quinta-feira, 29 de março de 2018

Por que mataram Marielle Franco?

Por que ao ser nomeada relatora da comissão da intervenção militar no RJ  a vida de Marielle Franco estava em risco?

Por que Marielle Franco foi impedida de acompanhar a intervenção militar?

Por que a intervenção militar é para ser tratada apenas e somente pelo alto escalão do governo a portas fechadas?

Por que o atual governo interino e ilegítimo recriou o Ministério da Segurança?

Por que o estado do RJ foi escolhido (a história demonstra que sempre foi) para ser um experimento de militarização?

Por que mataram Marielle Franco?

Por que não era do agrado de outros que uma vereadora do PSOL ciente do processo de intervenção militar e segurança pública pelas UPPs acompanhasse a violação de direitos em curso?

Por que Marielle Franco reconhecia os direitos humanos dos policiais?

Por que Marielle Franco denunciava milícias e policiais?

Por que temos polícias militarizadas?

Por que as polícias são militarizadas?

Por que a polícia civil é militarizada?

Por que a polícia militar é militarizada?

Por que todas as polícias estão militarizadas?

Por que as polícias deste país não se desconectam do exército como em outros países?

Por que tivemos 21 anos de ditadura civil militar e não menos?

Por que foi uma ditadura civil e militar?

Por que todos os governos desde os considerados mais progressistas não conseguiram alterar o paradigma da segurança pública?

Por que os policiais que discutem a militarização há pelo menos ou mais ou menos uns 20 anos não tem visibilidade?

Por que os policiais que discutem  a legalização das drogas são repudiados?

Por que mataram Marielle Franco?

Por que temos em pleno período democrático em todas esferas bancadas da bala?

Por que policiais violentos, com número considerável de confrontos seguidos de morte recebem medalha de honra e mérito?

Por que a frase do Douglas "porque o senhor atirou em mim" não comoveu, moveu e articulou as polícias para discutir outras formas de abordagem?

Por que mesmo sendo o braço armado do estado é necessário discutir segurança pública?

Por que o carro de 5 jovens que estavam preparados para comemorar o primeiro salário de um deles foi alvejado por balas e assassinados pela segurança pública?

Por que policiais fazem bico em dias de folga?

Por que a segurança patrimonial privada é a que mais lucra e tem como membros policiais?

Por que o RJ recebeu os principais mega eventos e consequentemente muita  expertise tecnológica  para a segurança pública e ainda sim policiais não recebem o salário?

Por que a segurança pública e propagandas recebem altíssimos recursos financeiros do orçamento público?

Por que temos a taxa de homicídio semelhante a países que entraram ou estão em guerra?

Por que até hoje a população negra e pobre ainda é alvo?

Por que existe um genocídio da população negra, pobre e indígena?

Por que estão executando as lideranças (principalmente aqueles que defendem a questão da terra) de movimentos populares e sociais?

Por que mataram Marielle Franco?

Por que o delegado que investigava a morte de Teori foi assassinado?

Por que lideranças institucionais ou populares são assassinadas quando se colocam a disposição para tratar de assuntos sobre a segurança pública?

Por que os maiores protestos tomaram as ruas do país quando a segurança pública agrediu brutalmente os manifestantes?

Por que não é do interesse de grandes veículos de comunicação tratar de assuntos sobre a segurança pública?

Por que jornalistas que discutem a segurança pública são perseguidos e assassinados?

Por que temos a mesma arquitetura institucional desde a ditadura civil militar?

Por que o exército e segurança pública são contra a corrupção menos quando se trata deles?

Por que existe solidariedade corporativa entre polícias?

Por que existe solidariedade corporativista/institucional/política e judiciária no que diz respeito a violação de direitos humanos pela segurança pública?

Por que existiu o massacre do Carandiru?

Por que temos as polícias que mais mata?

Por que temos a polícias que mais encarceram?

Por que temos os políciais que mais morrem?

Por que temos as políciais que mais se acidentam em trabalho?

Por que policiais não tem plano de carreira pautado em estudos?

Por que os direitos trabalhistas de policiais são parcos/irrisórios?

Por que policiais não podem se manifestar ou discutir/fazer política progressistas sem sofrer assédios e boicotes?

