sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Insonestesia

Deitada, lutava com o turbilhão de pensamentos, barulhentos demais pra conseguir dormir. Pegou o celular e foi caçar alguma playlist que traduzisse o que estava sentindo.

- Você está bem?

- Ótima! Por que?

- Porque você está ouvindo essas músicas... esta aí principalmente..

- E o que tem?

- Você só ouve quando não está bem.

- Ahhhnnn...

- E aí?

- Oi?

- Você tá bem?

- Sim.

- Aí, ó.

- Que?

- Tá monossilábica.

- Hahaha.

- Tá fingindo.

- Como?

- Que tá bem.

- Por que raios faria isso?

- Porque você não gosta de mostrar esse lado.

- Por que?

- Acha que não vale a pena.

- ...

- Acertei.

- Não disse nada.

- Nem precisa. É quando não diz que dá pra saber.

- Mas e daí? Quem se importa?

- Eu me importo.

- Mentira. Todo mundo mente, você não é exceção.

- Certeza?

- Pode ser.

- Sabia.

- O que?

- Você está triste. E sabe que não minto pra você. E não adianta virar pro lado, de mim você não é capaz de fugir.

- Por que?

- Porque você é uma lagarta. Listrada. Com ares de ameixa.

- Não isso..

- Por que o quê?

- Por que que dói?

- Porque você não é stoneheart, nem insensível nem nada, pelo contrário: você.. é você.

- Quisera não o ser.

- Preferia ser o que?

- Uma pedra na estrada, quem sabe. Ou uma janela, num muro de tijolinho à vista, com uma flor pendurada do lado.

- E a vista seria pra onde?

- Pro mar, sempre.

- Que bonito..

- Oi?

- O seu sorriso pensando no mar.. é bonito..

- Ah...

- Ficou vermelhinha... hahaha... que bonitinha...

- Estou melhor..

- Que bom.

- Por que?

- O que? Por que é bom?

- Por que sou uma lagarta (listrada), e, por isso, não posso fugir de você?

- Porque você e eu somos a mesma pessoa. Lembra?

- Ah, verdade, tinha esquecido. Mas..

- O que?

- Se me divido tanto assim, era mais prático ser uma planária...

- Mas, se é uma lagarta, quer dizer que um dia você vira borboleta... 


E assim, com um suspiro, ela se deixou embalar consigo mesma e foi dormir, imaginando de que cores seriam suas asas.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ponto final

na primeira página um arroubo
epígrafe
palavras-chave
título disparado do meu 38
stevie wonder dedilhando meu sexo
a broadway inteira num
resumo em 500 palavras
mas é uma uma sátira cansada
herói bufão
chá mate chimarrão
um conluio de palavras-chave
fraturadas pela escravidão
vida roubada de si para si mesmo
imagina a galinha que dorme no poleiro
e acordar na panela
assim era o navio negreiro
sumário ou sumérios
a paginação em tigres
a lista de imagens nos eufrates
um bilinguismo generalizado
ishtar açoitando minha consciência
mas eu sou meio roberto carlos
não consigo entender sua lógica
exótica exaltada
sargão liderando uma matilha de homens famintos
quando chega a
página 30 uma celebração
a introdução
apresentando os
meus objetivos e fatos
pelas tantas
o marco polo e minhas hipóteses
afunda a veneza do meu relato
uma guerra inteira com gênova
reclamando que a butler só fala das classes
a b c d e f g h i j
qual é mesmo a tua turma
do nono ano
a dignidade em construção
não me livro do capital
o meu desejo
c  o  m  p  l  e  t  a  m  e  n  t  e
desfigurados em closes
falos patos pôneis um cavalo fistando
e eu em orgasmo
chego farfalhando nas conclusões
depois de grandes pausas dramáticas
ui uma falha
a NBR 6023 está reunindo a banca
infelizmente
foi plágio

o pássaro Sankofa

O pássaro Sankofa

Fernando de Albuquerque


A primeira coisa que ouço no diâmetro do campo,

é meu uivo rasgando o silêncio que existe

entre o corpo e as vestes dos meus inimigos.

