesta época do ano, estamos mais abertos. daí, vêm os desejos. e as tentativas de recomeço. e um não-querer fazer nada a não ser se entregar às miudezas. há um sem-fim de coisas que eu gostaria de fazer nos próximos dias. viagens, umas dez. mas como não deu, tenho mergulhado nos desejos possíveis. e estou entregue a eles.
nestes dias, se as escolhas fossem somente minhas, não sairia de casa. veria o mundo só pela janela. e deixaria o corpo pesar num filme depois do outro, num livro depois de outro. porque num livro depois de outro, num filme depois de outro, encontro muito facilmente o que sinto ser a felicidade. e não. não foi isso que fiz ao longo do ano. trabalhei muito. uma tarefa depois da outra e da outra e da outra, daí a vontade de adentrar num tempo mais lento, num ritmo mais subjetivo, como se nesse tempo, nesse ritmo, estivesse a pessoa que eu gosto ou gostaria de ser. sinto que minhas fatias estão espalhadas ao longo do dia, o que invariavelmente me faz pensar que tem horas que a vida é apenas triste mesmo. e ponto.
entretanto nada me parece mais acertado do que, estando na vida, ser pela vida que temos de batalhar. há muita densidade em algumas almas tristes (ainda que boa parte, parece-me, apenas chafurdem na lama de suas vidas medíocres), mas também acredito muito naquelas pessoas que tentam suplantar suas almas tristes por meio de um contínuo pensar sobre a própria vida, reinventando-a a cada vez que parece haver barreiras intransponíveis. quero crer que sou uma dessas gentes. atravessei longas distâncias e todas as vezes que, por causa delas ou por outras que surgem, pareço me distanciar do "contrato" que fiz comigo mesma há mais de dez anos - um contrato de alegria e cuidado -, retorno aos dias das enormes distâncias para descobrir que, ali, não é o lugar que quero ficar.
assim, ao contrário de Bartleby, que continuamente preferiu dizer não, até sucumbir encostado em seus muros intransponíveis, eu prefiro afirmar incessantemente a vida e a sobrevivência, e por causa da experiência de quase-morte pela qual já passei, desconfio que o farei sempre, até mesmo na hora da morte e no além-morte, se este houver, como fez Derrida, que escreveu seu próprio epitáfio, do qual transcrevi a epígrafe deste texto, reafirmando a vida. porque se não for para afirmar constantemente as inúmeras possibilidades da vida, de que adiantaria estar aqui? estar aqui é já um ser-aqui. bem-ser é, assim, uma magnífica oportunidade que nos damos de não sentarmos em cima de nossas risíveis "mini-certezas". preferir. e fazer disso não o lugar a ser alcançado. mas o caminho. a travessia. a deriva. derivar, para Derrida, é uma palavra imprecisa, mas que permite inúmeras possibilidades. é isto, não?
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* e depois de muita "guerra" com a que outrora foi a máquina de meus sonhos, o jeito foi desistir dela e trocá-la por outra, que ando experimentando por estes dias. tirei esta foto com o carro em movimento, mas achei bem bonita a imagem descentrada do caminho.