Por que discursos de ódio, intolerância e repudio a direitos humanos ganham a simpatia das polícias?

Por que a população adora programas policiais e cenas de violência com sangue nas ações de polícias?

Por que as polícias em grande parte aceitam de bom grado que os direitos humanos seja escrachado como: direitos dos manos?

Por que a segurança pública (em quase todos estados) decide quem assumirá cargos públicos seja para prefeito e governador?

Por que temos expansão de colégios militares?

Por que o discurso sobre a segurança pública foi determinante para presidentes conseguirem o cargo?

Por que mataram o Amarildo?

Por que as polícias (civil e militar) mantem até hoje o hábito (treinamento da ditadura civil militar) de torturar "suspeitos" para obter informações?

Por que ainda existem desaparecimentos forçados pela segurança pública?

Por que mataram Marco Jonathan 17 anos ,  Sávio Oliveira 20 anos, Matheus Baraúna 16 anos e Patrick da silva todos sem passagem pela polícia e trabalhadores?

Por que autos de resistência sempre foram licença para execuções na segurança pública?

Por que arrastaram e mataram a Claúdia?

Por que a segurança pública atua de forma violenta com a juventude e da mesma forma que a ditadura civil militar?

Por que ainda hoje para a segurança pública negros e pobres são inimigos?

Por que a(s) polícia (s) atira primeiro e pergunta/aborda depois?

Por que a segurança pública glorifica governadores que dizem: "quem não reagiu está vivo"?

Por que para a polícia "bandido bom é bandido morto"?

Por que para a população e senso comum "bandido bom é bandido morto"?

Por que bombeiros que salvam vidas são militares e também reserva do exército?

Por que até hoje os crimes de maio são “incógnita” para o judiciário mesmo com lutas de movimento social e investigação/estudo  (Achaque) de outros países?

Por que a segurança pública escolheu até hoje manter estreitas relações comerciais com Israel, os maiores violadores de direitos humanos de palestinos?

Por que mataram a Marielle Franco vereadora pelo PSOL com tênue proximidade com o tema e segurança pública?

Por que o judiciário é conivente com tantas violações por parte da segurança pública?

Por que ainda temos uma justiça militar para julgar policiais que violam direitos ou assassinaram pessoas inocentes?

Por que somente uma parte da polícia sabe investigar?

Por que quando policiais atiram em “suspeitos” é justamente no crânio?

Por que ainda hoje temos grupos de extermínio como na ditadura civil militar?

Por que questionar a segurança pública é motivo para perseguição?

Por que as polícias ainda são reserva do exército?

Por que o exército ainda é ou faz trabalho de polícia?

Por que temos a polícia mais agressiva/violenta e sem desenvolvimento próprio de condução da “segurança”?

Por que o policiamento/abordagem em territórios classe média alta são totalmente opostos e dispares quando em territórios com pobreza?

Por que o racismo institucional é parte estrutural na segurança pública?

Por que o presidente interino mesmo com golpe e após recriar o Ministério da Segurança e fazer a intervenção no RJ considera pertinente se candidatar a presidente (ainda com popularidade ínfima) na eleição de outubro?

Por que nenhum presidente se arrisca a transformar/modificar a estrutura institucional da segurança pública inviolada e transferida de períodos políticos sórdidos para a suposta democracia que vivemos?

Por que tratar/discutir/questionar/intervir sobre a segurança pública é um risco ou quase que uma sentença de morte?

Por que mataram Marielle Franco?