Solto um canto medonho fazendo tremer as

juntas expostas ao inchaço da friagem. A brisa de

Siracusa não é nada, tal como o lamento

dos gatos anunciando a manhã. Uma

existência perdida em vocábulos ininteligíveis,

sancionando fatos com alguma

aquiescência lacônica. Uma vontade fica

suspensa como água que escapa entre os

dedos abertos. Desse pesadelo? Restará só

uma fala pegada ao órgão da vida, só nervo,

só músculos tremendo aos espasmos do tempo.

Esse meu grito, esculpido no ferro fundido do colono

glutão, tem força idêntica ao arroz guardado

nos penteados das princesas de Akan que cruzaram

o Atlântico. A silhueta Sankofa é uma agonia antiga.

É a sentinela da casa, tal como o cacique

de todos os mortos que alvoroçou no sono dos cartagineses

que lamentaram a praticidade banal de Catão.

Há algo de hediondo e essencial agregado

às sombras de Andrika. Um organismo complexo

e nuançado de crenças reunidas em um dicionário

de valores distintos. Nenhum homem branco poderá

jamais catalogar os carimbos de cabaça esculpidos e

avermelhados simbolizando os frontões das caturras

da eternidade. O meu canto, que resplandece na frente

da casa sob o céu de cobalto, é a previsão de dias

de fogo e dias de espada. Sou filho da obscura andança,

transmitindo meu sonho em mensagens quebradas

nos becos cingidos nas taperas da memória. Cantarei

mais uma vez nas curvas da história, quando as feições

brancas, claudicando sobre um calor meridiano, vão gritar

homilias de desculpas com os olhos rajados

de vermelho. Andarão mancos e doentes, entoando

padres-nossos e hosanas, como anacoretas da capadócia.

Correndo de hunos sorrateiros e onanistas em uma

desolação sem fim. Prestem atenção ao Sankofa, pois

os pássaros contam coisas com figuras de linguagem.

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

De Passagem


Vê-la, ali, mexeu comigo. Como uma blitzkrieg, a alegria e a tensão me anexaram a seus domínios. Fiquei com aquela inquietação que gela a cerveja no mangue às 17:30, com o sol se aninhando caprichosamente atrás da igreja da Penha. O céu da mesma cor da lava que o vulcão dentro de mim começou a expelir. 

Nada mais seria o mesmo depois daquela visão, ainda mais depois do que viria depois daquela visão. Ir para a escola, para o trabalho, para a academia, para qualquer lugar acabara de ficar prenhe, como uma lebre, de possibilidades do encontro. Passaria a viver a cidade como o poema de Ferreira Gullar. A própria idéia de encontro ganhava um novo e vivo significado, no qual passou a valer a pena acreditar.   

Quem me garante que ela não surgiria a de trás de cada ipê ou espirradeira nas calçadas, sorrindo e me convidandoQuando isso acontecesse, o sorriso dela teria o gosto do espinafre do Popeye na minha boca e me faria por a camisa do Maurício, 2 a 1 em 89. Vestir-me-ia com seu ímpeto de gol para chegar nela.  

Ela vem em minha direção, cheia de atitude, a princípio não entendo nada. Para na minha frente, sinto seu perfume. Acho que conheço a marca, de qualquer forma, nunca o senti mais cheiroso. O sinal no seio esquerdo se destaca no meio das de sardas. Neste momento estou com uma visão privilegiada. Fosse eu alguns centímetros mais alto, com meu pescoço em um ângulo agudo veria o seu umbigo através daquele decote. Com muito menos imaginação que altura, minha língua já descia do decote até o umbigo dela, descendo até um pouquinho mais. Ali mesmo, no meio de todo mundo, tentando o pudor. Já podia até sentir a textura da sua pele e  o frio de um possível piercing com a minha mesma língua. 