terça-feira, 27 de março de 2018

Homem Vitruviano

Eles estavam há mais de duas horas ali. Na mesa, garrafas de litrão se acumulavam. Seu João se aproximou cuidadosamente, como se não quisesse incomodá-los:
-O bar está fechando... Vocês podem acertar a conta?
Saíram ainda inflamados pela discussão. Ele gesticulava muito. Ela sorria ironicamente.
-Vocês não entendem! Há algo muito maior do que todas essas questões de identitarismo. Vocês estão sendo usados para nos enfraquecer, nosso alvo maior é a economia, deve ser ela, estamos brigando por bobagens – ele dizia inconformado.
-Bobagens? Minha liberdade é inegociável, vou brigar por ela no primeiro plano, não vou deixar pra depois. Você diz isso porque é homem e branco. – Após uma pausa, ela disse calmamente: “Você não entende os próprios privilégios...”.
 -Sabe, é isso que ta insuportável! A gente não pode mais conversar sem vocês apontarem o dedo “porque eu como mulher”, “porque eu como negro”, “porque você como homem branco”... Cara, não dá, a gente não consegue mais conversar sobre política ou qualquer outra coisa sem ouvir isso. Qualquer opinião que eu dou, lá vem o dedo me apontando. O cara dá uma “escorregada” e pronto! Já é linchado, sem levarem em consideração todo o seu histórico e o que ele fez pela nossa causa. A mina é assassinada porque estava brigando com os grandes da corrupção policial e política e só falam que ela era negra, da periferia, lésbica, como se isso tivesse alguma coisa a ver... Eu te amo, mas odeio quando você fica com essa sua cara arrogante! Por que a esquerda...
-A esquerda?! Diga, meu bem, como nós acabamos com a esquerda unificada e forte, pronta para iniciar a revolução!
-Tá vendo! Como vamos construir algo assim?
-Exato! Como vamos construir algo assim? Sabe qual é a novidade? Vocês, homens brancos de classe média/elite, nunca se deram conta de que são a régua padrão para tudo simplesmente porque o seu corpo tem passe livre. Vocês nunca se deram conta de que os corpos são marcados socialmente, que quando alguém me vê, o meu corpo chega antes do meu argumento porque vocês nunca viveram isso até agora. Mas se aplica a vocês também. O lance é que vocês dispõem de uma falsa neutralidade, que é de dominância.
-Eu sei, mas acho que vocês exageram, porque tem gente que é muito radical e aonde vamos parar? Você não acha?
-Não.
-Você não acha radical?!
-Não. Acho que sem questionar as coisas na raiz, nunca conseguiremos avançar. Eu não quero lutar por uma sociedade justa ao lado de pessoas que não me enxergam e não me tratam como par. Que me interrompem quando estou desenvolvendo um argumento, que me tratam como se eu fosse uma criança, explicando coisas que obviamente sei, que me assediam de forma constante e inoportuna...
-Mas e a paquera?
-Não. Eu me recuso a falar disso de novo. Chega! Estou cansada. Meu ônibus está parado ali, eu vou indo.
Ele baixou a cabeça chateado.
-Você não vai me dar nenhum beijo? – Ele perguntou sem jeito, sem se sentir seguro o suficiente para tocá-la.
Ela o encarou e sorriu.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Aliás

A menina de 4 anos se envaidece toda quando se põe a falar as "palavras difíceis". É um mundo totalmente novo, um mundo que ela não domina, mas que lhe encanta, um mundo que ela quer se apropriar, quer fazer parte. Ela tem 4 anos, afinal, e falar coisas que qualquer criança de 2 ou 3 já consegue falar com propriedade já não lhe interessa mais. Então ela arrisca. Mesmo sem saber exatamente o que está falando, ela arrisca. Combina uma palavra à outra com o mesmo cuidado com que já combina suas peças de roupa. Uma palavra parece harmonizar com a outra, então ela junta as duas. Eu, com os meus 32, só consigo dizer que o critério é o som. Eu consigo perceber que as palavras se atraem pelo som. Ela com os seus 4, consegue perceber muito mais do que isso. Para ela palavra tem cor, palavra tem cheiro, palavra tem textura, palavra tem sabor. E é assim, com toda essa riqueza de sentidos que a menina de 4 anos vai se apropriando do mundo das "palavras difíceis". Combinando. Arriscando. E quase sempre produzindo construções certeiras."Esta banana não está nada sensata hoje, mamãe", a menina de 4 anos arrisca, jamais deixando transparecer qualquer insegurança quanto à correção de sua frase, para logo depois confirmar "Aliás, mamãe, o que quer dizer 'sensata?'". Sim, "aliás". Como qualquer terreno nunca antes visitado, o terreno das "palavras difíceis" precisa ser conquistado com muito tato, com idas e retrocessos, nem que para isso a menina de 4 anos tenha que se valer de outra palavra difícil, "aliás", para confirmar e se sentir segura de seus novos achados linguísticos, do novo pedacinho de mundo que agora passa a lhe pertencer.  "Acho que isso não é razoável, papai" diz a menina e emenda "Aliás, papai, o que quer dizer 'razoável'?". Diante da resposta (um pouco confusa, é verdade) do pai a menina complementa com a pergunta que só agora lhe ocorre: "Aliás, papai, o que quer dizer 'aliás'?".