 Mas ela foi chegando ainda mais perto. O que ela pode querer 

“Próxima estação, Cinelândia, desembarque pelo lado esquerdo”, disse a voz metálica-feminina. O metrô desacelerou e a passagem do tempo lá fora já não estava mais tão rápida. Ao sair ela passou por mim, que estava escorado na porta. Catei seu olhar com o meu em vão. Desci três estações depois, no Largo do Machado. Com lembrança na língua de um atrito com pele. 

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Para onde vão as memórias?

Dia desses fiquei observando-a sentada no sofá enquanto atentamente corria a agulha por entre os pontos formados pela linha. Estava fazendo crochê. Fiquei ali por uns quatro minutos, revivendo tempos passados quando ela dedicava-se a algum tipo de artesanato nas pausas de suas tarefas, das quais, muito provavelmente, ela não se lembra mais, e só consegui pensar para onde vão as nossas memórias quando a gente perde a capacidade de lembrá-las. Pensei que talvez elas se percam num limbo metafísico, daquilo que foi e já não é, porque não é acessado senão pelo sentimento, ou talvez fiquem guardadas em algum outro lugar que resiste ao tempo porque conformam concretamente o que somos, e não há maior concretude do que ser, ou não, já não sei. Seria quase o mesmo que pensar para onde vai o tempo que passou, e não faz muita diferença se lembramos ou não dele, mas quando é possível lembrar, de alguma forma ele existe, e se nunca mais for lembrado?
Fiquei pensando nisso ao longo do dia, e só à noite, depois de alguma reflexão, percebi que a resposta dava-se por si mesma, pois têm coisas que nunca se perdem: não era ela quem fazia o crochê, mas sim o contrário. Ela aprendeu com a minha avó, que deve ter aprendido com minha bisavó e assim por diante, e por mais que em algum momento da minha infância eu também tenha aprendido, hoje não me lembro mais como fazer, mas lembro bem da carga afetiva que traziam aqueles momentos em que as gerações se reuniam no quintal de casa para tramarem juntas aquelas peças, e ainda trazem.

Sinto constante necessidade de reconhecer nela vestígios daquela força e criatividade e confesso que ela voltou a fazer crochê por incentivo meu, pois já nem se lembrava dos barbantes esquecidos no armário. Hoje é mais difícil, faz, refaz, faz errado, volta, perde a página da “receita”, me chama pra ajudar, faz de novo e quando volto a “fiscalizar” está no início mais uma vez. Mas apesar da tristeza que sinto ao perceber essas dificuldades, é fascinante ver como as memórias se resgatam naquele fazer em que linha e agulha tramam sua própria história e ancestralidade, resgatando as lembranças daquilo que não se perde porque se transmite pelo amor. Ali, entretida em seu trabalho, por diversas vezes chegou a se lembrar do pai, das tias, dos frutos mais bonitos que ficavam no alto dos pessegueiros e eram difíceis de ser alcançados.

Minha avó fez crochê até uma idade avançada. As últimas peças não ficaram perfeitas como as que havia feito ao longo da vida, a visão já estava dificultada, mas minha mãe as guardou, incapaz de dizer que estavam erradas. Só parou quando a cabeça assim a impôs, não percebia que já não passava a agulha pela linha construindo pontos, simplesmente tomava os bolos de sobras e as enrolava até dizer que estava cansada de fazer crochê, guardava tudo na sacola para dali a quinze minutos voltar a tomar as linhas novamente em suas mãos, como se aquilo fosse a única coisa que preenchesse o vazio de lembranças presentes. Não sei se, ou quando, isso irá acontecer com a minha mãe, temo que vá, mas espero ter tempo bastante para que ela possa continuar a tecer essas tramas que nos ligam de forma tão simples e ao mesmo tempo tão complexa, pra que ela possa seguir enfeitando a sala, o banheiro, meu quarto e a minha vida.

sábado, 22 de agosto de 2020

7 livros peruanos (traduzidos para o português) que você deveria ler

Quando se pensa em literatura peruana, muito provavelmente o primeiro – e talvez o único – escritor que vem a nossa cabeça é Mário Vargas Llosa, o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, em 2010. Não sei o quanto devemos respeitar uma premiação que existe desde 1901 e que até hoje só premiou 7 escritores latino-americanos (que nunca premiou um brasileiro e que laureou apenas um escritor lusófono, o português José Saramago), mas o fato é que os premiados com o Nobel acabam sendo traduzidos para o mundo todo, por grandes editoras e acabam virando referência em seus países. Entretanto,  há muito mais na literatura peruana do que Mário Vargas Llosa! A parte chata é que muito pouco está traduzido para o português e menos ainda temos traduzido das mulheres escritoras peruanas. Mas ainda assim, não sem antes garimpar um pouco, é possível encontrar algumas preciosidades e surpresas. Vamos lá:


1. Só para fumantes (Júlio Ramón Ribeyro)

Esta é uma primorosa coleção de 13 contos escritos por Ribeyro ao longo da vida (1929-1994). O livro vai do tragicômico do homem que não consegue largar o vicio do cigarro (conto autobiográfico que dá título à coletânea) à questões sociais como a miséria que assola os setores marginalizados do Peru, como os meninos famintos de “Urubus sem penas”. A impotência dos homens perante à inexorabilidade do tempo e dos reveses da vida parece ser o mote de todos os contos e aparece na frustração do homem que não consegue largar o vício, na frustração do menino que não consegue recuperar os livros que foram do avô, na frustração do homem ao ver estilhaçado o espelho que passou por muitas gerações de sua família e por aí vai. Aqui temos o gênero conto representado em grande estilo. 


2. Os rios profundos (José Maria Arguedas)

Arguedas, que suicidou-se em 1969, era antropólogo e etnólogo e em “Os rios profundos” busca mostrar os dois Perus que existem, aquele que fala espanhol, descendente dos colonizadores, e aquele que fala quéchua, a língua da população nativa peruana, descendente da civilização Inca. O livro relata a viagem do menino Ernesto (personagem autobiográfico) e seu pai pelo interior do Peru, conhecendo as disparidades de relações sociais entre estes dois grupos. Arguedas era falante e tradutor do quéchua e os encontros e desencontros étnicos sempre o fascinou. “Os rios profundos” está editado no Brasil atualmente pela Cia. das Letras e também pode ser facilmente encontrado em sebos, em diversas edições.


3. Contar tudo (Jeremías Gamboa)

Jeremías Gamboa é uma jovem promessa da literatura peruana, elogiado por Mário Vargas Llosa e atualmente um best seller no Peru. “Contar Tudo” (livro de inspiração autobiográfica) foi publicado em 2013 e conta a história de Gabriel Lisboa, um jovem nascido na periferia de Lima, que decide abandonar uma sólida carreira como jornalista – sempre tão imediatista e sem poesia – para dedicar-se à literatura, onde procura encontrar a si mesmo e entender melhor o mundo. “Contar Tudo” foi publicado no Brasil pela Alfaguara e pode ser facilmente encontrado.


4. Um mundo para Julius (Alfredo Bryce Echenique)

Nesta obra de 1970, Echenique usa de exemplo às contradições existentes no interior da oligarquia limeña, para fazer uma grande crítica às oligarquias de toda a América Latina. O protagonista é Julius, um menino melancólico que vive no interior de uma dessas famílias e que recebe desta apenas frieza e indiferença. Num mundo de clubes de golfe e de roupas de grife, Julius parece não encontrar o seu lugar e encontrará afeto somente nos empregados da família (a babá, a cozinheira, o motorista filho de escravos), aqueles que eram tratados com desprezo e repugnância por seus pais e irmãos. Echenique, hoje com 77 anos, é um premiadíssimo escritor peruano ainda pouco conhecido no Brasil. É dele o prefácio de “Só para fumantes”, publicado pela Cosac Naify. “Um mundo para Julius” está esgotado no Brasil, mas ainda pode ser encontrado em sebos.