quarta-feira, 21 de março de 2018

A SEGUNDA OPÇÃO

Dias atrás, na nonagésima edição do Oscar, uma frase de um ator me chamou bastante a atenção. Trata-se do que Willen Dafoe disse, quando perguntado sobre o seu "não protagonismo" nos filmes. 

Quem acompanha a carreira do ator norte-americano sabe que, a grande maioria dos papéis que lhe são oferecidos, são os de coadjuvante. 

Que legal quando ele falou que nunca esquentou a cabeça com isso, pois sempre preferiu se submeter às vontades de quem o dirigiu/dirige. 

Ele é feliz assim! 

Gosto dos filmes que não são clichês. Mas também dos que contém isso neles.  
Na vida, aprendemos, quase sempre, na maioria das vezes, que nem todos nascemos para ser protagonistas nas histórias daqueles(as) que admiramos. Nem todos somos os "saradões" por quem as meninas suspiram! Nem todas são as gatas que arrancam suspiros de nós, homens. 

Por quê trato disso hoje, aqui no meu blog, e no blog das 30 pessoas, no próximo dia 21? 

Porque quero deixar bem claro pra mim que não há problema nenhum em ser preterido pelas ocasiões. "Because of reasons"!  
Enquanto escrevo esse texto, sei que pode denotar ser o discurso de um perdedor, pois poucos são os que admitem que nem tudo precisa ser como a sociedade praticamente impõe. Sim. É verdade que, dependendo de suas escolhas, muitas consequências virão. Mas isso não foi, não é e nunca será o fim do mundo.  
Existe alguém que não o/a verá como segunda opção um dia. Se você ainda não encontrou esse alguém, tenha certeza de que um dia ele(a) virá. 
Todos nós, de uma maneira ou de outra, já fomos protagonistas na vida de alguém.  
Quer por erros nossos, quer por decisões que tomamos, ou continuamos a ser, ou deixamos o posto. Outro(a) ocupou nosso lugar.  
Olhar no espelho e repetir para você mesmo aquela máxima que diz "Não trate como prioridade quem te trata como opção" dói. Ninguém quer ser uma segunda opção na vida de alguém. Principalmente na vida daqueles que tanto amamos. Mas olhando por um lado realista, não agradamos a todos como gostaríamos. E não digo isso no sentido de fazermos para ter um retorno. Digo isso no sentido de completarmos a lacuna que falta na(o) amada(o). 
A bem da verdade, as pessoas nem esperam isso da gente. É a expectativa que criamos que nos força a vivermos assim. 
E é fato que não adianta alguém dizer isso pra gente. Não adianta alguém chegar e dizer "Pô, a pessoa te trata como estepe, e você ainda lambe?" 
Só o tempo vai ensinar que, para amar, primeiro é necessário se amar. Ninguém dá aquilo que não tem. E se não tomarmos cuidado, acabamos projetando no outro a felicidade que lá no fundo, nós é que gostaríamos de desfrutar. 
Se (e quando) você perceber que está sendo o nº 2 na vida de alguém, não se rebaixe. Dê o carinho que você acha necessário dar. Um dia, a ficha cai. A sua, no caso. E toda a energia que você gasta amando essa pessoa, será canalizada à alguém que te amará da mesma forma. 
Lembra: As pessoas só dão valor para aquilo que tinham, depois que perdem. 
Precisamos atentar aos que nos valorizam. Não só como segundo plano, mas também àqueles(as) que já nos olham com o olhar de admiração, e que tantas vezes não vemos, pelo motivo de estarmos cegos por quem nos pisa. 
Como diz a canção, "a vida é mesmo assim". Se você, como eu, nunca foi um Gianechini, ou você, garota, nunca foi uma Bruna Lombardi, não se preocupe! Todos temos nossos atrativos! Todos temos algo de bom que salta aos olhos de quem vê o invisível, que é o essencial. 
à quem acha que isso é discurso de um perdedor, espero que um dia enxergue também aquilo que os santos e os poetas talvez notem: a riqueza individual, única, e própria, que cada ser humano tem. Não espere perder para valorizar. Cultive, para que algo bonito ao seu lado não seque, e procure água em outro lugar. A sombra que lhe é proporcionada, e que agora você não nota, poderia, quem sabe, ser essencial em sua vida, em algum ponto de sua existência. Alguém é feliz pelo fato de você existir. Não mate essa felicidade. Ninguém merece que a admiração que tem seja pisoteada por quem não vê a grandeza desse sentimento.