5. Bom dia para os defuntos (Manuel Scorza)

Publicado em 1970, esta obra representa o realismo mágico latino-americano, onde a magia anda de mãos dadas com – tristes – fatos reais. Temos um relato de como a população indígena peruana se organizou, no decorrer dos anos 50, para recuperar suas terras, roubadas com o apoio do governo, por grandes latifundiários e pela empresa estadunidense Cerro de Pasco Corporation, que explorava jazidas de minério no antiplano peruano. A publicação deste livro-denúncia foi tão grande no Peru, que o principal líder da revolta dos camponeses, Héctor Chacon, foi libertado após 11 anos de prisão no meio da Amazônia peruana. Atualmente, só pode ser encontrado em sebos.


6. Obra poética completa (Cesar Vallejo)

O maior dos poetas peruanos, Vallejo (1892-1938) é pouco editado no Brasil. Por aqui, sua poesia é artigo raro, encontrada em alguns poucos sebos. Sua poesia é bastante experimental rompe com os dogmas tradicionais da gramática, valendo-se de toda sorte de neologismos e recursos estilísticos (fusão de palavras, quebra inesperada de ritmo, etc). A oralidade de seus poemas nos faz lembrar bastante autores brasileiros como Guimarães Rosa e Manoel de Barros. 


7. Sexografias (Gabriela Wiener)

Gabriela Wiener esteve no Brasil em junho para participar da FLIP, a Feira Literária Internacional de Paraty e causou por aqui grande alvoroço. Isso porque seu livro “Sexografias” relata sua jornada jornalistica pelos extremos do sexo. Representante do chamado “jornalismo gonzo”, em que o próprio jornalista é alvo da reportagem, Wiener relata as experiências que teve em swings e em práticas sadomasoquistas.


Faixa-Bônus:

8. A cidade e os cachorros (Mário Vargas Llosa)

Sim, apesar de querermos priorizar aqui os menos conhecidos, Mário Vargas Llosa não pode faltar em uma lista de escritores peruanos. Neste livro de 1962, Llosa inspira-se em sua própria infância, quando foi enviado pelo pai autoritário a um rígido colégio
militar. A história se passa no Colégio Militar Leoncio Prado, onde os cadetes veteranos imprimem toda sorte de humilhações e hostilidades aos cadetes novatos, a quem chamava de Cachorros. Os meninos, em sua maioria pobres e já humilhados em suas famílias, acabam por tentar se unir contra as ofensivas dos mais velhos. Este romance revelou Llosa ao mundo e é uma ótima porta de entrada para sua grande obra, que contém títulos consagrados como “As travessuras da menina má”, “Conversas na catedral”, “Pantaleão e as visitadoras”, “A guerra do fim do mundo”, etc, todos com boas edições no Brasil pela Alfaguara.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A vingança da natureza

Este é o ano em que as outras espécies finalmente se cansaram do protagonismo dos humanos. Um simples vírus resolveu deixar claro que não podemos mostrar quem é que manda, pois a vida no planeta é baseada em equilíbrio, não em ordens.


Nem todas as pessoas ficam indignadas com essa revolta da natureza. Claro que ninguém está feliz com o vírus, mas bastou uma naja morder um traficante de animais em Brasília para ser exaltada e conseguir uma popularidade rara, para inveja de muitos políticos.


Outro exemplo da harmonia entre humanos e animais foi visto quando a ema do planalto, carinhosamente apelidada de Adélia, teve mais atitude do que a oposição e reagiu com sensatez, bicando o presidente, por duas vezes, para colocar as coisas em seu devido lugar.


Mas a teimosia dos humanos e a recusa de enxergar a realidade é notória. A Amazônia devastada e o Pantanal em chamas mostram que muitos insistem na hegemonia humana, como se vivêssemos apesar da natureza e não graças à natureza.


Eu, longe da naja, da ema, da floresta e me esforçando para me manter longe do vírus, vi da janela do quarto os funcionários da prefeitura derrubando a árvore da calçada do vizinho. A sibipiruna de uns 20 metros precisou de dois dias para ser removida, para a alegria do morador, que estava “cansado da sujeira”.


Nesses tempos em que somos bombardeados por novas indignações a cada dia, às vezes a cada hora, não dá para ficar pensando na árvore, ainda que todos os dias me depare com o buraco vazio, que era preenchido pela enorme copa, parada obrigatória das maritacas.


Em uma sexta-feira com cara de sábado, ou domingo, ou feriado - essa quarentena deixa tudo meio confuso - ligo o computador pensando em uma lista enorme de tarefas do trabalho. Não me dei conta da luz vermelha piscando no modem.


A frustração de não ter internet nunca vem sozinha, ela é acompanhada do desespero de ter que ligar na operadora, digitar incontáveis números até chegar na atendente, que vai agendar a visita do técnico, que nunca sabemos se realmente virá.


Assim que o técnico olhou o modem disse “tem muita maritaca por aqui?”. Bastou ligar um aparelho para a luz vermelha piscar na beira do telhado. O ponto exato onde a maritaca destruiu a fibra óptica.


Não adiantou ficar do lado da naja e defender a ema incondicionalmente, também fui vítima dos black blocs da natureza. Pelo jeito a ordem foi de um levante geral, sem distinções.


Por outro lado, seria difícil um ataque ao antigo dono da árvore. O velhinho, que mal sai de casa, sequer tem um fio de internet para ser cortado. Se a ideia é uma harmonia com a natureza, ao menos tive uma folga forçada do trabalho e pude passar um dia longe do computador.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Inspiração

Na escola onde trabalho temos alunos (a maioria adolescentes, vale ressaltar) de diversas realidades; muitos com problemas financeiros graves e famílias desestruturadas. Uma das minhas funções é fazê-los sonhar. E mais do que isso, fazê-los acreditar que sonhos são possíveis.

Conseguir inspirar os alunos pode ser um grande desafio. Ainda mais com o isolamento social. Conversar, ajudar, orientar sem poder olhar nos olhos (abraçar 😭) ou perceber as emoções se mostrou um desafio imenso.

Daí que no mês passado fizemos algumas palestras ao vivo pelo YouTube com esse propósito. Para que não desistam do curso e nem dos seus sonhos. Para que saibam que nada acontece magicamente. Que para um sonho se concretizar é preciso muito trabalho e dedicação.

As palestras tiveram resultados super positivos. Leio comentários incríveis. Muito melhor do que imaginei. Tão bacana. Separei alguns fragmentos pra compartilhar com vocês:

... me motivou a estudar mais do que estudo hoje. E também a acreditar em mim mesma.

... ver uma pessoa do mesmo bairro que eu conquista o mundo é incrível ...

... ela é um exemplo de mulher. Me inspirou muito ...

... me mostrou que mesmo com as dificuldades e com a minha timidez eu não posso desistir do meu futuro.


E é claro que me surpreendi comigo mesma...

Fico tão focada nos alunos e no que posso fazer por eles que acabo me esquecendo que tudo me afeta também! Me senti motivada, inspirada, acolhida... tanto pelos palestrantes quanto pelas respostas dos alunos.

E pensando em inspirar, acabei inspirada.

O que te inspira?



Caso tenha interesse, essas são as palestras:

Oportunidades Profissionais Através do English In Action com Beatriz Amaral

A experiência de uma jovem brasileira em Manchester com Jacqueline Tereza

O inglês como um divisor de águas - Rony Santos



Meu outro texto aqui no blog:

Estreando