terça-feira, 20 de março de 2018

Em luto, lutamos

Quando ela nasceu disseram que ela era bonitinha, apesar do cabelo. Ela não entendeu. Tinha o cabelo igual ao de quase todo mundo que morava por ali, por que o cabelo seria feio? Contrariando muitos conselhos, preferiu não alisar os cabelos. Deixou os cachos, tingiu, prendeu, armou. Não achava seus cabelos feios.

Quando ela fez 11 anos disseram que era melhor parar de estudar e começar a trabalhar. Ela também não entendeu. Conhecia um monte de gente que havia parado de estudar para trabalhar. Estavam todos trabalhando há anos. Trabalho pesado, todos os dias, o dia inteiro. Ela não parou de estudar. Arrumou um trabalho e batalhou para não largar os estudos.

Quando ela engravidou, aos 19 anos, disseram que precisava casar. Mãe solteira era mal falada, não conseguiria criar a filha. Era melhor cuidar do marido e deixar os sonhos de lado. Ela não deu ouvidos. Teve a filha e no mesmo ano começou a estudar para o vestibular.

Quando ela começou a namorar uma mulher disseram que ela era uma sem vergonha, vagabunda, puta, que daria mau exemplo para a filha pequena. Ela, que sempre aguentou as provocações sozinha, não se renderia agora que tinha uma companhia.

Quando ela passou no vestibular da universidade particular, disseram que ela deveria desistir. Isso era coisa de rico e ela não conseguiria pagar o curso até o fim, ainda mais ciências sociais, que ninguém sabia o que era e ninguém dava emprego. Pois ela arrumou uma bolsa de estudos, através do tal do Prouni.

Quando ela se formou acharam que finalmente havia terminado. Agora ela encontraria um emprego e seguiria o destino que haviam imposto desde que ela nasceu. Mas ela começou a fazer mestrado em uma Universidade Federal.

Quando ela entrou para a política disseram que seria mais uma a mamar nas tetas do governo, desviar dinheiro e enriquecer sem fazer nada. Mas ela foi assessora parlamentar por dez anos, construindo um trabalho competente ao ponto de ser eleita vereadora com 46 mil votos.

Quando ela entrou na Câmara como a quinta vereadora mais votada, muitos torceram o nariz. Mal sabiam quem era aquela mulher, negra, lésbica, favelada e detentora de tantos outros adjetivos que ela ostentava com orgulho quando utilizavam para ofendê-la.

Quando ela, com apenas dois anos de mandato, mostrou ser mais competente e atuante do que muitos poderiam imaginar, ela foi ameaçada. Não deu ouvidos. Havia passado 38 anos de sua vida sendo ameaçada de tantas formas, não seria agora que conseguiriam calar sua voz.

Quando ela foi assassinada, acharam que finalmente ela se calaria. Acreditaram mesmo que haviam silenciado aquela voz destoante, que haviam colocado aquela atrevida em seu devido lugar.

Quando ela foi sepultada surgiu um grito. Menos de dor que de revolta. Um grito que finalmente ecoou pelo país inteiro. Que rompeu fronteiras e chamou a atenção do mundo. A luta, que muitos acreditaram estar acabada, estava apenas começando. Sua voz ganhou força, ganhou apoio, ganhou respeito.

Quando ela virou símbolo de luta dos oprimidos, tentaram, covardemente, sujar sua imagem. Não pouparam esforços. Na ausência de argumentos, inventaram as mais criativas barbaridades. Foram desmentidos.

Quando ela morreu não se calou, não desistiu, não sumiu. Está, mais do que nunca, presente.